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31/08/2015


82. 

A EVOLUÇÃO DO AMOR

 

 







Amor, impulso fundamental da vida, força de coesão que rege o universo, potência divina de eterna reconstrução!

 











Encontrá-lo-emos sempre indestrutível, em formas infinitas, em todos os níveis do ser. 

Com este, o amor subirá, sublimando-se até o paraíso dos santos. 

O amor, como a dor, tem uma função fundamental de conservação, coesão e renovação, é parte integrante do funcionamento orgânico do universo; o impulso não se destrói, mas se reforça e eleva; o desejo não se mata, mas se guia para uma contínua elevação. 

Evolução de instintos, evolução de paixões, aperfeiçoamento constante da personalidade (teoria evolutiva do psiquismo).
 

Também aqui observamos o amor nos diferentes níveis e sua ascensão. Assim traçaremos novo aspecto das vias da evolução. 

O amor, que no mundo animal é função prevalentemente orgânica, adquire no homem funções de ordem nervosa e psíquica; complica-se, dilata seu campo de ação, sutiliza-se e sensibiliza-se (se souber evitar o perigo de uma degradação neurótica) para um super-amor espiritual. 

Se é necessário não destruir, mas fazer evoluir as paixões, justamente por isso, é indispensável dominá-las e guiá-las, orientando-as para a fase espiritual. 

Tudo o que acentua o elemento nervoso e sutil: 

fascínio, simpatia de alma, graça, arte, música, vibrações e psiquismo; 

tudo isto é perfume e poesia do amor, tudo que desmaterializa e espiritualiza é evolução que vos guia para a superação das formas do amor humano. Estais à porta de novo reino: 

o amor místico e divino. 

Êxtase supremo que os santos experimentaram, não é digressão agradável de sentimentalismo romântico, é a mais tempestuosa das conquistas, a mais alta tensão do domínio sobre as forças biológicas, uma luta viril contra a humanidade, onde se empenham todas as forças da vida. 

Compreendo um misticismo ativo, que renuncia para criar, e não aquele vazio misticismo moderno, neurótico e sensual, enervante e doentio, que, entre artificiais complicações de sutilezas, só existe no espírito, ocioso e desolado.
 

No alto, como ponto limite da evolução humana, está o amor divino. Ao homem mediano só podemos pedir a maior aproximação admissível por suas capacidades de concepção e suportável por suas forças. 





Nas gradações infinitas das aproximações à perfeição, cada um em seu nível procurará embelezar e elevar, ao máximo, instintos e paixões. 

A meta seja aquele super-amor alcançado pelos grandes; eleve-se o humano para o divino em sucessivas destilações que derrubam embaixo e reconstroem cada vez mais alto. Ascensão das paixões, que faz parte da elevação de toda a personalidade, de uma transfiguração do Eu. 

Por isso, o vínculo substancial de qualquer união de amor deve ser ele próprio; sem amor, tudo é nada, reduzindo-se a uma forma de prostituição, ainda que revalidada por todas as sanções religiosas e civis. A forma não pode criar a substância, de que depende a felicidade dos filhos e o futuro da raça.
 

As formas de amor elevam-se gradualmente, e cada ser, desde o animal ao selvagem, ao homem inculto, ao intelectual, ao gênio, ao santo, ama diferentemente, de acordo com as qualidades e o grau de perfeição que tenha atingido. Com a ascensão do tipo, transforma-se a expressão do amor — a maior força do universo. 

Sempre presente em qualquer altitude, suas funções — desde a mais simples nos seres inferiores, a de multiplicar a espécie — enriquecem-se e se complicam numa quantidade de novas tarefas, desenvolvem-se em amplidão de ações. A fêmea transforma-se em mulher, o macho em homem. 

A atração sexual se engrandece no amor materno, que se diferencia e enriquece nas formas de amor paterno, filial, familiar, nacional, humanitário, até ao altruísmo, à abnegação, ao martírio. A mulher transforma-se em anjo, o homem em santo.
 

Nessa ascensão do amor há uma contínua reabsorção do impulso socialmente desagregante do egoísmo, uma emanação que a ele substitui as forças socialmente construtivas do altruísmo. 

A função do amor é criar, conservar, proteger. Seu desenvolvimento exterioriza e intensifica todas as defesas de uma vida cada vez mais complexa. Essas ascensões não são sonho estéril, mas contêm a gênese das forças de coesão do organismo unitário da futura sociedade humana. 

Altruísmo necessário num mundo mais evoluído, mesmo que possa parecer utopia hoje, em que por vezes é um esforço extensivo apenas ao restrito círculo familiar. 




Reabsorção do egoísmo pelo amor, inversão de impulsos, que é somente um momento do processo de inversão das forças do mal em bem, da dor em felicidade. 

