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27/09/2015


89.

EVOLUÇÃO DO EGOÍSMO





Como no direito, a força evolui para justiça, também o egoísmo evolui para altruísmo. 












À proporção que a vida eleva os indivíduos para mais altas especializações, reorganiza-os pelo princípio das unidades coletivas, em unidades sociais cada vez mais complexas e compactas. 

A diferenciação dos tipos e das aptidões levaria ao afastamento das criaturas e ao desregramento social, se outra necessidade não os aproximasse e outra força não os reorganizasse em formas de convivência, em que a atividade de cada um pudesse obter maior rendimento. 

A evolução produz, então a demolição progressiva do egoísmo, como produzira a da força, porque precisa de novo instinto coletivo de altruísmo, que constitui o cimento precioso que amalgama os impulsos egocêntricos e exclusivos das criaturas. 

Na evolução social, o egoísmo terá de sofrer profundas modificações. Como todos os impulsos da evolução, ele domina enquanto o progresso o exige, depois se supera e se transforma diante de novo progresso. 

Assim se explica como pôde nascer, num mundo de necessidades ferozes, os princípios de altruísmo e de bondade, tão mortais para o eu, tão anti-vitais no sentido restrito, num momento em que se inicia uma ordem de vida que revoluciona todas as precedentes.

 



Não basta dizer que são duas leis sucessivas. Indispensável dizer que a mais elevada é sempre mais útil do que a menos elevada. A natureza, extremamente econômica e conservadora, não comete prodigalidades gratuitas. Se as faz, é visando a utilidades coletivas e a longo prazo. 

Assim nascem os altruísmos do amor, a abnegação materna, os heroísmos em defesa de um povo, de uma ideia. De modo que o altruísmo é apenas um egoísmo mais amplo. 

Tanto mais amplo, quanto mais esteja dilatada a consciência individual e o campo que ela abarca. O primitivo vê somente seu pequeno eu e se isola no momento; não se sente viver nos tempos e na humanidade. Em sua miopia psíquica, isola-se em seu próprio bem pequeno, separando-se do bem coletivo.



É absolutamente inepto para viver num regime de colaboração, em que a consciência mais evoluída tem necessidade de multiplicar-se.
Essa consciência coletiva é uma força, a força do homem civilizado. 

Por isso, o selvagem, embora isoladamente mais forte e belicoso, torna-se inferior na luta, porque não sabe organizar-se, nem manter-se organizado em amplas unidades coletivas, que formam a potência de meios e de resistência do civilizado. 

Quanto mais o homem é evoluído, mais fortemente sente a Lei que lhe impõe olhar para trás e doar-se para auxiliar a caminhada dos menos evoluídos, para que a evolução caminhe compacta.
 
Já vimos (“Evolução do princípio cinético da substância”) que a Lei guia a energia para inclinar-se sobre a matéria a fim de animá-la com seu impulso e elevá-la ao nível da vida e depois impor à vida, filha da energia, a elaboração da matéria até o psiquismo. 



Essa mesma lei de coesão, que obriga a uma retomada de movimentos inferiores para que revivam em oitavas mais altas, faz que o alto se volte para baixo, para que este seja sempre retomado no ciclo evolutivo, e nada fique abandonado fora do circuito e apodreça no fundo, fora da grande caminhada. 

Essa lei que assim quer, é a mesma que impõe ao super-homem (santo, herói, gênio) que se sacrifique pelos irmãos menores:  

é o móvel de seu instinto irresistível de altruísmo e de martírio. 

Incompreensíveis dedicações em vosso mundo, em que não se realiza um esforço sem que seja pago:  

o mais forte manda; o mal é evitado apenas por medo do castigo e o egoísmo triunfa.
 
Pequeno círculo este, que não tem portas para a compreensão da grande Lei. No entanto, aqueles são altruísmos lógicos, verdades simples, forças racionalmente vinculadas de um extremo ao outro das fases de vosso universo e de vosso concebível.
 
Paralela à formação e desenvolvimento do psiquismo ocorre também esta dilatação do egoísmo que, sentindo-se uno com todos, acaba abraçando a todos no próprio cálculo hedonístico. É um agigantar-se da compreensão, até que aconteça o amplexo a todas as criaturas irmãs. 

A amplitude do abraço indica a amplitude da compreensão; processo de auto-eliminação das formas inferiores, como vimos na evolução. Não um altruísmo abstrato, sentimental, irracional e sem utilidade, mas um altruísmo sólido e resistente, porque utilitário. 



