Páginas

29/10/2015


III


O EGOCENTRISMO

 


 

A esta altura, surgem muitas questões a que procuraremos dar aqui as respostas, para resolver, sempre procedendo em profundidade, o problema do conhecimento das últimas coisas.
 

Se o universo diz em Deus o seu: 

"eu sou", como o diz toda criatura e, por conseguinte, todo homem, será possível então encontrarmos, no termo máximo, o principio de egoísmo que existe nos seres inferiores, e que é tão condenável no homem? 

E isto é possível? Mas, por que então o egoísmo humano é uma culpa? E por que ele existe e que significa e quer? E, no princípio centralizador unitário do universo em Deus encontraremos então o egoísmo máximo?
 

É um fato que, sem egocentrismo, desde os sistemas planetários aos organismos celulares e sociais, não se mantém compacta nenhuma unidade. Ele é, pois, necessário a todo ser. Egocentrismo não é exatamente egoísmo. 

Este possui mais um sentido de centralização com vantagem individual, com pendor separatista e exclusivista, um sentido de usurpação em detrimento de outros ou necessitados ou com direito. 

O egocentrismo possui ao invés, apenas um sentido de centralização destituído de senso separatista e exclusivista, sem o objetivo de usurpar nada a outrem pelo contrário, com vantagem de conservação de um organismo global que é necessário e útil a todos os elementos componentes. 

O estado, como um chefe de família, pode ser utilmente egocêntrico sem ser egoísta Se todo ser, para existir, deve dizer:  

"eu" - o egocentrismo é uma necessidade de existência e, por isso, não pode haver culpa em se repetir os princípios do ser, expressos no sistema do universo

É também, segundo a Lei, que cada fragmento conserve interiormente a natureza do esquema consoante o qual o Todo-uno é construído.
 

Então, por que egoísmo é culpa? Procuremos compreender. Egoísmo e altruísmo são termos relativos ao grau de extensão que o eu cobre com o próprio amor e compreensão. 

Enquanto o egoísmo é o amor exclusivo com relação ao próprio "eu" e a nenhum outro, um altruísmo absoluto, que renuncia a tudo, inclusive a si mesmo, sem vantagem nenhuma para um dado ser ou grupo de seres, é loucura, é suicídio. Ambos os extremos constituem culpa. 

A virtude consiste no altruísmo razoável, no sacrifício em favor de alguém, na dilatação do egoísmo, isto é, na ampliação do princípio do egocentrismo, e não na sua supressão. 

A virtude será tanto maior quanto mais extenso for o campo dominado pelo amor, que é a substância da Lei. Efetivamente, o egocentrismo máximo do sistema em Deus, não é senão um egoísmo que cobre todo o universo, dilatado assim infinitamente no amor capaz de abraçar e defender todas as criaturas até considerá-las como partes integrantes de si mesmo, sacrificando-se por elas.
 

Eis como se opera a progressão da abertura da concha do egoísmo no altruísmo, fim da evolução que consiste exatamente na confraternização, a qual, unificando os fragmentos do Uno, reconduz os seres à unidade no centro - Deus. 

O egoísmo poderia então denominar-se egocentrismo involuído, fechado e limitado em si mesmo, enquanto o altruísmo seria egocentrismo evoluído, aberto e expandido no Todo. Efetivamente, o primeiro é separatista, desagregador centrífugo; o segundo é unitário, centrípeto. O primeiro se afasta de Deus e o segundo se avizinha de Deus.
 

O egoísmo historicamente se explica. Resultado da fragmentação do Uno em tantos outros “eu” menores, separados e separatistas como veremos, é qualidade do ser involuído, necessário a sua existência, pois que no nível em que se encontra, necessita revestir esta forma de personalidade separada egoisticamente, em guerra com todos na ignorância da superior fase orgânica, que poderá irmaná-lo aos semelhantes em unidades maiores. 

Esse egocentrismo, biologicamente justificável, só o é, todavia, para o passado, mas se tentar prolongar-se no futuro, tornar-se-á cada vez mais condenável como egoísmo separatista, porque a evolução leva a humanidade a um mais vasto egocentrismo coletivo. 

É assim que o egocentrismo separatista, sendo uma forma biologicamente de uma utilidade de superada, não poderá reaparecer senão sob o aspecto cada vez mais retrógrado e anti-vital. Tendo cada vez menos razão de existir na sua forma exclusivista e agressiva, cada vez menos também será justificado, pois que deixou de ter função biológica.
 

Em Deus, o egocentrismo representa um egoísmo tão amplo, que abraça todas as criaturas, tudo o que existe, de modo a coincidir com o máximo altruísmo. E quanto mais o ser evolve, tanto mais o egocentrismo tende a se aproximar ao de Deus, que é o egocentrismo que todo ser sente, com respeito aos elementos componentes do próprio organismo, constituindo uma necessidade para mantê-los todos compactos em unidades em torno ao ''eu" central, alma do sistema. 

