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13/10/2015


100. 

A ARTE






Ao focalizar os problemas da fase $ \alpha $, com minúcia, coloco no ápice deles a arte, como expressão suprema da alma humana. Nada espelha melhor a idéia dominante de uma época. 










Por vezes é graça e suavidade, doutras vezes, simplicidade e potência; ainda, profundidade de espírito puro, ou então, ouropel vazio de forma. Exprime sempre o pensamento humano que ascende ou decai, aproximando-se mais ou menos da grande ordem divina. 




O pensamento que ora ousa, ora repousa, ora é jovem, ora cansado, é primeiramente retilíneo e cortante como a força, depois, arredondamento de linhas, um esforço em descida, um inútil escorar-se do vazio na grandiosidade das formas. 

Estilo tranquilo ou audacioso, límpido ou confuso, cansado ou poderoso, representa sempre a face exterior da alma humana, do mistério do infinito que nela se agita. 

Como tudo o que existe tem um rosto, expressão de alma, uma revelação do pensamento divino em que o universo fala incessantemente, assim a arte é revelação de espírito, tanto mais valerá, quanto mais a forma for transparente e simples. 

Quanto menos se fizer sentir a si mesma, tanto mais a ideia será substancial e poderosa na eternidade, vinculada à lei, impondo-se à forma. 


Salvador Dalí.


Fenômeno estreitamente ligado às fases ascensionais ou às involuídas do espírito, a arte apaga-se quando o espírito adormece, porque só nele reside sua inspiração. A arte é espírito e a matéria a mata. O materialismo a matou, agora tem de renascer.
 
Começareis de novo, com meios novos mas, acima de tudo, com uma ideia nova. O segredo de uma grande arte consiste em saber realizar o milagre da revelação do mistério das coisas; em saber exprimi-lo à luz dos sentidos, após íntima e profunda comunhão com o mistério que palpita na alma do artista. 

Este tem de ser um vidente, normal no supernormal, onde tudo é espírito e vossa concepção de vida comum não chega. A nova grande arte deve ser integral:
 
presume o artista total, o super-homem que realizou sua maturação biológica; não o agnóstico, o meramente técnico, mas o espírito completo sob todos os aspectos. 




É indispensável que o homem tenha englobado em si a visão do universo, nela tenha atingido as mais profundas concepções de vida.
 
O simples valor da técnica é dos períodos de decadência; a arte, cujo valor tenha passado da substância à forma, é a enfeitada e preciosa da decadência. Quem tem algo de substancial para dizer, di-lo na forma mais simples. Mas é preciso ter algo a dizer, uma grande visão e uma grande paixão na alma para que a forma não assuma a primazia. 

É necessário dominar esse revestimento do pensamento, estar prevenido defensivamente contra as hipertrofias do meio que sufoca o fim; impedir que a técnica, serva humilde do conceito, quando este era grande em suas origens e amadurecido até a perfeição, queira agora agigantar-se para sufocá-lo. 

A forma emerge da decadência. Quando a ideia se cansou, surge então a luta entre a vestimenta e a substância e, se esta cede, a outra cresce, invade e domina.

 


Trata-se da substituição dos valores inferiores, quando os mais altos decaem. É a degradação do fenômeno artístico, que tem seus ciclos, que são os do fenômeno psíquico. Na evolução da arte, há uma espécie de inversão de relações. 

Quanta riqueza de conceitos na pobreza da forma nas origens, quanta riqueza da forma e pobreza de conceitos na decadência! Uma relação transforma-se gradualmente na outra. 

O ciclo evolutivo da técnica, nascido mais tarde e mais jovem que o ciclo evolutivo da ideia, sobrevive-lhe e o substitui; mas sua maturidade constitui descida do princípio animador da arte.
 
A grande arte é simples. Sua grandeza é proporcional à potência do pensamento e à simplicidade da forma. Vossa atual fase artística é de destruição, de libertação da forma. 



Estais na última fase de descida, em que já aparece a aurora da nova espiritualidade, cujo primeiro ato é o abandono das técnicas superadas. Tende uma alma e sede simples. 