O egoísmo é restrito, seu separatismo o isola e limita-lhe o gozo. A ascensão do amor transforma-o, por expansão contínua, em sempre maior capacidade de gozar. 

Nas alegrias presas ao denso meio da matéria, existe alguma coisa que cansa e desgasta nos atritos, mais rapidamente que nas alegrias livres do espírito. Este escancara os braços ao infinito e possui tudo sem nada pedir.
 

Que novo espaço darão à vida as mais altas paixões! Quanta sutileza e profundidade de gozos possuirá o homem futuro, que, sem dúvida, olhará com náusea as festas brutais dos sentidos como os concebeis hoje! Que música será então a vida, fundida na harmonia do universo! 

A paixão desmaterializar-se-á até o superamor do santo, gozo real e altíssimo, fenômeno não assexual, mas supersexual, pretendido para seu termo complementar, que está além da vida, no seio das forças cósmicas. 

Na solidão dos silêncios imensos, o santo ama, com a alma hipersensível estendida e aberta a todas as vibrações do infinito, num impulso impetuoso e frenético para a vida de todas as criaturas irmãs. 

Se vos parece sozinho, ele está com o Invisível, ao qual estende os braços no êxtase de um supremo e amplíssimo amplexo; alguma coisa lhe responde do imponderável, inflama-o e o sacia; num incêndio que tornaria cinza qualquer ser comum, arde o amor que abraça o universo; num mistério de sobre-humana paixão, Cristo abre dolorido os braços na cruz e São Francisco, no Verna, abre os braços a Cristo.


19/08/2015


81. 

A FUNÇÃO DA DOR







Outra força que o homem moderno teria de compreender é a dor. 











A atitude de vossa mentalidade diante do fenômeno da dor é a de defesa e de rebelião. 

A ciência fez faiscar em vossas mentes a ilusão de uma possibilidade de paraíso imediato na Terra e desencadeou uma guerra contra a dor, mesmo à custa de qualquer prostituição moral, num paroxismo de terror que revela como, mesmo nas dobras de sua audácia, esconde-se numa zona cinzenta de fraqueza, uma alma cega diante dos objetivos supremos. 

Mas essa atitude de espírito não alcançou sua meta e jamais, mesmo no estrondo de tão grande progresso, a dor assanhou-se tanto mais aguda e profunda; nunca se viu maior vazio no espírito, faltando a coragem de lutar e saber sofrer. 

A ciência não compreendeu que a dor tem uma função fundamental de equilíbrio na economia da vida e como tal, não pode ser eliminada; ela é íntima função de ordem, função biológica construtiva, como excitante de atividades conscientes. 

O tão criticado estado de alma, de resignação paciente, é uma virtude de adaptação, de resistência e de defesa, que os povos modernos estão perdendo. 



A ciência movimentou-se para eliminar as causas próximas da dor; ela, porém, corresponde a uma lei de ampla causalidade, cujos primeiros e distantes impulsos é mister pesquisar. 

Essas causas estão na substância dos atos humanos, na natureza individual. Enquanto o homem for o que é e não souber realizar o esforço de realizar-se a si mesmo, a dor será parte integrante de sua vida, com funções evolutivas fundamentais. 

Portanto, é irredutível fator substancial que impõe a evolução. Sei muito bem como é o homem moderno e não lhe peço a perfeição imediata. 

Digo-lhe, entretanto, que, se não for capaz de melhorar-se e enquanto não modificar-se, todas as dores que lhe sobrevierem serão justas e bem merecidas.
 
Pobre ciência: 

muda diante dos problemas substanciais! 

Pobres crianças que odiais a dor que vós mesmos quisestes e que semeastes; que tendes a ilusão de vencê-la, calando-a e escondendo-a ao invés de compreendê-la. 

Os problemas só se resolvem quando são enfrentados com lealdade e coragem. No meio de tanto progresso, cada um caminha mudo dentro de si mesmo, a sorrir numa máscara de cortesia, que esconde seu fardo de males secretos. 

A cada dia, novos excessos em todos os setores, excitando novas reações de sofrimentos futuros. Se o homem tem de ser livre e, no entanto, ignora as consequências de suas ações, uma dor atroz que o flagele é, para seu bem, a reação necessária e proporcional à sua sensibilidade. Isto é inevitável, quando a orientação da vida for toda errada. 

A lei das coisas nem por isso se modifica, mas reage a cada momento para fazer-se compreender. Em sua ingenuidade, o homem pretenderia violar e modificar a Lei, torcendo-a a seu favor; está iludido de que pode e sabe tudo, fraudando a todos; ri-se das reações e considera o irmão caído como um falido, ao invés de estender-lhe a mão, para que a encontre estendida para si quando for sua vez de cair. 