O egocentrismo de Deus é, pois, um egocentrismo perfeito, isto é, não constituído de um egoísmo separatista e exclusivista, como o dos seres inferiores, mas sim, feito de Amor, que reforça essa fundamental lei do ser, porque Deus é centro, não para sujeitar, mas para atrair, não para absorver, mas para irradiar, não para tomar, mas para dar. 

Se, por sua vez, os "eu" menores têm necessidade do seu menor egocentrismo, para manter o seu menor sistema, naquele egocentrismo também eles encontram o limite do próprio ser. Em tal limite eles estão fechados, pois que ele forma o horizonte da sua existência e compreensão e só pela evolução podem sair dele, ampliando-o em outro mais vasto.
 

Assim é a íntima estrutura do sistema do universo. O grande modelo é Deus, que todos os seres, inclusive o homem, devem seguir. Esse Deus se encontra no centro do sistema tudo centralizando em Si, para tudo irradiar de Si, e as criaturas devem existir à Sua imagem e semelhança, isto é, como tantos outros sois menores que irradiam, quais centros de sistemas menores. 

E assim, hierarquicamente, cada um, segundo o grau de evolução atingido, cobre a maior ou a menor vastidão do sistema relativo ao seu raio de ação. Tal o modelo central, tal a lei do sistema. 

Certamente, a criatura é livre e pode, pois, agir de modo contrário. Mas esteja bem certa de que é lei também que todo o sistema se volte contra ela para esmagá-la, como a um inimigo. A grande corrente da vida vai contra quem pretende inverter a rota do ser, prejudicando-o. Ela o coloca frente ao dilema:  

rearmonizar-se com a Lei, enquadrando-se de novo nela, ou ser eliminado. 

E os salutares golpes da dor, ainda que atenuados pelos impulsos do Amor, não serão sustentados enquanto não se tiver conseguido a correção ou destruição. O ser é livre de violar, mas somente em seu dano e não tem nenhum poder para dobrar ou anular as leis da vida.
 

Eis as razões remotas, que explicam e impõem o “ama o teu próximo”, do Evangelho. Hierarquicamente, a unidade do sistema por esquemas únicos, repetidos em todos os níveis, impõe que o mais sábio o poderoso, porque em níveis mais elevados, deve irradiar para os inferiores, de nível mais baixo, pois que os níveis elevados recebem dos que se encontram em níveis mais elevados ainda do que eles, próximos a Deus. 

Obtém-se, assim, através da desigualdade, a justiça. Receberá dos irmãos maiores quem der aos seus irmãos menores. Quem mais possui, mais deve dar. Quem menos tem, mais deve receber. 

Eis a perfeita justiça alcançada pelo Amor, respeitando diferenças e desigualdades necessárias que exprimem a posição atingida, cada qual com sua fadiga e vontade de subir. Uma justiça perfeita, atingida sem nivelamentos forçados, que podem constituir mutilações para os mais evoluídos e apropriação indébitas para os inferiores. Eis a função da Divina Providência, já alhures estudada. 

Assim se compreende o Evangelho, quando diz que não ganha a própria vida quem a conserva egoisticamente para si, mas somente quem a dá aos outros. Recordemo-nos de que somos células de um grande organismo e de que nenhuma célula pode crescer e viver isolada, pensando exclusivamente em si mesma e em seu próprio benefício, mas somente pode fazê-lo em relação às outras, em favor do organismo inteiro. 

Uma cé1ula absolutamente egoísta representa em qualquer organismo um germe revolucionário, uma revolta à lei do Todo, uma atividade perigosa que é logo sufocada no interesse geral, um cidadão rebelde que urge ser expulso da sociedade.
 

Tal é a grande parte da moderna humanidade materialista, para quem o egocentrismo é egoísmo separatista e exclusivista de cada um contra o próprio semelhante. E efetivamente as leis da vida procuram isolar esse tipo biológico, como um cancro ou tumor, para destruí-lo. Com o próprio egoísmo, ele desejaria sustar o livre fluxo da vida, como quer a divina lei de Amor, e a vida o põe na encruzilhada:
 

seguir a rota da Lei ou ser esmagado por ela. 

O homem moderno não conhece esses princípios, age como uma célula que quisesse viver exclusivamente para si, isolando-se da corrente de todo o funcionamento orgânico de que é parte. 

Para quem compreendeu a vida, isto é simplesmente a louca pretensão de um ignorante de tudo. Mas o sistema tem como centro Deus e não o homem e ninguém pode alterar a realidade dessa estrutura do universo. 

E, assim, quando um centro menor, fazendo mau uso da liberdade, tende a agir contra o Todo, então os impulsos do conjunto orgânico se encontram contra ele para expulsá-lo do sistema. Veremos, dentro em pouco, como pode surgir essa atitude rebelde das criaturas e quais as suas consequências.
 

Compreende-se, dessa forma, como o mundo de hoje, baseando-se no egoísmo, esteja completamente fora da rota. Os métodos mais seguidos para a conquista da riqueza representam, mesmo do ponto de vista utilitário, um grosseiro erro psicológico. Acumular com exclusivismo egoísta significa caminhar contra a maior corrente da vida, agir com prejuízo, significa pôr-se em posição invertida, não obter senão resultados negativos. 