As complicações ornamentais exprimem vacuidade, a riqueza de minúcias enfraquece a ideia central. Belo é tudo o que corresponde à própria finalidade; a beleza está na linha que corresponde ao fim pelo caminho do menor esforço. Ela é a expressão da correspondência, do equilíbrio, da harmonia, dos princípios da Lei. A suprema beleza reside no conceito de Deus. 

O artista tem que sentir e seguir esse conceito nas formas em que se manifesta. O progresso da arte reside em manifestar, com evidência cada vez mais límpida e com maior profundidade, a beleza do pensamento divino da Lei que governa o universo. 

A ascensão da arte é um processo substancial de harmonização, isto é, a expressão, na forma intuitiva do belo, da evolução de todas as coisas que observamos. O belo é universal e pode haver um belo lógico, como um belo mecânico, uma estética grega de formas, como uma muito mais elevada estética moral e cristã de obras. 

Em todas as alturas, na lógica dos meios, existe uma arte de acordo com a gradação das finalidades. Quando existe um objetivo a atingir, o estilo nasce por si mesmo na forma mais simples, mais transparente, mais harmoniosa, como o encontra e o exige a lei do menor esforço. 




Os estilos refletidos, desejados, estudados, estão em todos os campos, em roupas nas quais em vão procurais um corpo. Não é a escola nem a análise que plasmam o artista, mas um tormento de alma, uma agitação de tempestades e de visões.
 
Entendo por arte a expressão dos princípios que estão na harmonia da lei e são verdadeiros em todos os campos, seja literatura, pintura, escultura, arquitetura ou música. A música atual, como tudo o mais, evolui em profundidade. Sua atual evolução representa a passagem de sua dimensão linear de melodia, para sua dimensão volumétrica de sinfonia. 

A simples sucessão de sons da música melódica, à proporção que ascende à fase superior, em que conquista o espaço e o volume, dilata-se em extensão e profundidade de sentimentos, passando da expressão das paixões mais elementares (amor, vingança) às produzidas por uma sensibilidade mais complexa, aprendendo a descrever todas as harmonias e belezas da criação. 

A música volumétrica sinfônica deveria inspirar-se cada vez mais numa estrutura de perspectiva, em que o desenvolvimento dos vários motivos, mesmo harmonizando-se com a concepção única do quadro, permanecesse distanciada nos diversos planos. 



Daí resultaria, na sinfonia, grande profundidade de perspectiva, em que o motivo ou motivos do primeiro plano se distanciariam dos desenvolvimentos sinfônicos do fundo; profundidade e distanciamento não apenas em sentido sinfônico, mas também conceptual e emotivo. 

Pois, o motivo só pode ser a expressão de uma forma-pensamento que nasce, desenvolve-se e morre, dominando ou subordinando-se, que se aproxima ou se afasta, toca e influencia as outras, passa, volta, sobrevive na recordação e apaga-se. 

O motivo é a voz de uma vida que quer revelar-se toda e pode fazê-lo, porque a música, além da beleza da linha do desenho, além da riqueza dos tons, substitutivo da cor na pintura, possui o dom supremo do movimento, em que se exprime o devenir da vida.
 
Em sua evolução, a música, além do movimento no tempo, conquistará cada vez mais profundidade no espaço, nova dimensão em que se expandirão as vozes de tantas vidas, porque tudo é vida e tem voz própria. 

Disposição esquemática dos instrumentos musicais numa orquestra.


O futuro consistirá em continuar a tornar cada vez mais ampla a estrutura sinfônica e a estender sempre a novos sentimentos sua potência descritiva; deve purificá-los e espiritualizá-los, até que a música se torne voz do infinito, a linguagem da intuição, a revelação das harmonias do universo, do aspecto beleza dos grandes conceitos da Lei. A arte busca a unificação em todos os seus aspectos; fundir-se-ão as diferentes artes como formas convergentes, no único esforço de exprimir o espírito. 