A Lei não se manifesta como princípio abstrato, mas aparece continuamente como manifestação concreta, personificada nos seres que, em suas formas de vida, representam os seus artigos. 

O egoísmo é expressão de insuprimível força concêntrica e protetora das individuações. A luta contra tudo aquilo que não é o eu, é a primeira expressão e a prova da formação de determinado tipo de consciência:
 
logo que assoma na vida, tem que defender-se. 

Consciência e egoísmo do indivíduo, da família, do grupo, do povo, da raça, cada vez mais amplos; consciência de uma distinção absoluta entre o eu e o não-eu. A dilatação só pode ocorrer, para conservar a estabilidade dos equilíbrios, quando acontece a estabilização do tipo de consciência e de egoísmo inferior.
 
Altruísmo, por isso, não é renúncia, mas expansão de domínio; não perda, mas conquista de progresso e de compreensão, ascensão da vida. Reunir em torno de si, como seus semelhantes, um número cada vez maior de seres é multiplicação de poder; é reencontrar-se e reviver neles uma vida centuplicada. 

Mas se estes casos máximos de altruísmo são patrimônio do super-homem, o homem atual, que raramente sabe estender o altruísmo além do círculo familiar, tomá-los-á, hoje, como casos extremos, para aproximar-se deles; lutará em sucessivas aproximações, ampliando as fronteiras do eu, até compreender um dia a humanidade terrestre e tantas humanidades do universo que conhecerá. 

Quando o herói morre por sua nação, o mártir pela humanidade, quando o gênio se desgasta pela ciência, seus egoísmos são tão amplos que não os concebeis mais. Nesse momento, eles podem dizer: 

eu sou a nação, eu sou a humanidade, a ciência, porque sua consciência unificou-se com isso.
 
Até o animal percorreu esse caminho e fixou, na fase de assimilação composta pelos instintos, esses altruísmos que são apenas egoísmos coletivos, porque o animal realizou sua evolução social em formas mais simples, mas em sua simplicidade, mais evoluídas e estabilizadas. Ele vos dá exemplos de altruísmos que ainda deveis conquistar. 



A abelha morre picando, em defesa da colmeia; não pica se está sozinha; produz o mel que, depois de sua vida breve, as operárias irmãs, que ela não conhecerá, comerão, assim como as que ainda deverão nascer; não sobrevive isolada, mesmo se tiver todo o necessário, porque a virtude de sentir-se célula do organismo coletivo, nela se tornou instinto e necessidade; morre de fome, pois deixa, no caso de faltar tudo, o seu próprio mel para a rainha, a fim de que só ela sobreviva, porque representa a raça. 

Altruísmos heróicos para vós, na fase de formações coletivas; grandes virtudes que fixam os instintos do futuro; equilíbrios já agora espontâneos, estáveis, porque utilitários, ou seja, porque correspondentes à lei do menor esforço; instintos assimilados, não mais virtudes (isto é, não mais fases de formação), nas sociedades animais já constituídas.
 
Quando a abelha se sacrifica por sua família, não é ela que realiza um ato de altruísmo, mas é a família que, conquistado o instinto de um egoísmo coletivo mais amplo, egoisticamente lança a célula abelha e a sacrifica para seu próprio bem. 

O homem julga heróico esse ato porque o aplica a si mesmo, aplica à abelha aquele conceito de altruísmo que, em circunstâncias semelhantes, aplicaria a si mesmo; mas não compreende que sua natureza é totalmente diferente, porque ele se encontra em outra fase. 

No homem, o instinto coletivo está em formação; na abelha já está fixado, maduro, completo. 

No homem, esse ato não é a expressão de uma necessidade imposta por um instinto definitivamente assimilado, mas está na fase criativa (virtude) em que, já vimos, o ato requer esforço e é sentido pela consciência. 

Se na abelha esse ato se realizou na fase instintiva, subconsciente, espontânea, no homem só atingiu a fase inicial de formação, fase heroica, virtuosa, trabalhosa, consciente. 

Mesmo a vós, a necessidade de trabalho imporá a colaboração como uma vantagem, para alcançar metas cada vez mais altas. Doutra forma não se poderiam alcançar-lhes, obrigando esse abraço entre as gerações velhas e novas, que hoje apenas se conhecem. 

Um princípio de coordenação política mundial se imporá como grande poupança de energias,as quais se canalizarão para uma utilidade mais elevada, que a luta recíproca entre os povos. 

Colaboração e supressão da forma cruenta de luta compõem o caminho da ascensão social. As estradas do altruísmo são paralelas às da evolução moral.