Deveria, ao contrário, compreender que, num mundo em que nada se cria e nada se destrói, também no campo das qualidades morais sutis, só se neutraliza um efeito ao reconduzi-lo invertido para a sua causa, a fim de aí encontrar sua compensação. Não se anula uma quantidade de caráter consciente e moral, se não for absorvida pela vida.
 
A mentalidade moderna míope limita-se ao jogo da defesa imediata, contra uma força que volta sempre. Com constante esforço expulsa-a, ao invés de absorver-lhe o alívio que a esgota; para não ver e para atordoar-se nos prazeres, aumenta-a com novos erros, que voltam sempre em forma de novas dores. 

Assim, homens, classes sociais e nações transferem-se uns aos outros essa massa saturada de débitos, que circula por todos, passa de geração em geração e fica sempre a mesma, porque ninguém a absorve. 

Cristo, que morreu na cruz, redimindo a humanidade com sua paixão, é o grandioso símbolo que resume e convalida esses conceitos.
 
Que diremos ao homem comum que sofre, mesmo ignorando? 

É bem triste, por vezes, o quadro das reações naturais, que denominais castigo divino. Inútil negá-lo: 

todos sofrem mais, ou menos; todos se debatem entre os braços do monstro. 

Pobre ser, o homem! Não só permaneceu pagão, mas bestial na substância, abaixa tudo a seu nível: 

religião, estado, sociedade, ética. 

Para adaptá-los a sua condição, realiza uma contínua redução de todos os valores morais; permanecendo nos instintos primordiais do furto e da guerra, precisa atravessar dores ingentes, porque só elas poderão fazer-se entendidas, abalando sua inconsciência. 

A alma humana, que hoje amontoou sobre si um fardo tão embaraçoso de inútil cerebralismo, não vê esses equilíbrios espontâneos e simples. No paroxismo de um dinamismo frenético, sua alma é fraca e primitiva. 

Que poderia fazê-lo recobrar a razão, mesmo deixando-o livre, se não a imensurável massa de dores? 

Está equilibrado em seu nível, oprimido por áspera luta e por uma realidade de dores. Iludido, insensível, inconsciente, o homem resiste a qualquer melhoria substancial; corre atrás dos sentidos, ambiciona a ascensão exterior, econômica, ávido para abusar de tudo, imerso no egoísmo do momento, ignorante do amanhã, fechado em seu horizonte.
 
Se o gênio não se abaixar até ele, certamente que nada saberá fazer para alçar-se até o gênio. 

As verdades são julgadas, mas o desfrutamento dos ideais é tão velho quanto os homens e a sociedade habituou-se a considerá-los mentira. Cada um sabe, por instinto, filho de experiências seculares, que por trás de tantas ostentações de coisas grandes, existe a própria miséria moral e material; que aquelas são retórica e esta a realidade; acredita nas verdades em que todos creem, a festa do próprio ventre é a vitória por qualquer meio. 

A palavra é dada à dor, única marteladora eterna de destinos e forjadora de almas. Ela ficará enxertada no esforço da vida, gotejando cada dia, e com grandes lufadas periódicas coletivas, para atingir as almas e deixar nelas suas marcas.
 
Para chegar à solução do problema é indispensável o aperfeiçoamento moral, o remate do amadurecimento biológico do super-homem; é preciso subir com Cristo à cruz e refazer a vida individual e coletiva nas bases do amor; é necessário saber reencontrar na dor uma força amiga, da qual se compreendem as causas, a função, e delas se utiliza para a própria ascensão. 



A dor é o esforço necessário da evolução, é a essência e a razão da existência; contém o germe de uma felicidade cada vez mais alta que o homem “deve” conquistar. Esses equilíbrios são insuprimíveis e indispensáveis à respiração do universo.
 
Se a dor faz a evolução, a evolução anula progressivamente a dor. Esta, reabsorvendo a reação e eliminando o débito, operando a gradativa harmonização e atuação da Lei no Eu, elimina-se a si mesma, enquanto faz progredir o ser.
 
Isso demonstra a justiça e a bondade da Lei, que não é lei de mal, nem de dor, mas lei de bem e de felicidade. 

Por isso é necessário seguir um caminho de gradual redenção em várias etapas: 

primeiro, reabsorver as reações livremente excitadas no passado, sofrer pacientemente as consequências das próprias culpas; depois, reconstituído o equilíbrio, manter-se em estado de harmonia com a Lei, evitando qualquer nova violação e reação. 

É indispensável conceber o universo não como um meio para a realização do próprio Eu, seu centro, mas como um universo regulado por uma Lei suprema, dentro da qual só é possível realizar o próprio Eu, quando em harmonia com tudo o que existe. 