E quanto mais porfiadamente o homem lutar nessa direção, buscando vencer por ela, tanto mais se afastará das fontes do ser, para perder-se no deserto em que o isolarão as forças da vida, que dele se arredarão como de um pestilento. Deus é Amor e sempre dá. 

A divina corrente do Todo está baseada no princípio do dar. Agindo em contrário, o homem pretenderia opor-lhe, como uma muralha, o oposto sistema, do tomar! Então, a muralha não susta a corrente, mas a corrente destrói a muralha. A nossa economia, porventura, não está baseada no princípio "do ut des" ? [4]

Se a balança da justiça assim se apresenta, isto significa egoísmo pelo qual eu não darei se tu não deres. Se não tiveres para dar, morrerás, o que a mim não importa. E se não deres, eu não darei. Este princípio de compensação, que são as bases reconhecidas da economia vigente, constitui a mais lídima manifestação do egoísmo. 

 Se tal é a atitude da alma, que salvação podem realizar os sistemas econômicos que se erguem sobre essas bases? Uma economia desse tipo, em face das mais profundas leis da vida, éticas e espirituais, das quais é ilusório querer furtar-se em qualquer procedimento nosso resulta também utilitariamente negativo, isto é, contraproducente. 

Efetivamente o mundo econômico-financeiro não passa de uma série de crises em cadeia que formam uma única, perene crise insanável porque ela não se origina de um particular momento ou posição, mas de todo o sistema. Por que então, o homem se comporta assim e não sai dessa posição falsa?
 

Simplesmente porque a grande massa humana e involuída e não compreende esses erros psicológicos e também porque, quando já se tomou uma direção, é muito difícil inverter a rota. 

E aqui se trata precisamente da evangélica inversão dos valores, isto é, de pôr no cimo da escala destes os espirituais e no fundo os materiais, mas hoje se verifica o inverso, sendo colocados em cima estes últimos em virtude de que o tipo biológico dominante na Terra não se encontra ainda, por evolução, sensibilizado a ponto de percebê-los e apreciá-los. 

Ele corre atrás dos fictícios do mundo sensório e corporal, ao invés de buscar os mais consistentes do mundo espiritual e da alma. O tipo dominante não consegue ainda compreender esse novo hedonismo e apoderar-se dele em seu benefício. 

A nova vida é a do bem que opera honestamente, sem enganar, pedindo antes o trabalho e depois a recompensa. O homem ignorante prefere as vias do mal, que agem desonestamente, enganando, prometendo dar muito e chegando mesmo a dar logo alguma coisa sem nada pedir, para mais tarde retomar o que deu e não dar o que prometeu. 

O caminho feito de mentira é mais atraente, para quem crê ser bastante bravo para burlar as leis da vida, o que leva a cair facilmente numa armadilha. Cada qual atrai segundo a própria psicologia e obtém o que merece.
 

O homem comum, imerso em um mar de mistérios, não sabe se orientar, detendo-se nos efeitos imediatos. No altruísmo ele vê um sacrifício tangível, próximo, real. Vê nele um perigo para si e para os seus, de modo que tem como um dever arrebanhar o mais que pode para si e para os seus. Em face do altruísmo ele recua exclamando:  

"E quem me garante a vida?" 

O assalto permanente que sofre da parte do próximo, que ele deveria amar como a si mesmo, justifica em parte essa sua atitude e exigiria heroísmo ter que invertê-la no oposto. Para chegar a ela terá que dar não apenas o seu sacrifício imediato, mas para manter-se teria que lutar sozinho contra toda uma corrente inversa - a da sociedade humana. Todavia, há uma grande força em sua defesa, coisa de que na Terra bem raramente se dá conta. 

O homem altruísta que, por não ter egoísmo, é espoliado de tudo, porque tal é o resultado de uma guerra de egoísmos, para quem não ataca e se defende, tal homem atrai as forças da vida que acorrem a fim de salvá-lo. Elas não constituem utopia e regem o mundo. Elas acorrem porque esse homem personifica o maior interesse e a vontade da vida, que é a evolução. 

Mas, para compreender isto é necessária uma sensibilização moral e psíquica, que não existe na maioria, uma precisa orientação conceitual, através da qual se tenha compreendido o funcionamento orgânico do universo, é indispensável, enfim, a prova resultante do controle experimental de toda uma vida.
 

Na realidade, funcionam inúmeras forças que a maioria ignora. Deus, ao sensibilizado por evolução, é uma realidade sensível. O caminho para aproximar-se Dele, suprema alegria, consiste na progressiva dilatação do próprio egocentrismo, que denominamos altruísmo, isto é, o fraterno amor evangélico. 

Este constitui o método de ascensão para a felicidade, encurtando as distâncias entre o homem e Deus, porque assim a criatura, segundo o exemplo divino, volta-se para trás a fim de orientar as criaturas irmãs. 

