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24/09/2015


87. 

A DIVINA PROVIDÊNCIA






Nessa ordem de ideias pode haver lugar para a inconsciência individual, mas não para a inconsciência do Criador. 

Em qualquer caso, mesmo no mais atroz destino, podeis crer na ignorância e maldade dos homens, mas jamais podeis acreditar na insipiência ou maldade de Deus. É inútil criticar aquele que personifica as suas próprias causas da dor. 


Trata-se, frequentemente, de instrumentos ignaros, logo, irresponsáveis e movidos por distantes e profundas causas de vós mesmos. A vida é gigantesca batalha de forças que temos de compreender, analisar e calcular. 







Ninguém pode invadir o destino alheio, só pode semear loucamente alegrias e dores no próprio destino. Uma vida, tão substancialmente perfeita, não pode existir à mercê de um capricho e da louca alegria de atormentar-se mutuamente. 

Assim, não tem sentido maldizer-se nem rebelar-se, tanto mais que isso nada modifica, ao contrário, agrava o mal. É melhor orar e compreender, porque a dor só cessará depois de termos aprendido a lição que lhe justifica a presença.
 
Nessas ideias situa-se, também, logicamente, o conceito de uma Divina Providência, como fato objetivo e cientificamente demonstrável. 

Se registrásseis em grandes séries o desenvolvimento dos destinos individuais, veríeis ressaltar do resultado uma lei em que aparece evidente a intervenção de uma força superior à vontade e ao conhecimento individuais. Mas o homem se comporta como se estivesse sozinho, isolado no espaço e no tempo. 

Sua ignorância da grande Lei que governa tudo, fá-lo crer que vive num caos de impulsos desordenados, abandonado apenas às próprias forças, sendo estas sua única lei e amparo. 

Seu egoísmo é um “salve-se quem puder” de todos contra todos. 




O homem fica só, um átomo perdido no grande mar dos fenômenos, no terror de ficar torturado por forças gigantescas, agitando seus pobres braços para defender-se, pequena luz em meio às trevas. 

Refugia-se, então, na inconsciência do carpe diem, que é a filosofia do desespero; cegueira intelectual e moral, que uma ciência que não conclui deixou intacta.
 
Cegueira, inconsciência, porque num universo em que tudo brada causalidade, ordem, indestrutibilidade; em que tudo é função, equilíbrio automático e justiça, tudo está ligado por uma rede de reações, vinculado ao funcionamento do grande organismo. Tudo tem uma razão de ser e uma consciência lógica. 

É absurda qualquer anulação, tanto no campo físico, quanto no moral, como é loucura acreditar numa possibilidade de violência, de usurpação, de injustiça, só porque o homem a quer; pensar que ele, apenas um ponto do infinito, possa impor sua vontade, modificando a Lei universal.
 
Com a demonstração científica da ordem soberana, coloquei-vos, agora, na encruzilhada: 

ou negar, aceitando a inconsciência, criando em torno de vós um mundo caótico, onde estais sozinhos, com vossas forças contra todos os fenômenos, rebeldes, ridículos e tristes, perdidos no mar de trevas; ou então, compreender e ir à frente, enquadrados no grande movimento, como soldados de um grande exército em marcha. 

A presença de uma ordem suprema resulta aqui já demonstrada: 

o homem só pode existir imerso na grande lei divina. Isso faz ser absurda qualquer culpa, qualquer baixeza e torna altamente utilitário o caminho da virtude. Cada coisa que existe nasce com sua lei, é a expressão de uma lei, só pode existir como desenvolvimento de um princípio e obedecendo a uma lei. 

Em qualquer forma, sempre encontrareis uma lei como sua alma, sua substância, única realidade constante através de todas as transformações da ilusão exterior. 

A forma acompanha sempre essa lei, que a guia e a modifica, para realizar-se em ato. Cada momento resume o passado e contém a linha do futuro, tanto nos organismos físicos, quanto no vosso organismo psíquico. 

O equilíbrio sustentou-vos até aqui, no presente, através da viagem pela eternidade e agora vos sustenta e guia para o futuro, sabendo e querendo, antes de vós, à revelia de vossa vontade e consciência.
 


 
Ao conceito limitadíssimo de uma força vossa, individual, que dirija os acontecimentos, é necessário substituir o conceito vastíssimo de uma justiça que impõe seu equilíbrio e suas compensações ao destino. 

Dentro dela, violência e usurpação são absurdas antecipações de um átimo, que se terão de pagar, mais tarde, com exatidão matemática. 

Dentro dela está presente e age a divina providência. 