Na atmosfera artística dos templos seculares, entre os muros antigos, saturados de vibrações místicas dos povos, a música será meio de harmonização de ambiente e de sintonização receptiva na oração; será vibração criadora de bondade. Todas as artes se fundirão numa só música, educadora suprema; uma música imensa que vos falará da vida do homem e de todas as criaturas. Todas as artes serão uma oração, um anelo do espírito que se eleva para chegar a Deus.
 
Vossa arte futura será sadia, educadora, descida de Deus para elevar a Deus. Se assim não for, será veneno. A arte que permanece na Terra não é verdadeira arte, tem de elevar-se ao céu, ser instrumento de ascensão espiritual.
 
Deveis beber nas fontes da verdade e eu vos escancarei suas portas. A arte tem de iluminar-se com a luz do espírito e eu o fiz reviver entre vós. Dei-vos, tanto no campo científico e social, quanto no campo artístico, uma ideia imensa para exprimirdes: 

a harmonia de todos os fenômenos, da ascensão de todas as criaturas, e a de vosso amadurecimento biológico. 

A arte apodera-se da ciência. É verdade que não soubestes dar a esta um conteúdo espiritual; dai-lhe, contudo, uma fé e ela se tornará arte. Que mundo grande, novo, inexplorado, que sinfonia de concepções cósmicas para exprimir!
 



O futuro da arte está na expressão do imponderável. Que riqueza de inspiração pode descer sobre a Terra, vinda do alto, por intermédio do artista sensitivo! Que oásis de paz, para refúgio da alma, nessas visões do infinito!
 
A verdade universal desta síntese pode exprimir-se em todas as formas do pensamento:  

matemática, científica, filosófica, social e também artística. 

Esta obra pode também tornar-se uma grande tragédia, em que palpita toda a dor e explode a paixão das ascensões humanas. 

Que drama maior que o esforço da superação biológica, da luta do espírito para sua evolução, de suas quedas e de suas ascensões, da felicidade e da dor, de um destino que progride através da cadeia de renascimentos, de uma lei divina que tudo vincula à sua ordem! 

Esta irmanação de fenômenos, de seres, esta unificação de meios de expressão diante da ideia única, este monismo científico, filosófico, social, basta para dar alma a uma nova arte, como a uma ciência, a uma filosofia, a uma sociologia nova.
 
Vossos palcos ignoram tragédias tão amplas, porque estes conceitos exatos faltavam antes ao mundo. Era vaga a intuição dos grandes problemas, incerta a reconstrução do destino humano. Há sempre uma zona de nebulosidade, em que se aninha a dúvida e o mistério. 

Está na hora de ultrapassar o ciclo restrito das baixas paixões de fundo animal. O teatro não deve ser palco de involução, explorando as multidões, mas de evolução, educando-as. Então, ele não pode ser problema econômico, mas função do Estado. 

A arte deve superar os loucos futurismos, tomar como fundo o infinito e a eternidade, por ator o espírito que, numa vida sem limites, debate-se entre luz e trevas e conquista sua libertação. O céu e a Terra ressoam com a tempestade imensa que as forças do mal desencadearam. 



Apresentai o drama apocalíptico sem símbolos, em sua nua potência dinâmica de conflito de forças, em qualquer das formas de artes em que o queirais exprimir, suspenso nas dimensões do tempo, entre a evolução bíblica e o idealismo científico.
 
Esta a grande arte futura. É mister que nasça o gênio que a sinta e a manifeste; que a sinta acima da realidade sensória e nela a encerre e exprima. Chegado ao ápice dos valores espirituais, ele combate e conclui o drama da unificação e da libertação. 

É necessário que uma alma superior viva o fenômeno e, em seu tormento, liquide o passado, lançando os espíritos num vórtice de paixões mais altas e dinâmicas. 

É necessário um ser que, num martírio de fé, macerando-se e queimando-se por sua arte, dela faça missão e a ela se dê todo. 

A arte será então o altar das ascensões humanas, onde o espírito se oferece em holocausto de dor e paixão em sua elevação para Deus; será a oração que une a criatura ao Criador, a síntese de todas as aspirações da alma, de todas as esperanças e ideais humanos.