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11/11/2015


VII
 

A PERFEIÇÃO DO SISTEMA

 





Observemos, sob outros pontos de vista e sob outros aspectos, a estrutura do Sistema do Universo, para melhor compreender-lhe a perfeição. 

Esta representa o estado primeiro da criação:  

o Verbo, isto é, o estado $ \alpha $, um sistema espiritual pronto a transformar-se em ação, $ \beta $, energia, e depois na forma concreta, $ \gamma $ , a matéria. 

Este é o estado em que nos encontramos hoje depois da queda, isto é, em um universo material. E nos identificamos tão profundamente com ele, que supomos ser esta sua outra parte corrompida todo o verdadeiro universo. 

Há, portanto, dois universos: 

o verdadeiro, de natureza espiritual, perfeito, e uma contrafação sua, imperfeita, o material, em evolução para a perfeição. 

O primeiro é o absoluto, imóvel; o segundo é o relativo, a caminho. Este tanto ascenderá que, no final dos tempos, se sobreporá ao primeiro e com ele coincidirá. 

Os dois universos existem para se fundirem porque são um só que se despedaçou com o desmoronamento e que agora volta à união. O Uno, fragmentado no multíplice, se reconstitui pelo princípio das unidades coletivas, refazendo-se com todos os fragmentos do multíplice no Uno. 

Este processo é possível porque os fragmentos permanecem intimamente ligados por um fio que é a imanência de Deus. O segundo universo, o material corrompido, não ficou só, não foi abandonado por Deus transcendente, que continua a considerá-lo o Seu universo, e a trabalhar, no seu íntimo para restabelecê-lo. O quadro é completo, o Sistema é perfeito.
 

Somente com este quadro completo, colocado diante de nossa mente, é que podemos compreender tantos os fatos, de outra forma inexplicáveis. Essa é indiscutivelmente a estrutura atual do universo em que vivemos, são essas as razões que logicamente nos confirmam a gênese desse estado de fato. 

O dualismo universal é a primeira consequência tangível que assim verificamos generalizada e cuja origem não se pode explicar, a não ser com os conceitos acima expostos. 

Desde a cisão máxima - Deus e Satanás, ordem e caos, Amor e ódio, bem e mal, alegria e dor - até às mínimas coisas, cada unidade resulta composta de duas metades inversas e complementares. Já o havíamos afirmado, mas só agora podemos explicar a sua razão e sua origem. 

É um fato que não se pode ter unidade senão reunindo os dois contrários que a constituem, isto justamente porque, pelo princípio dos esquemas de tipo único, o motivo fundamental da cisão se repete do caso máximo ao menor caso, de modo que o motivo da queda retorna em tudo o que existe. Desta forma, o princípio fundamental do universo pode se observar em qualquer parte, onde quer que olhemos. 

E o fato de cada unidade só poder se constituir em todos os casos pela união de dois opostos, indica-nos exatamente que a unidade do universo, atualmente cindido em matéria e espírito, isto é, o Uno não nos poderá ser dado a não ser pela união desses dois polos apostos seus.
 

Também o fato da ação humana assumir sempre a forma de luta, que está presente em toda parte, tanto que parece ser este o único modo de afirmação, depende do conflito entre os dois princípios contrários do universo. 

Assim, a percepção não é possível sem o contraste entre dois contrários. Tudo que é pacífico, é estático, como coisa morta. 

E a gênese é luta e esta é criativa, por que é exatamente no contraste que os dois universos devem chegar a se fundir, retornando ao Uno, centro genético.
 

Sem dúvida, é de grande ajuda para a compreensão do Sistema do universo essa sua estrutura de repetição de esquemas, de modo que podemos reconstruir o máximo a partir dos menores, feitos à sua imagem e semelhança e que temos sob nossos olhos. 

Podemos, assim, avizinhar-nos da compreensão do Todo que, de outra forma, constitui para nós um sistema inacessível. Essa possibilidade, que aqui utilizamos largamente, seja para a indagação, seja para a confirmação, nos mostra um outro aspecto do universo:

a sua organicidade. 

Há no Todo uma grande harmonia e correspondência de partes o que o mantém unitário e compacto, não obstante a infinita multiplicidade das suas formas. 