Não uma providência no sentido de um guia pessoal por parte da divindade, de uma ajuda arbitrária que possa solicitar sem merecê-la e que possa escapar-vos dos esforços obrigatórios da vida, mas uma providência que é um momento da grande Lei, permeada de equilíbrio, aderente ao merecimento, mantida por contínuas compensações que levantam quem cai se merecia subir, e esmagam quem sobe, se merecia descer. 

Trata-se de um princípio de ordem, uma força de nivelamento que ajuda o fraco e substitui os impulsos da prepotência humana; uma força com justiça, muito mais sutil, real e poderosa.
 
A providência divina representa esta força maior, a justiça em ação, não só para levantar, como para abater. 



Por lei espontânea de equilíbrio, vereis que ela sabe dosar as provas para que não ultrapassem as forças; vê-la-eis levantar-se, gigantesca, para proteger o humilde indefeso e honesto que a opressão humana tencionava arruinar; vereis que ela dá a quem merece e tira de quem abusa, premiando e punindo, distribuindo além das partilhas humanas16.
 
Tremei vós, vencedores pela força humana, diante desse poder da justiça, que impulsiona todo o universo; e vós, fracos, não acrediteis que a providência seja inércia ou fatalismo, amiga dos preguiçosos; não espereis que essa força vos afaste do sagrado esforço de vossa evolução. 

Conceito de justiça e de trabalho, conceito científico do mundo fenomênico, não é base de um afastamento gratuito de sanções de dor e significa direito ao mínimo indispensável às forças humanas para ascender o cansativo caminho da vida; significam repousos merecidos e necessários, não ócios gratuitos e perenes, como quereríeis.
 
Nada mais falso que a identificação da providência com um estado de inércia e expectativa passiva. Isto é invenção de indolentes iludidos, é exploração dos princípios divinos. 

Ela está presente para reerguer o homem que, na luta, perde suas forças, como o está ao abater o rebelde, mesmo se gigante; ela está ativa sobretudo para o justo que quer o bem e com seu esforço o impõe. 

Então o inerme, sem forças humanas, sem apoio, sem meios, apertará no punho fechado as forças mais altas da vida; as tempestades do mundo se acalmarão e os grandes se dobrarão, porque ele personifica a Lei e sua ordem. 

Enquanto permaneceis sozinhos na luta, abandonados apenas às vossas pobres forças, situado na profunda organicidade do real, recolhe-as de todo o infinito. Se parece abandonado e derrotado, uma voz lhe grita: 

tu não estás sozinho. 

O inerme pode então dizer a grande palavra que ribomba em todo o universo: 

falo-vos em nome de Deus.







86. 

CONCLUSÕES:

EQUILÍBRIOS E VIRTUDES SOCIAIS





No campo das conclusões em que agora nos movimentamos, podeis avaliar o valor de meu sistema ético, não apenas sob um ponto de vista científico e racional, mas também sob um ponto de vista prático e utilitário.
 













A concepção da dor-redenção é de grande ajuda moral; sua transformação de instrumento de castigo para meio construtivo, sua utilização na conquista moral tem a vantagem da revalorização de uma recusa, direi mais, de um prejuízo, que a civilização não soube evitar. Sistema ético encorajador, otimista ainda nos casos mais dolorosos, construtivo mesmo nos casos mais desesperados. 

A concepção de trabalho-dever e de trabalho-missão, de trabalho função biológica construtiva e função social — é substituído pelo que vigora de trabalho condenação dos deserdados e de trabalho lucro — necessidade moral, muito mais que necessidade econômica, tem enorme poder de coesão social. 

Todas as minhas afirmações a respeito do significado da renúncia, da evolução das paixões e do amor, além de representar um fermento de elevação do nível individual, formam a base das virtudes reconhecidas e resolvem todos os problemas tão difíceis da convivência; constituem também ciência de relações sociais e significam a formação de consciência coletiva; estimulam o funcionamento e a constituição de um organismo cada vez mais compacto da sociedade humana. 



Por isso, interessam de perto ao direito público e privado e podem ser tomados como base de uma substancial filosofia do direito.
 
Coloquei no meu sistema um princípio de justiça, com base científica, de acordo com o funcionamento do universo; isto, no campo social, significa ordem, respeito às autoridades, a quem somente compete, com plena responsabilidade, a própria função dirigente; no campo moral significa honestidade, retidão de motivos e de ações. 

A desigualdade das riquezas e posições sociais não é injustiça, mas simplesmente distribuição de trabalhos diferentes de especialização de tipos individuais. 

Porque toda sociedade humana, queiram ou não, é um organismo em formação, no qual todos indistintamente obedecem a uma determinada função, única que justifica a vida. 

As virtudes podem constituir esforço, mas é esforço de assimilação, que as transformará em instinto e, portanto, em necessidade. Essa será a característica do
super-homem do futuro.
 