É necessário conceber a dor não como um mal devido ao acaso, mas como uma forma de justiça, como uma função de equilíbrio que ensina ao homem, mesmo respeitando-lhe a liberdade, os verdadeiros caminhos da vida, e o “constrange”, após tentativas e erros, pelo único caminho possível, o do próprio progresso. 





A dor não pode desaparecer, se não for pago o débito à Lei de justiça, que, no campo moral, social, histórico, econômico, físico e químico, é sempre a mesma Lei, a mesma vontade, o mesmo Deus. 

Não se rouba, não se escapa, no tempo, à sua ação; rebelar-se é excitar maior choque de reações; sua elasticidade (divina misericórdia) é tão grande que pode conter todo o livre-arbítrio humano, terminando sempre por devolver-vos como fato inexorável.
 
A anulação da dor é feita corajosamente através da dor. Por isso, ela pode ser colocada no caminho das ascensões humanas. Recusai a utopia que o materialismo vos pôs na mente e percebei esta solene verdade da vida. 

Entre o impulso frenético de vossos tempos para todas as felicidades, entre a série lastimável de todas as experiências humanas, diante da desilusão, com um sonho vão nas pupilas da felicidade não atingida, tenha o homem a coragem de olhar esta realidade mais profunda, abrace fraternalmente sua dor. 

Que ele aprenda e progrida na arte de saber sofrer. Talvez julgueis este tom prevalentemente negativo, mas ele é apenas sob vosso ponto de vista humano, não das reconstruções super-humanas, onde jaz minha maior afirmação. 

Na tábua relativa de vossos valores éticos, estais sempre embaixo e vossas virtudes violentas e guerreiras, necessárias ao vosso estado atual, não serão mais virtudes e serão superadas amanhã. 

Tudo é proporcional ao próprio nível e o exprime. Há muitas formas de dor, esta é tanto mais grave, quanto mais baixo estiver o ser. 

A medida do contragolpe doloroso, que recai sobre quem movimentou a causa, é obtida pelo cálculo de responsabilidade e vimos, modifica-se com o grau de evolução, a qual sutiliza a cadeia férrea das reações.
 
Observai como o castigo quase se volatiliza, no processo da espiritualização progressiva. 

No mundo subumano, a dor é derrota sem compaixão; o ser sofre nas trevas, cheio apenas de ira, num estado de miséria absoluta, sem luzes espirituais compensadoras. É a dor do condenado, cego, sem esperança. E o homem tem liberdade de retroceder para esse inferno, se não quiser aceitar o esforço de sua libertação. 



No mundo humano, a consciência desperta, pesa e reflete; o espírito tem o pressentimento de uma justiça, de uma compensação e de uma libertação, e espera. É a dor tranquila de quem sabe e resgata; é o purgatório confortado por uma fé; o castigo para nas portas da alma, que tem seu refúgio na paz. 

A mente analisa a dor, descobre-lhe as causas e a Lei, aceita-a livremente como ato de justiça que trará alegria; de um tormento faz um trabalho fecundo, um instrumento de redenção. 

Quanto já perdeu a dor de sua virulência! Muito diferente é o sofrer esperando e bendizendo, pois, o golpe contra a alma assim encouraçada é menos amargo e, no espírito defendido por essa profunda consciência, tem menor força de penetração. 

A visão substancial das coisas dá, a cada caso, a sensação da justiça, uma grande fé e um absoluto otimismo; entre as dissonâncias do ambiente, forma-se na alma um oásis de harmonia. 

Chega-se, assim, por graus, ao mundo super-humano, em que a dor perde seu caráter negativo e maléfico e transforma-se numa afirmação criadora, em poder de regeneração, numa corrida à vida. Ergue-se, então, o hino da redenção: 

felizes os que choram.
 
A dor, obrigando o espírito a dobrar-se sobre si mesmo, prepara o caminho para as profundas introspecções e penetrações, desperta e desenvolve suas qualidades de outro modo latentes, multiplica-lhe todas as potencialidades.
 
Sobretudo para as grandes almas, a dor é uma força de valorização e criação. A expansão da vida, constrangida para dentro, atinge realidades mais profundas e o choque da dor obriga a seguir os caminhos da libertação. 

Novo mundo se revela a cada golpe que parece trazer ruína, algo referve e nasce do âmago do Eu; a cada golpe da dor que parece mutilar a vida, algo se reconquista, que a faz crescer e a eleva. 

A dor desapega e liberta de um invólucro denso de desejos e de sensações; a alma, a cada pedaço de animalidade arrancado, dilata-se em mais amplo poder de percepção, em forma mais intensa de vida, em realidade mais profunda. Imaginai a mais titânica das lutas, o mais tremendo dos esforços, a mais impetuosa tempestade. 