Essa compactação deriva do fato de que a sua diferenciação, a que a vida tende, é uma ramificação a que se inicia sempre na mesma raiz, onde está o tipo modelo da gênese que, embora se diversifique em particulares, permanece sempre aderente aos princípios fundamentais que tudo regem. 

Assim, o pensamento de Deus, que deu o primeiro impulso ecoa no universo, chega e se repete em todos os seus recantos, por mais remotos que sejam. 

Quanto mais periférico for o ser, quanto mais se distanciar do centro, tanto mais o eco será amortecido e fragmentado em esquemas menores, mais relativos e mais particulares. Mas esse pensamento chegará sempre uno, na infinita multiplicidade, tudo atraindo a si e, assim, tudo, por mais pulverizado que esteja, se mantém ligado à unidade.
 

Quando um fenômeno, por evolução, chegou a produzir-se uma vez, esta nova posição se fixa na manifestação e o fenômeno, quase que por lei de inércia (misoneísmo), tem tendência a continuar se reproduzindo (a ontogênese recapitula a filogênese) com um ritmo constante, enquanto a elaboração evolutiva, devido ao impulso divino interior, que compele à ascensão, não o modificar ainda através de pressão e martelamento constantes, vencendo, assim, a misoneísmo, que quereria persistir na linha de idêntica repetição. 

Assistimos, desta forma, a um ecoar fenomênico, rítmico, musical, que mesmo nos contrastes mantém uma harmonia maravilhosa, que alcança características estéticas de suprema beleza. O dinamismo do universo assume, assim, formas que tendem a girar sobre si mesmas, em repetição. 

E isto se dá por outra razão também: 

o retorno é a único meio pelo qual o absoluto pode continuar a existir no sistema fragmentado do relativo, como um eterno retorno do espaço sobre si mesmo, como espaço curvo, e a única forma pela qual o infinito pode vir a existir no finito.
 

Assim, conjugando os pequenos esquemas do nosso contingente aos maiores esquemas do ser, podemos explicar a razão profunda de tantas coisas que todos fazemos, sem saber e sem discutir, tomando-as por axiomáticas. Mesmo nós, em nosso dinamismo moderno, agimos por repetição, rodando apenas mais velozmente do que o passado, em torno dos mesmos pontos. 

Toda a nossa vida percorre e volta a percorrer sempre os mesmos círculos, repetindo vertiginosamente as mesmas coisas. Não nos colocamos em substância, senão lentamente, mas apenas turbilhonamos mais rapidamente.
 

Se atentarmos para a imprensa, para o rádio, para o ciclo de nossa vida individual cotidiana e para o das grandes cidades, assim como para o da agricultura nos campos e para os ciclos históricos, verificamos que tudo é repetição, que nos movimentamos em derredor de certos pontos, para ficar ali. 

Parece que, ao lado da curvatura do espaço, existe também uma curvatura do tempo, pela qual o que uma vez foi feito tende a ser refeito (tradição), cientificamente voltado para si mesmo.
 

Mas o aumento de velocidade de rotação não é estéril, porque produz um mais rápido deslocamento dos pontos de referência, a que significa produzir a elaboração evolutiva, que antes era mais lenta. 

Se tudo tende hoje a se repetir sobre o decalque de velhos esquemas, fá-lo, no entanto, a maior velocidade com o resultado de elaborá-los e determinar mais rápida maturação de sua transformação. 

Isto, porque, encontrando-nos no relativo, não é possível mudar um instinto, uma ideia de nosso “eu”, ou seja, mudar o seu esquema, senão com este processo rotatório em seu derredor, através da longa repetição que nos transforma por meio da aquisição de automatismos novos em lugar dos velhos. 

Hoje corremos, pois, não por correr, o que para nada serve, mas para aprendermos a matutar-nos mais rapidamente, através de um acelerado ritmo de sensações e reações. Voltemos, agora, a observar a estrutura do Sistema sob o aspecto mais importante, que é o da sua grande perfeição. 

Faremos isto em dois momentos, nos quais esta é posta à prova e, por conseguinte, ressalta com mais evidência:  

primeiro no desfazimento da queda e, depois na mecânica da sua auto-reconstrução.
 

No primeiro caso, a perfeição aparece-nos na invulnerabilidade do plano que se realiza da mesma forma, não obstante o erro, persistindo intacto. 