Quando o ser se decide dessa forma a funcionar segundo a lei do Todo e se dispõe a despojar-se do que possui em favor do necessitado, põe em movimento os impulsos do sistema e faz com que este funcione em seu favor, de modo a ser de alguma forma provido e largamente compensado do que perdeu, dando voluntariamente. Em outros termos, ativa-se o princípio: 

quem beneficia seja beneficiado e tanto mais beneficiado quanto mais beneficiou. Inicialmente, punge o sacrifício de pôr em movimento essas forças, mas o sistema, pode-se dizer, é de uma precisão mecânica tal que, uma vez posto em ação por quem compreende e sabe, matematicamente dará resultado.
 


Certamente é necessário ter compreendido a estrutura coletiva do organismo universal, a universal imanência de Deus, pela qual tudo "é", a orgânica natureza do Todo, do qual cada indivíduo é parte que vive em relação e das relações com as outras partes, célula que morre se se isolar. 

É necessário evoluir para sensibilizar-se de modo a perceber essa irradiação do centro, Deus, que rege inteiramente o sistema, até a sua periferia, onde nós, menos evoluídos, nos encontramos. 

É necessário compenetrar-se de que pobreza não existe na infinita riqueza de Deus, de que os bens são ilimitados e constantemente irradiados, sempre prontos a saciar qualquer possível necessidade.
 

Deste oceano, o ser, no entanto, não poderá captar para si mais do que lhe permite a sua capacidade receptiva, que é dada pela sua evolução, pela sua aderência ao sistema, ou seja, pela aderência à Lei ou vontade de Deus. É, pois necessário que ele funcione de acordo com a Lei, agir com amor, sabendo irradiar, dispondo-se a dar e aplicando assim a norma evangélica do "ama o teu próximo".
 

O problema está em saber acionar os impulsos do sistema de modo a pôr em movimento essa irradiação. Se soubermos abrir as janelas de nossa alma, seremos inundados por essa irradiação. 

Mas, para economizar o esforço de abri-las, quando não confiamos, prudentemente fazemos os nossos cálculos utilitários para nada arriscar; encolhendo-nos em um canto, e, então, permaneceremos no quarto escuro e frio de nós mesmos a disputar com o vizinho o pouco de luz ou de calor que, apesar de tudo, coa-se para o interior, ainda que lá fora tudo exista numa exuberante trepidação de vida. 

Mas, tal é o nosso mundo, em que as maiores guerras se fazem para disputar o que já possuímos de uma riqueza que é infinita, conseguindo apenas destruir o que já se encontra em nosso poder. Desta forma, escondemo-nos em sua prisão. Bastaria saber abrir-lhe a porta para que nos evadíssemos. 

A porta, para que se abra, exige que recuemos um pouco, mas o homem prisioneiro, na ânsia de fugir, ao invés de recuar um pouco para trás, avança sofregamente, buscando o exterior e, pensando em tudo, menos no que deve fazer para se libertar, mais e mais impele a porta do lado em que ela se fecha, mais e mais com o seu esforço tornando difícil a libertação. Ele é um louco. Para desfazer certas miragens e destruir outras tantas ilusões psicológicas é necessário ao homem a dolorosa elaboração de milênios.
 

O raciocínio do homem atual parece verdadeiro, porque o é apenas em parte, pelo menos onde ele alcança com o conhecimento, isto é, no seu mundo concreto, que representa a periferia do sistema e que ele, ignorante do resto, supõe que seja tudo.
 

Desfazer em altruísmo o próprio egoísmo é efetivamente uma perda, mas somente periférica e em uma primeira fase. 

Porque realmente não é perda, mas antes ganho, quando em um segundo tempo o ser vem a pôr-se em contato com outras forças não periféricas. Efetivamente, o altruísmo não é vantajoso neste mundo, quando outros seres estão dispostos a arrebatar-nos tudo e aproveitar-se de nosso sacrifício em proveito próprio, embora com evidente perda para si. 

E esta é definitiva para o involuído que, em remotas conexões com o centro Deus, só é escassamente irradiado e, por conseguinte, empobrecido e privado de novos suprimentos. E, dado que nos encontramos na periferia do sistema e que a maioria é, por involução, pouco irradiada, a posição do prisioneiro da pobreza e da dor, sem capacidade de evasão, é lógica e compreensível. 

Não há remédio imediato. Não resta senão deixá-lo na posição que lhe cabe, segundo o seu grau de evolução, a espera de que os golpes da vida o elaborem até que ele compreenda o mecanismo do sistema e consiga assim fazê-lo funcionar em seu proveito. 

É inútil querer explicá-lo antes que ele amadureça, porque permanece incompreensível, pois que não se aceita aquilo que não se mereça conhecer, por não se ter feito ainda o esforço de conquistá-lo.
 

Tudo será muito diverso para o evoluído. Desfazer em altruísmo o próprio egoísmo também para ele significa um prejuízo. Mas ele pode enfrentar com segurança esse sacrifício, porque conhece a estrutura do sistema e sabe, por isso, o que se seguirá a esse sofrimento. 

Espiritualmente ligado ao centro Deus, não vive apenas de limitada vida periférica. Pelo contrário, é justamente este seu sacrifício de dar irradiando, a força decisiva que abrirá janelas que o inundarão de sol. É este o difícil passo para trás, o único que pode permitir-lhe abrir as portas da prisão. 