Há um dilaceramento silencioso no âmago das leis biológicas; uma disputa palmo a palmo no campo da vida; um encarniçamento de retornos atávicos para baixo, uma atração irresistível para o alto. 

Espírito e animalidade lutam, vinculados e inimigos, como na hora da alvorada lutam a luz e as trevas, para que surja o dia. Na fase super-humana a dor não é mais apenas expiação, que se conforta com a esperança: 

é o ímpeto frenético das grandes criações espirituais. 

No meio da luta pela libertação, a sensação dominante é juventude, na expansão das energias é ressurreição; enfraquecidas as paixões e dominadas as prepotências da natureza inferior, a sensação do espírito vitorioso é o doce repouso de quem aporta num oásis de paz. 



O espírito olha então com mais calma dentro de si. A dor e a luta sutilizaram seu ouvido e ele pode ouvir. Então evoca-se o canto do infinito. 

Então, lentamente, do âmago da alma, entoa-se a grande sinfonia do universo. As notas que aí cantam são as estrelas e os mundos, as flores e as almas, as harmonias da lei e o pensamento de Deus.
 
Levanta-te ó alma, tua dor está vencida! Morta, entre as coisas mortas, está tua dor, lá em baixo, inútil instrumento jogado fora, lá embaixo, na margem deserta de um caminho triste. No infinito, o universo canta: 

levanta-te, tua dor está vencida. 

Todas as coisas transformaram-se diante do olhar de Deus; o canto tem tal profundidade de doçura, que a alma se desorienta. Pela alegria da mente, caem os véus do mistério; pela alegria do coração caem as barreiras do amor. 

Abre-se o universo. Uma vibração onipresente de amor transporta o espírito fora de si, de visão em visão, de felicidade em felicidade. 

Ele não luta mais: 

abandona-se, esquece-se em Deus. 

As forças da vida o sustentam e o arrastam, lançam-no para o alto onde está o novo equilíbrio. 

Decepadas as cadeias, ele está verdadeiramente livre e pode subir; o passado persegue e é necessário percorrer até o fundo os caminhos do bem, tanto quanto para os maus é preciso que se afoguem até o fundo, nos caminhos do mal. Então o ser não pertence mais à Terra de dor: 

imerge cada vez mais na luz do Cristo e aí se aniquila num incêndio de amor.
 
Estas não são rarefações utopísticas da respiração da vida, senão enquanto não for deslocado o centro da personalidade para o mundo super-humano. 

O conceito de dor-prejuízo e de dor-mal evolui, desse modo, por gradações, para o de dor-redenção, dor-trabalho, dor-utilidade, dor-alegria, dor-bem, dor-paixão, dor-amor. 

Há como que uma trans humanização da dor na lei santa do sacrifício. Nesse paraíso, o milagre da superação da dor através dela própria está realizado. 

O mal transitório, o estridor das violações, o choque violento entre a livre ação e a lei esgotam-se em suas funções; a dor existe para engolir-se a si mesma; cai o desacordo à proporção que atinge a harmonia. 

Por meio desse sábio mecanismo, pelo qual a liberdade é obrigada a canalizar-se para o progresso, chega-se à unificação do Eu com a Lei. Então desaparece qualquer possibilidade de violação e de reação e a dor se anula em sua causa. Então a alma brada:
 
“Senhor, agradeço-Te por esta, que é a maior maravilha da vida: 

que minha dor seja Tua bênção”!
 
Mesmo por outros caminhos inferiores e coletivos, a dor tende a anular-se. Este é o último anel da cadeia:
 
involução, ignorância, egoísmo, força, luta, seleção. 

Mas o ímpeto evolutivo transforma a fase da força em justiça, o mal em bem. Demolindo as mais baixas condições de vida, opera a transformação da dor. 

Coletivamente, a força — por um jogo de reações coletivas, por progressiva aproximação e pela lei do mínimo esforço — tende, com o uso, à auto-eliminação, quase reabsorvida em si mesma e ressurgindo em forma de justiça; assim coletivamente a dor tende a se anular como fator transitório inerente às mais baixas fases de evolução. 

Absurdos seriam um mal e uma dor incondicionais e definitivos. O maior ímpeto da vida, a evolução, leva, necessariamente, o mal ao bem, a dor à felicidade.
Mostro-vos todas as gradações da verdade, para que cada um escolha a mais elevada em seu concebível. 

Dizei-me como sabeis sofrer e vos direi quem sois. Cada um sofre diferentemente, de acordo com seu nível: 

uns amaldiçoando, outros resgatando, outros abençoando e criando! Das três cruzes iguais sobre o Gólgota, partiram três gritos diferentes. 