O dano foi reservado somente à parte dos seres que o desejaram, prejuízo que, depois, em face da bondade inerente ao sistema, reduziu-se a escola instrutiva aos fins da reconstrução, em favor de quem praticou o mal. A perfeição do sistema revela-se exatamente nesta retomada e autocorreção, nesta sua arte de saber transformar um mal em bem. 

Isto demonstra que todo o Sistema é feito de bem, tanto que nele sempre termina; ainda mesmo quando o mal possa ter-se originado em seu interior, ele sabe reabsorvê-lo por completo e reconduzi-lo ao bem. É justamente nesta luta entre o princípio negativo do mal, em que o sistema se corrompeu, e o princípio positivo do bem, que se vê que este último é dominante, mais poderoso, tanto que acaba vencendo. 

Este é o índice do valor do sistema que, apesar de tanto mal, o bem vence. Poderá parecer o contrário a quem vive imerso no momento de um caso particular. Mas assim não é nas grandes linhas.
 

O escopo, efetivamente, era levar o ser a Deus e em ambos os casos foi atingido. No primeiro caso, isso acontece por via direta. A criatura reconhece o Pai, ama-O, segue-O e se harmoniza com o Sistema. 

Temos o seu triunfo espontaneamente, em plena liberdade. No segundo caso o fim é o mesmo, mas por via indireta. A criatura se rebela, separa-se, cai no caos, fora do Sistema. 

Por esse motivo ela sofre, aprende, expia, volve a subir e, se não deseja morrer, deve relutar no Sistema, isto é, coordenar-se na sua ordem. Dessa forma, ela alcança igualmente a meta, tendo, todavia de percorrer um caminho mais longo. O Sistema triunfa, afinal. 

No primeiro caso temos o ser, que permanece inocentemente perfeito. No segundo, teremos um ser igualmente perfeito, mas que, chegando à perfeição através de uma via longa e dolorosa, conheceu o bem e o mal e se refez pelo sofrimento. 

No segundo caso a evolução produzirá um anjo que, através de todos os erros e dores, chegará a ser conscientemente perfeito, com uma sabedoria mais profunda do que a que possuía, se os anjos não se tivessem rebelado e se Adão não houvesse comido o fruto proibido da árvore do bem e do mal. 

Sem tão dura experiência a criatura também seria perfeita, mercê de um conhecimento diverso, mas, com ela, o anjo decaído e redimido se torna detentor da prova do lado oposto do ser, do negativo. O sistema é, pois, tão perfeito que, suceda a que suceder, o erro se transforma em conquista, a destruição em elemento criador, e o mal se transmuda em bem. 

Ele cria sempre o bem, mesmo no mal, na dor, mesmo através de Satanás. Tudo o que nele pode aparecer de negativo, devora-se a si mesmo, destrói-se por si e gera o bem. Assim, o Sistema termina sempre na perfeição desejada. 

A primeira dada por um conhecimento intuitivo, sem a prova da dor; a segunda por um conhecimento experimental através do longo e estafante caminho da evolução. 

A primeira permanecendo intacta, imune à corrupção; a segunda, degenerando-se para depois curar-se. Não importa se o caminho é mais ou menos longo. Esta outra estrada conduz igualmente à meta.
 

A própria queda dos anjos pode ser atribuída mais à perfeição do que à imperfeição do sistema. Nas páginas precedentes assinalamos as seguintes palavras de Deus à criatura:  

"Ofereço-te a existência como um grande pacto de amizade". (Cap. IV, "A queda das anjos"). 

O dom da liberdade, concedido por Deus à criatura, para que ela se Lhe assemelhasse, era completo. Ela poderia aceitá-lo, grata, como poderia ter dito:  

"Não! Não aceito". 

A revolta foi o primeiro passo no sentido desta recusa, visto que a tentativa de existência autônoma era, mantendo-se negativa, uma primeira tentativa de não-ser. A insistência definitiva na revolta significava o desejo de se anular, ou seja, a recusa em aceitar o pacto da existência. 

É lógico que quem não aceitasse a pacto ficasse fora do sistema, pelo qual, quem não aceita a existência se anula, retornando ao estado anterior à gênese, ao do não-existir. 

O existir significa a afirmação na alegria e o não-existir significa apenas uma negação crescente da alegria na dor; por que a ser, mesmo livre, prefere a segunda via?
 