É esta negação de si próprio em altruísmo, na periferia, uma afirmação para o centro Deus, isto é, uma mobilização das forças de irradiação que esperavam essa sua atitude para podê-lo inundar. Porque é o ser livre que deve encontrar a chave e com ela abrir o mistério da evolução. 

E, assim, em um segundo tempo, ele será largamente recompensado e enriquecido pelo seu empobrecimento que, na realidade se reduz a perdas diminutas na zona periférica do sistema universal, na zona da matéria e das ilusões. Defrontamo-nos assim, em verdade, com um sábio cálculo utilitário que, diferentemente do outro, conduzirá a plena satisfação e segurança de êxito.
 

Eis o raciocínio desse tipo de homem. Dirige-se a Deus, dizendo:  

"Senhor, eu dou, empobreço-me materialmente, mas com isto eu me torno instrumento que adere à Tua Lei, vivo segundo as linhas de força do Teu sistema. 

Para o triunfo do Teu Amor eu sacrifico o meu pequeno eu. Tu sabes que agir assim na periferia, onde me encontro imerso na matéria, significa empobrecer até a morte. Mas eu não existo mais para mim, isolado, mas na vida universal, em que Tu "és" . Eu não quero mais a mim mesmo mas somente a Ti, em Quem eu vivo. Quero a Tua Lei. Faço parte do Teu organismo. 

Sou uma célula dele, uma Tua célula. Tu és o meu eu maior, em que agora existo. Então a minha morte não é mais possível. Compete a Ti e à Tua Lei impedi-la, e que a vida me seja dada, pois que ao meu fraco poder de defesa eu renunciei para seguir a Tua Lei de Amor. Não é possível que, para seguir-Te eu deva perder a vida. Sei que esta tem fins eternos a alcançar e que eles devem ser alcançados. 

Ela não pode perder-se ao acaso e não depende da minha pobre defesa do momento. Seguindo-Te, eu ganho a vida. E se também morrer, não perderei senão a minha vida menor, porque ressurgirei na Tua vida maior”. Assim se compreende o Evangelho de São João (Capítulo XII: 24-25), quando diz:
 

"Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra não morrer, fica só; mas se morrer, dá muito fruto".
 

"Quem ama a sua vida perdê-la-á e quem neste mundo aborrece a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna”.
 

A luta entre o evoluído altruísta e o mundo egoísta, que não se preocupa senão de espoliá-lo e explorá-lo, é terrível. A situação é tal que se procura, por todos os meios, eliminar o benfeitor e isto exatamente por parte daqueles a quem ele desejaria fazer o bem. Poderosa é a resistência que o involuído opõe a quem procura fazê-lo evolver para a felicidade e trágica é na Terra a posição dos benfeitores da humanidade: 

posição de martírio! 

É como querer abraçar por amor um tigre: 

fica despedaçado. 

Porem a vida só em parte é terrena e não se exaure apenas do ponto de vista humano. O trabalho desses homens é missão e interessa também ao céu. Dado que à vida, se pouco interessa o indivíduo muito interessa a função que ele personifica, sobretudo a evolutiva, então esse indivíduo se torna sagrado e forças superiores intervém para protegê-lo no sacrifício até que a missão seja cumprida e se dê o milagre.
 

Então, aciona-se o movimento da irradiação, porque o ser não a contém mais em si, mas lhe faculta o fluxo, tornando-se-lhe um canal que permita fluir no universo, de criatura em criatura, a divina linfa vital. E a irradiação está pronta a lançar-se onde a passagem é livre e desviar-se de onde há obstrução. 

E assim os homens altruístas se tornam, cada vez mais, instrumentos da Lei que, cada vez mais, nutre esses seus canais e os exalta, enquanto funcionam segundo a direção dos seus sistemas de forças. Tudo isto significa dar, cada vez mais amplamente, um despojamento crescente, que aterrorizaria o involuído, mas no mesmo passo significa um nutrimento sempre mais vigoroso de forças. 

Ser irradiado significa sentar-se a uma lauta mesa de recursos ilimitados. E o sistema é tal que quanto mais aumenta o sacrifício em dar, mais cresce o dom que se recebe, porque com isto se sobe na hierarquia dos operários do Senhor, com a conquista de poder e sabedoria crescentes.
 

Eis a estupenda realidade que está além das trevas que ocultam ao homem comum a verdadeira estrutura do sistema. O Evangelho concorda com tudo isto, concluindo pela norma do "ama o teu próximo", sem dela dar explicações racionais. Essa conclusão tem sua grande confirmação no mundo atual, que, não a podendo compreender, a considera uma utopia. 

Estas concepções, obtidas por visão com o método intuitivo, foram aqui expostas pelo autor sob controle durante quarenta anos, usando o método experimental, sem que elas, nos fatos por ele vividos, jamais encontrassem um desmentido. Se este tivesse ocorrido, teria sido gravíssimo, porque os fatos, ainda que apenas um, teriam desmentido a Evangelho. Muito se deve pensar agora que o Evangelho, que parece utopia, se realmente vivido, torna tangível a verdade que não falha.
 