Só justiça e amor é a reação dos Grandes. Cabe a vós saberdes extrair do esforço da vida a maior ascensão do espírito, utilizando a dor, ao invés de combatê-la, transportando cada vez mais para o alto o centro de vossa vida.
 
Certamente que nestes níveis não estamos na ordem comum das coisas humanas atuais, e tudo isso pode parecer fuga e demolição de virtudes positivas; mas eu vos disse que é fuga, para uma afirmação mais elevada. 

Isso pode parecer mutilação de aspirações e de vontades, supressão de energias sadias, produtivas, mas aquelas aspirações jamais vos farão sair do ciclo da vida nos níveis inferiores, nos quais cada vitória tem que contrabalançar-se com uma derrota, cada juventude com uma velhice. Aí, cada grandeza precipita-se sempre em sua destruição. 

O que vos indico, porém, é sublimação da vida, numa forma de ação mais alta, dirigida a conquistas que são as únicas eternas; ação mais enérgica e civilizada que o desperdício inútil da agressão comum, que desorganiza; ação mais produtiva, porque consciente das forças naturais, entre as quais ocorre.
 
Não vos indico como ideal supremo humano a figura primitiva do herói da força que violenta e vence, mas — ainda que as massas não nos entendam — mostro-vos o super-homem, em que a vontade do dominador, a inteligência do gênio, a hipersensibilidade do artista e a bondade do santo fundem-se; o lutador sobre-humano que perdoa e ajuda a seu semelhante, só ataca as forças biológicas e as submete, ser de nova raça, lutador da justiça, senhor de si mesmo, para o bem coletivo.
 
A santidade não morreu nem foi superada, apenas começou e tem que subsistir no mundo moderno uma santidade nova, culta, consciente, científica, que ressurja das velhas formas no coração de vossa vida turbilhonante; é mister que volte a lutar pelo bem e, com vossa psicologia objetiva, enfrente heroicamente o choque de vossa rebelde alma nova.

Se hoje o lema é força, que seja a força superior do espírito; seja uma beleza espiritual que ouse mostrar-se viva no mundo como um desafio, para que este, se não compreender, dilacere-a e dilacerando-a, aprenda. 

O santo, nesse sentido amplíssimo, passa em missão, só é grande por inclinar-se a educar e erguer para essas superações da dor. Muito lento é o caminho das massas inconscientes, embaixo . 

Esperam elas a fecundação da parte desse ser, ponto culminante, para o qual converge todo o transformismo fenomênico, sustentado e querido por todas as forças da evolução, fenômeno realizado da transformação biológica. 

No último produto do grande esforço da vida, a criação se dobra sobre si mesma para retomar, no movimento evolutivo, as camadas mais baixas. O impulso torna a descer para elevar e para aliviar a dor; estende a mão ao homem que caminha sob o peso de sua ascensão, e carrega sobre si a dor do mundo.
 
Esta retomada ascensional, que já estudamos como característica fundamental no desenvolvimento da trajetória típica dos movimentos fenomênicos, aqui se torna inerente ao impulso da evolução e nela representa ainda uma tendência à eliminação da dor.




12/08/2015



80. 

O PROBLEMA DA RENÚNCIA


 






Prossigamos nos caminhos da evolução, que agora atingirá problemas mais substanciais, penetrando as camadas mais profundas da personalidade. 














Enfrentemos as mais altas fases da ascensão, mostrando o trabalho adequado para os tipos humanos mais elevados. Nossas construções são todas na consciência, a única a armazenar valores indestrutíveis. 

É em função dessas construções que concebo qualquer forma de atividade humana. Não vos abandoneis à inconsciência do carpe diem (aproveite o dia). Indispensável preparar-se o futuro. Não se pode dizer: 

gozemos, não há amanhã. 

Porque o amanhã chega e vos encontra despreparados. A inconsciência não evita as reações. É preciso enfrentar com seriedade e coragem muitos problemas individuais e sociais, que vossos ancestrais talvez não sentissem coletivamente mas que, sem dúvida, não resolveram. 

É necessário compreender tudo e refazer dos alicerces, especialmente o homem, que é apenas uma criança. Tendes diante de vós imenso trabalho, e apenas o começastes. 

Deveis realizar acima de tudo uma construção moral e maravilhosa e é para preparar-vos para ela que executei tão longa viagem, desde os movimentos primordiais até o espírito.
 
A lei futura está, não há dúvida, no Evangelho do Cristo e se realizará no esperado Reino de Deus. 




Mas esta lei vos aparece hoje como um caso limite, de que só é possível avizinhar-se por aproximações sucessivas, por meio do uso inteligente das forças biológicas. As verdadeiras soluções partem do indivíduo e de seu coração, atingem a substância, mudando primeiro a conformação da alma individual. 