Tudo, pois, no sistema, concorre para o seu bom êxito, para o triunfo do bem, mesmo o mal e o erro. Um sistema, expressão de um Deus perfeito, não podia deixar de ser perfeito. A lógica impõe, de modo absoluto, a presença dessa perfeição. De outra forma tudo se desmorona e nada mais se explica e justifica. 

E, no fundo do universo atual, mesma quando em parte continue ele caótico, vemos uma sabedoria profunda que rege a ordem e nela enquadra mesmo esse caos, regulando-o. 

E a verificação dessa perfeição que nos impõe confiança, porque nos diz que, tudo quanto a criatura faça é por Deus utilizado e guiado para o bem. Verificada a perfeição do sistema no desmoronamento da queda, observemos agora a sua perfeição, na mecânica da sua auto-reconstrução.
 

O sistema de Deus é o sistema do ser, do "eu sou", do qual Ele é o centro. Dado este esquema do grande organismo, positivo, vemos que a rebelião tentou instaurar em seu seio, para submetê-lo, um sistema de esquema oposto, do não-ser, o negativo que, sendo contrário, não podia representar senão a sua reviravolta, segundo a esquema da "eu não sou". 

Então, deu-se a fratura. De um lado, o sistema do esquema "eu sou", em Deus, do outra, um contra-sistema do esquema, o do "eu não sou", em Satanás. "Eu sou o espírito que sempre nega", diz Satanás, no "Fausto" de Goethe. 

E a sua verdadeira natureza, isto é, a estrutura segundo o esquema do "eu não sou , o princípio inverso, segundo o qual Satanás é construído, que lhe inquina o organismo até às raízes e a que o mina, sem cessar, impelindo-o à anulação. Observemos a mecânica desse processo.
 

Este sistema rebelde é formado de muitos eu sou menores, que, ao invés de coordenarem-se hierarquicamente no sistema de Deus, quiseram isolar-se, formando uma hierarquia oposta de centros autônomos. Podemos imaginar o sistema positivo coma um processo giratório dextrógiro. 

Ora, esses elementos rebeldes, constitutivos do contra-sistema, podem ser imaginados como tantos outras centras menores que, em vez de continuar rodando nesse mesmo sentido dextrógiro, como impunha o sistema, harmonizando-se com o seu movimento e alimentando-o com o próprio impulso concordante, puseram-se a girar em sentido oposto, sinistrógiro, contra a corrente, opondo-se ao seu movimento, na tentativa de gerar, assim, um movimento contrário, através do qual pudessem dominar o primeiro, para impor o próprio. 

Puseram-se, dessa forma, a agir como freio e não como impulso, intentando inverter a rota das trajetórias, iniciou-se a desordem, a revolução tendente a transformar a ordem em caos, fenômeno que daí por diante passou a repetir-se de acordo com a mesmo esquema, ainda que em escala menor, estando sob nossos olhos e reproduzindo o mesmo princípio, quer no campo espiritual, quer no campo material, pois que ele continua o mesmo, agora como então. Os dois campos são conexos. 

E como a criação física procede do pensamento, também o caos espiritual pôde logo transformar-se em caos físico, do qual nasce e continuamos a ver nascer o nosso universo astronômico. A pretensão era inverter o sistema. Mas esses elementos não eram o centro.
 

Eram planetas e não a sol. E por mais que se coalizassem em um contra-sistema, não passavam do que eram, isto é, centros menores, elementos periféricos. Por mais que pretendessem ser sois, eram apenas planetas. 

Era, pois, impossível que o contra-sistema pudesse vencer o sistema. Não lhes restava, então, outra possibilidade, senão a de funcionar como resistência, quais massas negras em um sistema de massas brancas.
 

Continuemos. Resultou daí um atrito que representa permanentemente a luta entre o bem e o mal. São estas as duas forcas sempre em ação. O único sistema originário, positivo, transformou-se, então, reequilibrando-se, em um duplo sistema, isto é, no conhecido dualismo universal, que vai do plano espiritual ao físico, sistema que podemos conceber como uma quantidade de massas negras navegando em um organismo dinâmico de massas brancas. Mas estas são mais fortes, porque o centro é branco. 