Horizontes novos e ilimitados, inexplorados continentes do espírito, repletos de riquezas ignoradas, vastidões abismais de infinito sobre os quais a alma se debruça, em vertigem! O homem ignorante não suspeita qual o futuro que ali o espera. Além do infinito astronômico existe o maior infinito espiritual. 

E nesta Terra, grão de areia cósmica, por um pouco de espaço e de bens, o homem, centelha divina, com que ferocidade e estupidez mata, sem saber quem é e no que poderá tornar-se!

[4] - “Dou para que dês”. (N. do T.)


28/10/2015


II


O “EU SOU"

ESQUEMA DO SER

 

 


Caminhemos juntos à procura de Deus. Não, certamente, do Deus absoluto, para nós superconcebível na Sua substância, para nós não suscetível de definição, do Deus transcendente, que “é”, além de toda a Sua expressão. 

Para nós, humanos, Ele é hoje o inacessível, o incognoscível, que a nossa mente não pode alcançar além da Sua suprema afirmação no todo em que Ele nos aparece a qual nos diz: 

"Eu sou".
 

Caminhemos ao invés, à procura do Deus para nós concebível, porque imanente, expresso na forma, que nos é acessível porque sensoriamente vestido de uma expressão em nosso contingente. Eis um humilde arbusto solitário ao pé de uma mureta. Que significa essa vida, que pensa e deseja esse pequeno ser, que pensamento contém? 

Deixemos de lado a botânica, a química. a estrutura orgânica. Busquemos o mistério que das profundezas anima essa vida. Esta pequena planta sabe muitas coisas. Nós o deduzimos pelo fato de que ela as sabe fazer. 

Se não as sabe como consciência desperta e refletida que as conheça, conscientemente, pela razão e pela análise o fato de que ela se comporte como se as conhecesse prova que deve saber de outra maneira. 

Estranho modo ele saber inconsciente mas ele é habitual na vida! Entretanto se possuímos os efeitos de uma sabedoria, sinais evidentes que revelam a sua recôndita presença, e se essa sabedoria não se encontra no consciente do ser, é necessário procurá-la algures. 

Onde? 

Essa consciência cobre apenas o campo da sua atividade imprescindível aos fins da evolução. Se para o ser individualizado o resto do universo é um oceano de mistério, sepultado no inconsciente, só o é relativamente a ele e não em si mesmo, porque esse oceano de inconsciente é formado de seres, cada um consciente do seu pequeno trabalho, funcionando o Todo imerso em uma atmosfera de pensamento, que o guia e rege.
 

Quando, pois, cada ser nos demonstra que sabe resolver todos os problemas inerentes às suas necessidades vitais, isto significa que por ele sabe e pensa o consciente universal, que lhe transmite somente a conclusão do seu raciocínio, com um impulso, cuja análise o ser não sabe fazer, mas que lhe diz em síntese: 

"faça isto".
 

Então ele, ignorante do funcionamento do Todo, passa a ser um instrumento inconsciente do consciente universal, que funciona por ele onde ele não pode nem sabe atingir. Não se nega, com isto, que o instinto seja formado pela experimentação da vida, com a técnica dos automatismos, como já dissemos em A Grande Síntese. 

Mas não falamos aqui dessa pequena inteligência a posteriori, e sim da superior inteligência a priori, que tudo guia, inclusive a formação do instinto, imprimindo-lhe a direção necessária, de acordo com o plano geral da evolução.
 

Os impulsos fundamentais de nossa vida, tanto os do destino individual, quanto os do destino coletivo, que se desenvolve na história não constituem um produto racional e consciente, sendo insuficiente para explicar-lhes a gênese somente um instinto puro formado pelas experiências do passado, pois derivam do consciente universal, que trabalha por nós onde ignoramos.
 

Aquela pobre e ignorante plantinha sabe, pois, viver por si mesma, conhece os meios adequados para isso, proporcionados ao seu escopo e ao ambiente, sabe escolhê-los e coordená-los. Ela quer viver. Ela quer crescer e sabe crescer. Ela quer reproduzir-se e sabe como fazê-lo. 

E, assim, cuidando não mais de aparência sensória, mas por intuição penetrando a forma que ultrapassa essa aparência, nós vemos um pensamento sábio que está além do consciente do ser, que enfrenta e resolve problemas, que opõe uma vontade decidida contra qualquer obstáculo, transpondo-os a seu modo. 

É que dentro desse humilde ser existe uma alma, embora sem o grau espiritual que atingiu no homem; ainda que não passe de uma esmaecida manifestação que o consciente universal ou alma do Todo estendendo à periferia da sua manifestação, individualização particular, diante do Todo, imersa no inconsciente.
 

Esta forma é um transformismo contínuo. Efetivamente, não a encontraremos jamais idêntica a si mesma e periodicamente a vemos morrer e reproduzir-se e, assim, através da morte e do renascimento, por meio de uma renovação contínua, sobreviver sempre. 