Falo a quem medita e falo num tempo de grande miséria moral, não obstante já esteja acesa a tocha da ressurreição. A natureza deste escrito sintético não me permite descer a pormenores. Mas delineei todo o organismo lógico dos princípios e nele estão contidas todas as consequências; a dedução é automática. 

Na amplitude da visão universal coloquei, no alto, a meta do super-homem, mas me dei conta das condições de fato impostas pela psicologia dominante do tipo comum, a este só pedi as primeiras aproximações; defini sua posição e, portanto, seu trabalho no caminho evolutivo, indicando aos mais evoluídos os trabalhos mais elevados, para que cada um encontre seu caminho e sua norma na direção das ascensões humanas.
 
No alto, como farol luminoso, coloquei o espírito do Evangelho, a mais alta expressão da Lei em vosso concebível, cuja compreensão significará a realização do Reino de Deus. Para aproximar-se deste, o homem cada vez mais luta no diuturno esforço da vida. 

Religião sintética do futuro, feita de força de espírito e de bondade, meu sistema aceita fraternalmente qualquer crença, desde que sejam crenças; não condena nenhuma, desde que seja sincera e esteja em seu lugar. Toda a ciência é chamada para dar seu apoio, e dela me servi amplamente para comprovar as afirmações do espírito. 



Superamos todos os preconceitos exclusivistas, que provêm de interesses de casta, de nação ou de raça. Meu sistema tem suas raízes na eternidade, e tem que ser universal para sobreviver no tempo e não ter limites no espaço.
 
Portanto, é verdadeiro em qualquer lugar; falo a todos os povos, a todas as nações, de todos os tempos, para que cada um encontre no meu sistema sua posição e seu caminho de evolução. Eu sou espírito, não sou matéria; sou substância, não forma. 

Então estas conclusões não tendem a concretizar-se em nenhuma forma própria de organização humana, mas a enxertar-se para fecundá-las e enriquecê-las, nas formas existentes, a fim de reerguer as que estão descendo pelos caminhos do mal, resplandecer nos dos campos político, religioso, científico e artístico que estão laboriosamente subindo à luz do bem.
 
Peço apenas uma grande sinceridade de alma, profundo sentido de retidão, decidida vontade de melhorar-se. A sociedade só pode sentir-se beneficiada por essas afirmações, indiscutivelmente fecundas para o progresso individual e coletivo. Aqui não se parte do apriorismo de um ou de outro sistema político, para antepô-lo ou impô-lo. 

Uma visão universal não pode descer no campo das competições humanas; uma verdade universal não pode restringir-se nos limites de verdades menores, relativas a um povo e a um momento de sua evolução. 



Mas não há quem não perceba que neste sistema se encaixem espontaneamente todas as concepções políticas sãs, produtivas, sinceras, todos os regimes de ordem em que os povos retomam o caminho da subida e reencontram a consciência da vida. 

Desses sistemas políticos sãos e produtivos, esta síntese é a base natural, o fundamento mais sólido e mais amplo, a única concepção necessária para que eles não fiquem isolados no tempo, mas se religuem, como funcionamento de uma sociedade, ao funcionamento orgânico
do universo.
 
Minha ética racional e científica traçou as grandes rotas da vida individual, e agora traçará as do campo social.
 
Não impõe. Não obriga. É racional. Ou seja, presume estar falando a seres racionais, como pretendem ser os homens modernos. 

Não invoca os raios de Júpiter nem as iras de um Deus vingativo, simplesmente indica as reações naturais e inevitáveis de uma Lei íntima, inviolável, perfeita, supremamente justa. 




O homem que se move dentro dela é livre para, com sua baixeza, tornar absurdo e inaplicável o Evangelho de Cristo, mas não tem poder para afastar de si toda a herança de dores, que esse seu baixo nível de vida implica e impõe. 

Tenho vos dado a chave de todos os mistérios. Se agora quereis ser maus (e o podeis, porque a liberdade é sagrada), serão vossas, inexoravelmente, as consequências, porque a lei de causalidade (responsabilidade) é inviolável.
 
Todo resultado prático desta síntese poder-se-ia condensar nestas palavras: 

se evolução significa conquista de consciência, de liberdade, de felicidade, involução exprime o contrário; na baixeza de vossa natureza humana, está a causa de todos os males, e na ascensão espiritual, todo o remédio. 



 
A aspiração à alegria é justa e a felicidade pode existir, só é preciso dedicar-se ao trabalho de conquistá-la. O Evangelho é um caminho espinhoso, mas só por ele se pode seriamente alcançar o paraíso, mesmo na Terra.
 