É, porém, negro o anti-centro, em torno do qual gravita a anti-sistema Mas esse pela própria natureza só pode ser um centro negativo, isto é, periférico, uma paródia de princípio, um absurdo geométrico, que exprime exatamente, também no plano físico, a idéia negativa do "eu não sou". Este é Satanás! 

Agora que, com esta representação, uniformizando-nos com uma lei de analogia, pudemos transportar para um terreno mais concreto a conceito abstrato da revolta dos anjos, vejamos o que sucedeu.
 

Estão em luta as duas forças, bem e mal, mas não perfeitamente iguais. Há uma superioridade pelo fato de que o bem é o centro, posição da qual a revolta não o pode despojar. 

O atrito desgasta os dois elementos, arrebatando do "eu-centro" fragmentos da sua parte periférica, detritos de substância, quer espiritual, quer dinâmica, quer física, segundo o plano em que se observa o fenômeno. Isto porque o modelo de cada elemento é feito de centro e periferia, repetindo-se, assim, no caso menor, o esquema do elemento máximo centro-Deus. 

Desta forma, quanto mais fortes a choque e o atrito, tanto mais acentuado o desgaste, a que redunda em pôr sempre mais a descoberto a natureza do centro do sistema de cada elemento, ou "eu", que, assim, quando se trata de uma massa branca, se faz sempre mais branco, e, quando se trata de uma negra, torna-Se cada vez mais negra. 

O resultado da luta e atrito é, pois, intensificar e fazer aflorar as características, a verdadeira natureza de cada um. Assim, na luta o anjo se torna sempre mais anjo e o demônio sempre mais demônio, o santo se aperfeiçoa e ascende, o mau piora e desce.
 

Esse atrito é dor para ambas as partes. Mas a natureza íntima, tão diversa para os dois tipos, faz com que os seus efeitos sejam apostas como esses tipos são apostos. Podemos ver o processo repetir-se na Terra, entre os seres que, tendo já percorrido um certo trecho do caminho da ascensão, se acham mais próximos dos elementos brancos. 

Sua dor, que decresce com a subida, é bendita e confortada por Deus, repleta de esperança e sempre mais viva. Ela integra um sistema positivo, em que a dor está desaparecendo, enquanto o problema da felicidade se encontra em vias de solução, porque a vida está caminhando para Deus. 

Mais acima, os anjos não decaídos se apresentam imunes à dor, que adeja em torno de seus espíritos incapaz de excitar neles as ressonâncias dolorosas a que a nossa natureza corrompida não pode fechar as portas. 

Contrariamente, a dor dos espíritos inferiores, que permanecem na revolta, é maldita, sem conforto, de esperança cada vez menor, dor que aumenta em cada queda do ser. 

Ela faz parte de um sistema negativo, em que a dor se potencia e a felicidade se afasta, porque a vida está caminhando para Satanás. Duas dores apostas em sentido oposto. A do santo é sacrifício útil, construtivo, de que se colhem frutos. A do mau é amarga consequência da destruição, que a carrega mais de ruínas. 

A dor do santo bendiz e cria; a do mau é feroz e destrói. Podemos agora imaginar essas correntes sinistrógiras do mal, navegando às avessas no sistema, em contrário ás dextrógiras do bem. Qual delas vencerá?
 

Indubitavelmente a branca, porque é mais forte. A revolta padeceu de um erro fundamental de estratégia: 

o de haver confundido semelhança com identidade Deus na Sua bondade para com a criatura e por amá-la, fizera-a semelhante a Ele, mas não idêntica, isto é, da mesma natureza, mas não da mesma potência. 

A própria estrutura do sistema implicava que Deus permanecesse centro, posição que nem mesmo Ele poderia ter cedido, ainda quando a Seu Amar a tivesse desejado porque então o sistema inteiro ter-se-ia alterado. 

O erro dos rebeldes estava justamente inserido em sua natureza egocêntrica de "eu sou", como uma consequência sua, direta, pais que consistiu em sua dilatação exagerada, a ponto de iludir-se, acreditando que semelhança pudesse vir a ser identidade. 

Efetivamente a ela nada faltava como qualidade faltava um pouco somente como quantidade. Foi essa quantidade que o orgulho admitiu que pudesse criar, por meio da potência do próprio "eu sou", retirando-a desse “eu” já tão divinamente poderoso. 