Não se trata de experiências coletivas exteriores, de sistemas reorganizados; mas trata-se de maturação biológica; trata-se de compreendê-la e de secundá-la. Não pode ser negada, porque é irresistível.
 
O problema pode considerar-se como religioso, político, econômico, jurídico, artístico, científico; atinge o homem integral e, portanto, todas as suas manifestações. Não se trata de destruir, mas de sublimar os caracteres fundamentais da personalidade: 

vontade cada vez mais viril, inteligência mais aguda, coração sempre mais sensível e aberto. 

Do homem deve nascer o anjo. É a redenção de Cristo. O Evangelho é o seu código, a virtude é a norma, a vida dos santos, a experiência. 

É a fé que anima todas as religiões, cada uma em seu nível. Corpo e espírito são posições vizinhas, duas fases, dois mundos, duas leis. A evolução tem que realizar a ascensão 



O primeiro já está feito. A evolução continua e é necessário fazer evoluir o segundo, consolidar e elevar vossas tentativas de formações psíquicas (paixões, embriões de intelectualidade, esboços de alma coletiva). O homem conquistou o poder fora de si, o domínio da Terra. Agora tem que conquistar o poder dentro de si, o domínio do espírito.
 
Num mundo em que ninguém pensa no semelhante como seu irmão, como se a sorte do próximo pudesse ficar isolada e não recaísse sobre todos; num mundo em que ninguém tem em si a medida da própria expansão, mas a espera da reação dos outros, que igualmente quereriam expandir-se sozinhos, acima de todos; nesse mundo, a aparente utopia evangélica é o único cimento coordenador de atividades e construtor do organismo social. 

Todos aguardam sistemas exteriores, contanto que não mudem a si mesmos. Nas mais diferentes experiências sociais todos ficam sempre idênticos, mas o progresso social só pode verificar-se através dos progressos individuais somados; a melhoria do organismo virá da melhoria de cada uma de suas células. 

Assim se realiza a grandiosa ascensão humana que, partindo do inferno da animalidade (o mundo da fera), através do purgatório da prova que ensina ou da dor que redime (lei de equilíbrio), chega ao paraíso das realizações do divino (o mundo super-humano). As vias da evolução são também as vias da libertação das trevas, do mal, da dor.
 
É necessário demolir e reconstruir; sufocar a animalidade individual e social e qualquer expressão dela, substituindo-lhe por manifestações de ordem superior. Para reedificar, mister também destruir, depois substituir e reconstruir. 

Se a renúncia é necessária como demolição, é indispensável substituir o velho com novas paixões, impulsos e criações, para que o ritmo da vida não pare e o espírito não fique árido. 




É necessário que o alegre esforço de renascer mais alto supere e absorva o tormento da morte mais embaixo. Evitai as loucuras da renúncia pela renúncia: 

isso provoca perigosas zonas de vazio, em que a alma se atrofia. 




Mas seja a luta tempestuosa e heroica, como a dos conquistadores que avançam seguros; seja de arrojo de paixão que sabe vencer tudo; seja em cada átimo cheia de alegria de uma juventude renovada. Forma-se, então, entre corpo e espírito, uma rivalidade, uma guerra, que os místicos bem conheceram e descreveram.
 
Se subimos aos mais altos níveis, parece que a velha forma biológica, que se atrofia, não pode mais suportar o psiquismo hipertrofiado e surgem desequilíbrios aparentes, que a ciência, não sabendo compreendê-los, define como patológicos, classificando-os como formas de neurose. 

A matéria é pertinaz, mas é filha do passado que se supera; o espírito sofre, mas o futuro pertence-lhe; passado e futuro significam força e justiça, dor e alegria, escravidão e liberdade, mal e bem; extremos entre os quais oscila a alma humana para sua ascensão.
 
Para os seres evoluídos, essas realidades do espírito — inconcebíveis para os tipos inferiores — podem ser irresistíveis. Então a luta assume proporções tremendas, entre um espírito que busca com toda a força sua afirmação e exige para si toda a vida, e uma natureza inferior, que não quer ceder o campo e não quer morrer. 

O passado resiste sólido, por impulsos de milênios, cristalizados nas formas. Ao incêndio do espírito opõe a inércia das grandes massas e agarra-se como contrapeso ao frêmito do anjo alado que anseia voar. 

O espírito vê, guia, segura, é o centro dinâmico. A matéria é massa estabilizada que fixou e conserva as conquistas feitas. O espírito está à testa, arrisca novos equilíbrios, destacando-se dos caminhos conhecidos, arrostando perigos para si; o esforço é todo seu. 

O organismo humano está construído para prover, com um mínimo de esforço psíquico, a sua vida vegetativa, para atender ao metabolismo e não para suportar as tempestades da alma. Mas para esses seres, cada átimo de vida é um átimo de transformismo evolutivo, a grande caminhada não pode deter-se e a vida desloca seu centro. 