Se a forma não pode assim existir senão continuamente renovando-se, deve então haver atrás dela o imutável, um outro seu aspecto, que permanece constante, aquele sem o qual não se explica e não rege a vida perene de um dado objetivo, caminhando através da incessante mutação de sua existência. 

E qual pode ser esse outro aspecto do dualismo, inverso e complementar, como o é o imóvel diante do móvel, qual pode ser ele diante da forma material, senão a sua imaterial ideia animadora, senão o pensamento que sabe tantas coisas e que, imutável, se exprime revestindo-se de forma mutável?
 

Penetremos ainda mais profundamente no íntimo dessa pequena planta.
 

Então veremos que o seu ponto central como o de todos os seres, aquele para o qual tudo converge em síntese para depois se irradiar analiticamente, o ponto pelo qual passa e se manifesta o saber do consciente universal, a vontade de vir, que permanece constante no transformismo, é o eu . 

O próprio homem sabe que, tendo sido ontem criança, sendo hoje adulto e amanhã velho, tudo muda nele e em seu derredor e que a única coisa que nele jamais muda é a existência desse centro pelo qual ele se chama e se sente sempre "eu". Enquanto no ser tudo nasce e morre, somente esse eu não morre jamais. 

O fato de que ele permanece através de tão grandes transformações, como são as que de um lactante, fazem um homem e depois um velho, faz com que, intuitivamente, sinta a lógica de uma idêntica continuação da vida do "eu", também através desta outra mutação que é a morte do corpo, que em toda a sua vida jamais foi idêntico a si mesmo e não fez mais do que continuamente morrer e renascer. Por que, pois, só essa outra transformação deveria ter a força de destruir esse "eu" que se revelou tão invulnerável a toda mutação exterior?
 

Se toda forma pode existir sem desfazer-se no contínuo transformismo que a constitui, resistindo compacta ao turbilhão das suas mutações, é porque no íntimo de todo ser existe esse "eu", centro firme na tempestade transformista. Todo ser existe no tempo enquanto disser: 

"eu". 

Di-lo o átomo, a molécula, a célula, o mineral, a planta, o animal, o homem, a família, o Estado, a humanidade, a Terra, o sistema solar, os sistemas galáticos, o cosmo. 

No universo, tudo está sujeito a essa necessidade de individualização. Ele é composto de seres diversamente diferenciados, mas todos dizem igualmente: 

"eu". 

De um polo ao outro do ser tudo é construído segundo esse princípio, que é lei fundamental 

E assim que toda força no universo é individualizada, segundo suas qualidades particulares, o que explica a instintiva tendência dos povos primitivos para personificar as forças da natureza, atribuindo-lhes características humanas. É também sob este aspecto que podemos ver as forças do mal personificadas em Satanás e seus demônios [3], que, de resto, nós realmente vemos existir em nosso mundo, nas manifestações dos seres maus. 

Esta característica de individualização, que em qualquer forma é sempre indispensável à existência de um ser, o princípio comum a todos, a ideia-mãe do universo, o esquema fundamental do sistema. 

Este princípio universal do "eu", centro de todo o ser, é a única coisa que pode manter-lhe a constante identidade em uma forma que, de outra maneira, não poderia encontrar-se a si mesma e se perderia no seu contínuo transformismo.
 

É este seu íntimo eu que define toda a forma nas suas características particulares, forma pela qual ele concretamente realiza a sua expressão. Se todas as formas são diferentes, é porque os “eu” são diferentes, embora conservando cada qual na sua diversidade a característica universal comum de ser um "eu". Tornamos a encontrar aqui o conceito já desenvolvido nos volumes precedentes, do princípio central único que no universo se pulveriza no particular periférico das formas, sua manifestação. Mas permanece o esquema único da constituição do universo por individualizações.
 

Assim se explica como cada ser assume uma forma típica, definida, com os seus limites de desenvolvimento no tempo e no espaço Se tudo isto já não estivesse estabelecido no esquema e não fosse conhecido, ainda que não seja por um processo consciente, pelo “eu" profundo que sabe, quer e permanece idêntico através de contínua mutação de forma, não haveria nenhuma garantia de ordem funcional e de regular desenvolvimento. Assim tudo é típico. 

O universo é um edifício composto de infinitos "eu", que, de um "Eu" central do Todo, se pulveriza hierarquicamente descendo para "eu'' sempre menores. Isto desde o infinito galáctico ao nuclear, um "eu" astronômico, geológico, físico, químico, espiritual, humano, animal, vegetal, sempre este "eu" é uma sabedoria e uma vontade constante, inteligentemente dirigida para um dado fim. que irresistivelmente tende à sua exteriorização. 

Todos esses “eu” se reagrupam por unidades coletivas, dos menores aos maiores, alcançando, das mínimas unidades atômico-nucleares às máximas organizações galáticas, do simples psiquismo orientador das moléculas dos cristais ao do homem e do gênio. Todos esses “eu” mantém um sistema orgânico que é próprio a cada um, evolvendo e funcionando sempre em cooperação com todos os outros “eu”. 