Enganou-se, porém. Era absurdo o que pretendia. Mas a identidade estava ali, a meio passo, tão vizinha da semelhança que o "eu sou" da criatura deixou-se arrastar pelo instinto inato de dilatar-se.
 

Quis nivelar-se a Deus e, ao invés de engrandecer, estourou. Eis o grande erro, causa da ruína. Tudo é lógico e compreensível, especialmente a nós, criaturas hoje numa situação que é oriunda desse erro e pelo qual, com tanta frequência, somos ainda levados a repeti-lo, iludidos pela mesma ilusão psicológica e colhendo os mesmos frutos dela.
 

Isto esclarecido, podemos indagar:  

através de qual técnica a sistema é tão bem capaz de reconstruir-se? 

A resposta, para ser dada, exige que, prosseguindo o exame iniciado, perguntemos ainda aonde vão findar, a que ponto do sistema se dirige aquela parte de substância que, no atrito e na luta, se destaca da periferia dos "eu" componentes? 

Ela assumirá naturalmente o sentido dextrógiro, que é a mais forte no sistema, em virtude de ser a única alimentada pela irradiação dinâmica do centro - Deus, positiva e que está pronta a atrair e arrastar em sua órbita tudo quanto ainda não se mantenha unido à corrente aposta, visto que o contra-sistema também possui o seu anti centro, antagônico, de ação inversa, cuja irradiação é negativa, obscura, destruidora, atração invertida, que repele. Tal é Satanás. 

A substância, assim repelida pela atração negativa do anti-centro, inverte a sua direção tornando-se positiva, a favor do sistema positivo. (O primeiro germe destes conceitos encontra-se no capítulo X - "O Problema do Mal" - da volume A Nova Civilização do Terceiro Milênio). 

Sucede, então, que essa poeira de substância, que se destaca, é atraída para Deus e inserida no circuito positivo do sistema, com este resultado final: 

o contraste entre as elementos dos dois sistemas apostos só pode operar no sentido de um desgaste e empobrecimento crescente de substância do sistema negativo, em favor do sistema positivo, que cada vez mais ganha em substância. Isto conduz o processo fatalmente a propender para o aniquilamento do sistema negativo e domínio absoluto do sistema positivo. 

Como se vê, esta realidade é inerente à natureza do sistema positivo, o primeiro a existir e o último a triunfar. O princípio e o fim vêm, assim, a coincidir no imóvel absoluto do Deus transcendente. 

Que está fora da forma e do tempo, independente da Sua manifestação no universo criado. Em conclusão, podemos afirmar que não há dois sistemas iguais e contrários, mas, no fundo, um único sistema: 

Deus.

Eis a maravilhosa técnica do processo de auto-reconstrução do universo. Tudo desmoronou no caos, mas a caos sabe reconstruir-se na ordem. Que melhor prova existe para a imanência de Deus? 

O princípio positivo não abandonou o anti-sistema negativo. De que outra forma poderia este, feito de substância negativa somente capaz de destruição, reconstruir-se, isto é, agir inteira e contrariamente à sua natureza? 

Assim, se o processo evolutivo realmente funciona e determina o bem, o mal deve estar em decréscimo. Ele, vivendo, desgasta-se e tende a morrer. 

O bem, ao contrário, com a vida, revigora-se e tende à gênese. O mal pode parecer em crescimento, num determinado ponto do universo, como a Terra, em consequência da ascensão e chegada de elementos inferiores. 

Mas, no todo, o mal, com a existência, devora a si mesmo, em razão da própria natureza e estrutura, e só mediante esta condição pode existir. O mal, como o bem, no universo, assim como na Terra, não está uniformemente distribuído e o aparecimento local do fenômeno pode iludir-nos quanto ao seu destino real, que está fatalmente traçado.
 

E, então, surge naturalmente em nós uma última pergunta: 

qual a sorte final dos espíritos maus? 

O seu sistema os conduz automaticamente ao aniquilamento, que representa o seu triunfo, a morte da alma, verdadeiro inferno eterno, porque, para o ser, a pena máxima está no não-ser. E a criatura que renega a Deus, não pode ter outra sorte. 

Mas, será possível que um ser livre queira, em seu prejuízo, fazer da liberdade um desastroso uso? 

Será possível que ele queira agir tão loucamente, que possa resistir à tortura crescente da dor máxima, que é a agonia espiritual, sem mudar de rumo?
 