Tudo se transforma no ser: 

paixões e aspirações, numa realização cada vez mais intensa do divino

Drama laborioso e fecundo, que só os grandes souberam viver, que a grande arte do futuro saberá compreender e representar. Lutas e vitórias de titãs. Impô-las a quem não está maduro, significa dar a morte, sem tornar a dar a vida.
 
A alegria da vida está na expansão, o sofrimento, na limitação. É inútil tentar ascensões altas demais e renúncias vazias, que nada trariam além de sofrimento. 

Mas é necessário introduzir, com tenacidade e sem mentira, o máximo de transformismo suportável na forma individual, seguindo cada um sua própria linha típica de especialização. 

As grandes ascensões não são fáceis aventuras espirituais, mas verdadeiras transformações de consciência, transportadas perigosamente além da vida, no supranormal. Não basta dizer:

Senhor, Senhor! 

Mas é indispensável a maceração de corpo e espírito, em que vale sobretudo a tenacidade das marteladas, que o plasma. 

Trabalho de purificação totalitária, que vai da atitude do espírito, da escolha das obras, à purificação celular obtida por meio de um regime dietético que exclui a introdução de alimentos inadequados no circuito orgânico. 

Trabalho de ponderação e resistência, cálculo complexo de forças, em que é mister não esquecer que a evolução não se força nem se usurpa, porque se trata de um amadurecimento biológico, que só pode obter por meio de longo trabalho constante, mas se pode facilitar e acelerar sua realização, escolhendo o caminho, ao invés de lançar-se em tentativas, à mercê do acaso.
 
Estas palavras de equilíbrio, eu as digo ao tipo comum, porque sua mediocridade é dominante e ele é inepto diante das grandes realizações do espírito. Elas lá estão, ideais altos como faróis que iluminam o mundo. Entretanto, a maioria humana está apenas nas primeiras aproximações.
 
Falando ao tipo comum, devemos indicar a renúncia não em seu grau mais alto e na forma totalitária da perfeição moral, mas como aproximação máxima suportável. Isso constitui sempre uma escola de disciplina moral, proporcionada às forças e à compreensão individual. 

Disciplina dos sentidos, controle das paixões, educação diuturna que não deixe escapar ocasiões para elevar os impulsos existentes. Cada um, na emulação das ascensões, escalonar-se-á no nível de sua capacidade; o que ele souber conquistar dará testemunho de seu valor íntimo.
 
Por isso, não direi ao homem moderno: 

destrói a riqueza, sê pobre. 




Mas lhe direi que se encaminhe gradativamente, porque só aos poucos poderá conquistar a perfeição. Comece a livrar-se da escravidão do supérfluo, do moderno frenesi da riqueza, o mais das vezes conduzindo a complicações anti-vitais. 

Quando ela não custa muito esforço, custa em desonestidade e jamais paga o que exige. É uma arma de dois gumes que, se facilita a vida, constitui também uma cadeia que a oprime. 

A sociedade moderna está esmagada pelo peso de hábitos custosos e supérfluos; é uma corrida à multiplicação artificial das necessidades, escravidão real, alegria efêmera, porque se desvaloriza com o costume.
 
Simplificai. Há uma pobreza econômica, que pode amplamente ser compensada por uma grande riqueza moral, como existe uma miséria moral que nenhuma riqueza poderá jamais preencher. Esse é vosso tempo. 

O deus utilitário de vossa civilização moderna impõe, cada dia, um esforço maior do que o faz o deus da renúncia. A matéria é negativa, inerte, pobre, insaciável, egoísta, absorve e acumula. 

Cega e muda, só pode viver se plasmada pela potência do espírito, em seu amplexo vivificante. O espírito é positivo, ativo, rico, generoso; sua necessidade é o dar, altruísmo, o sacrifício; não tem dedos para segurar e entesourar, mas é potencial inexaurível de criação. 

Ai de quem se fecha no circuito da matéria: 

obstrui para si os caminhos que alcançam as mais ativas fontes dinâmicas, que estão na direção das forças espirituais. 





Felizes os pobres de espírito. Mesmo que obtiverdes a riqueza, que vosso coração esteja desapegado dela.
 
Muitos pobres são apenas ricos frustrados, igualmente ávidos e culpados. Eles terão ainda de sofrer e superar a prova da riqueza, para aprender a sublime lição do desapego. O pobre que inveja, só para sobressair naquilo que condena, obterá a riqueza como punição, para experimentar-lhe o enorme peso e o valor efêmero. 

Seja a riqueza um meio e não um fim; seja dirigida para metas mais altas, únicas que poderão justificar um pouco o triste ídolo, em cujo nome tanto mal foi cometido.