Toda concepção hodierna da vida encontra-se deslocada e sois obrigados por vossa ciência, cuja linguagem sempre utilizei, a compreender e cumprir, por coerência, esse deslocamento. 

Sempre tive presente o tipo de homem predominante e a inutilidade de fazer, em muitos casos, apelo aos sentimentos de fé e de bondade. Por isso, realizei o
trabalho ingrato de restringir a grandiosa beleza do universo em termos de estrita racionalidade. 

Deveis agora conceber a vida e suas vicissitudes, não como efeito imediato de forças movidas por vossa vontade presente, mas como uma sucessão lógica e inteligente de impulsos, vinculados no tempo e no espaço, com todo o funcionamento orgânico do universo. Não há zonas caóticas de usurpação. 

Cada vida traz consigo um impulso, o destino possui um método racional na aplicação de suas provas e para compreendê-lo deveis habituar-vos a conceber efeitos a longo prazo, em vossa vida eterna, e não no átimo presente, em que vedes, doutro lado, aparecerem inexplicáveis efeitos de causas desconhecidas.
 
Há destinos de alegria e destinos de dor; destinos indecisos e destinos titânicos; há ofensas profundas à Lei, marcadas no tempo, que pesam inexoravelmente e arrebatam uma vida. Demonstrei-vos que é inútil investir contra as causas próximas, mas é preciso colher e carregar o próprio fardo. Inútil a rebelião, a raiva, a inveja de outras posições sociais, o ódio de classe: 

cada posição é sempre a justa, é a melhor para o próprio progresso. 




Demonstrei-vos a presença de uma justiça substancial, apesar de todas as injustiças humanas, que são exteriores e aparentes. 

Então, cada um tem de estar satisfeito com seu estado e esforçar-se por trabalhar nas condições em que o destino o colocou. A instalação de uma vida ocorre para vós fora da vontade e da consciência do indivíduo, é realizada pelas forças da Lei. 

Se assim não fora, quem vos obrigaria, sem possibilidade de fuga, a suportar as provas necessárias ao vosso progresso? 

Quem ignora não pode influir no substancial.
 
Então, ao invés de injuriar o rico, só por lhe não poderdes imitar as culpas, ao invés de desperdiçar a vida em inútil agressividade desorganizante, deveis alcançar a força de coesão social, representada pela ideia de uma Lei suprema, que distribui a dor e o trabalho com justiça, a todos, em todas as posições, de diferentes formas! 

Que reconfortadora fraternidade será então a vida! Isto não significa passividade, mas consciência; não é a virtude de suportar tudo sem reagir, mas a de saber suportar uma dor merecida para aprender; acima de tudo, a não semear de novo as mesmas causas. 

Desloca-se o centro de vosso julgamento a respeito das posições humanas. Ai de quem se acha à vontade no ambiente terrestre! Isso significa que aí se encontra o equilíbrio de seu peso específico espiritual. 

Felizes os que aí sofrem, que têm fome de bondade e de justiça, porque subirão, reencontrando mais no alto o seu equilíbrio. Quem sofre, alegre-se, porque será libertado; compadeça de quem goza, porque esse voltará muitas vezes ao ciclo das misérias humanas.
 
Repitamos com o Evangelho: 

“Felizes os perseguidos! Ai de vós que sois aplaudidos pelos homens! Felizes os que choram, porque serão consolados! Ai de vós que agora rides, um dia lamentareis e chorareis!”
 
Estes conceitos trazem um sentido de ordem, no insolúvel enredo dos destinos humanos, acalmam os dissídios sociais, cimentam a convivência, representam a força criadora das unidades coletivas superiores, que são a sociedade e as nações. 

Esta é a mais alta criação da evolução e dela nos ocupamos justamente no ápice do tratado, como conclusão máxima. Estas normas, que formam a tábua das virtudes individuais (os mais altos valores), porque determinam a evolução da consciência de cada um, representam também as virtudes coletivas (os mais altos valores). 

Porque se a virtude é sempre a norma que mais impele pelo caminho da evolução (portanto, a coisa mais preciosa, porque corresponde ao interesse máximo), ela representa o impulso construtor da organização social e da consciência coletiva.
 
Então, não apenas o super-homem, mas a super-humanidade, não só a festa espiritual da superação biológica no indivíduo, mas uma sabedoria prática construtiva de vida social. 

Os caminhos que tracei da ascensão individual têm justamente a função de preparar o homem para saber viver em sociedade, em nações, em estados. Isso porque essas unidades superiores só poderão existir quando ocorrer a formação completa da célula componente. 

Nesta função coletiva, a consciência do indivíduo se enriquece com uma ciência de relações, de nova ordem de virtudes que impelem a evolução coletiva. Esta, exatamente, a característica basilar do conceito de virtude, do ponto de vista social.