O universo é um organismo em que, como no corpo humana, uma solidariedade de todos os elementos componentes compele as células sãs e mais evoluídas a tentarem todos os meios de conseguir a cura ou salvação das células patológicas do sistema, que fazem dele um ser enfermado de rebelião. 

Será possível, então, que a ser possa resistir a todas as infinitas ocasiões que se lhe oferecerem, possa resistir a todas as amorosas solicitações e amparos, através dos quais os espíritos bons e eleitos se prestam a sacrificar-se por amor à redenção daqueles seres que se transviarem? Será possível chegar a tamanho absurdo?
 

Se isto se der, então o ser, que assim o quis, ficará no inferno eterno da negação da existência, em que o “eu” desaparecerá consumido em pó, e será refundido no sistema do bem. 

E, então, como havíamos concluído que não existem, na realidade, dois sistemas contrários, mas um só - Deus -, assim, também, podemos concluir que o inferno eterno existe como possibilidade, mas que, como disse um santo, não podemos estar certos de que nele possa haver alguém. 

Ele existe, pois como uma possibilidade teórica do sistema, sem que estejamos em grau de saber se esta pode transformar-se em realidade. (Este assunto será melhor desenvolvido no Cap. X: "A teoria do desmoronamento e as suas provas"). Sabemos, com certeza, apenas que Deus é a absoluta potência do bem. 

Devemos daí deduzir ser impossível que, ao cabo, o bem não sobrepuje todo o mal, tornando-se senhor absoluto. Se do mal restasse um átomo que fosse, o plano de Deus não teria vencido. Sabemos com segurança que Deus é bondade e que a criação é um ato do Seu Amor e que, pois, se um só átomo lhe escapasse, Seu plano teria falido. 

Sabemos, assim, que é impossível que, ao fim, a Seu Amor não vença a tudo e a todos, envolvendo no Seu amplexo todo o criado. A esta altura pode surgir uma objeção. 

É verdade que a universo está destinado à reconstrução e se reconstruirá. Todavia, se o sistema é perfeito, que garantia nos oferece ele que a queda não se repetirá? 

Observemos; a parte caída está, por enquanto, ligada ao processo evolutivo. Quem quisesse involuir, ao invés de evoluir, se exporia ao aniquilamento como individualidade própria. Estaria, pois, eliminado. 

Mas temos visto (e ainda melhor o veremos no cap. X), como o egocentrismo de cada "eu" deva terminar com a compreensão de que este caminho é contraproducente e desvantajoso, já que o ser está destinado à salvação.
 

Depois, há a parte dos espíritos não decaídos que se permaneceram puros por obediência, aplicando, em seu benefício, a sabedoria de Deus, que os guiava, estão agora assistindo ao calvário do ser decaído. Eles estão vendo as consequências do desmoronamento e têm, diante de tal exemplo, uma experiência própria adquirida indiretamente. 

Após essas duras verificações, é impossível possam pensar em repetir, com seu prejuízo, uma tão terrível prova, sob a qual estão caídos os espíritos seus semelhantes.
 

Ao termo do processo reconstrutivo da evolução, a parte dos espíritos caídos, agora redimidos, volta ao estado anterior através da experiência do bem e do mal, que serviu como exemplo para todos, inclusive aos espíritos não caídos Todos, pois, acabam adquirindo a mesma experiência. Ora, a parte redimida não se cuidará de novas desobediências, porque provou as suas consequências. 

Ela conserva um conhecimento direto. A outra parte - os não caídos - tem um conhecimento indireto, reflexo. Não é possível haja novas quedas, embora todos permaneçam inteiramente livres. 

Chega-se, assim, a um determinismo superior: 

o do ser convicto, a quem o conhecimento ensina que só há um caminho, também livre, que se possa seguir e que é a adesão à Lei.
 

Podemos compreender tudo isto, reduzindo o fenômeno, que se situa para nós em planos inconcebíveis, às dimensões exíguas da razão humana. 

Aparece-nos, então, um novo aspecto da maravilhosa perfeição do sistema:  

o de que o mal causado pela revolta se transforma em bem, o que constitui uma experiência vital também para os não caídos, destruindo-se definitivamente "para todos" qualquer possibilidade de novas quedas.