Esse principio, pois, não apenas conhece, quer, permanece constante, sabe reger o funcionamento individual, como também sabe guiar-lhes a evolução e coordená-los com o funcionamento de todos os outros "eu”.
 

Tudo isto nos mostra que o universo é um Todo que ainda quando pulverizado em infinitas formas ou expressões de um mesmo princípio central único, permanece organicamente compacto, porque ele é construído segundo um esquema único, consoante um idêntico modelo que se repete ao infinito em cada unidade menor, em que a maior se ramifica e se diferencia até à extrema pulverização. 

O que toma compacto o universo é ser ele um “eu”, é o mesmo princípio unitário que mantém compacta toda forma que, à semelhança da máxima, é uma unidade coletiva resultante da coordenação orgânica de unidades "eu" menores. Assim tudo permanece unido porque coligado por uma contínua atração de parte a parte, por uma confraternização dos "eu" menores nas unidades maiores.
 

A observação da estrutura das formas no plano de nosso contingente nos levou à verificação desse princípio universal inserto em cada forma, o do "eu sou".
 

Agora é a observação da estrutura de nosso particular que nos indica a estrutura do universal. Assim como cada individualização particular do ser não pode existir senão enquanto diz: 

"eu sou", isto é, em função dele e como sua manifestação, assim também a individualização máxima do ser, isto é, o universo, não pode existir senão enquanto diz "eu sou'', ou seja, em função deste e como sua manifestação. Isto à semelhança do que constatamos em todo ser, inclusive o homem, fato que cada um pode observar em si mesmo. 

E, se o "eu sou" de cada individualização é o seu íntimo princípio animador, se o "eu sou" do homem é a sua alma, que poderá ser o "eu sou" do universo, o princípio animador da forma máxima, senão Deus?
 

Assim se nos tornam compreensíveis as relações entre Deus e o Universo, pois que nós podemos observá-las refletidas em nós mesmos. Deus é o "Eu sou" do universo. Este, no seu aspecto dinâmico e físico, é a forma pela qual Deus exprime o pensamento e como que um Seu corpo, de modo que de Deus nós possamos na forma também, ver igualmente um semblante que pode espelhar na fisionomia e expressão o seu íntimo pensamento animador. 

Assim como nós procuramos num rosto humano uma alma, assim como em toda forma procuramos o princípio inteligente que nela se exprime, assim também podemos ver na criação a fisionomia de Deus. 

E quanto mais a nossa vista se torna penetrante pela intuição, tanto mais cada forma se fará transparente e lhe revelará sua íntima substância espiritual. Torna-se cada vez mais patente, então, que o criado é a expressão de um seu íntimo pensamento nele imanente, no qual a transcendência de Deus desceu e permanece sempre presente. 

Se, como transcendente, Deus permanece na Sua essência como um "Eu sou", incognoscível para o homem, como imanente, Deus, com a criação, transferindo-se em nosso relativo, através da forma que assumiu para os nossos sentidos, fica acessível ao conhecimento humano. 

E em que consiste a progressiva indagação da ciência, que avança de descoberta em descoberta, senão em contínuas e crescentes sondagens na profundeza do pensamento divino? 

Este está escrito no funcionamento orgânico do universo, e quem o indagar procura ler no livro em que estão escritas as leis ao ser e busca compreender a idéia diretriz, a alma do Todo. 

O místico por sua vez, é um sensitivo que, ainda quando não se dê conta consciente e racionalmente, se move atrás da mesma indagação por vias mais diretas, porfiando, através das suas visões e sensações místicas, alcançar a mesma compreensão do pensamento de Deus.
 

Se nós, certamente, não podemos atingir o conhecimento de Deus transcendente absoluto, podemos aproximar-nos muito de Deus imanente, vivo e presente nas formas que O exprimem isto é justamente em virtude desse esquema unitário do "eu sou” segundo o qual é construído à imagem e semelhança do caso máximo, analogicamente, todo o universo até aos casos infinitesimais. 

Podemos imaginar o nosso universo atual como um Todo-Uno que, qual um espelho, se tenha fragmentado em miríades de partículas. Cada uma destas, embora em fragmento com respeito ao Todo, conserva-lhe em particular as qualidades, de modo a poder nos traduzir e mostrar a natureza do Todo, não obstante o fragmento tenha perdido a unidade global com a fragmentação. 

Desta forma cada parte reproduz o universal esquema do ser, isto é, cada criatura repete reduzidamente o divino princípio unitário, alma do Todo. Em outros termos, cada "eu", com a sua forma, é um caso menor, que repete em miniatura o motivo cósmico, no-lo narra, no-lo explica. Sendo em si um pequeno universo, fala-nos do universo máximo.
 

Ignoramos se tudo isto corresponde aos princípios mais aceitos em teologia, filosofia, psicologia etc. Sabemos, apenas, que cada ser fala verdadeiramente de Deus e que, segundo esta realidade é construído o universo.

 
[3] - O vocábulo Satanás (diabo, Lúcifer, demônio, Belzebu) é de origem hebraica e significa adversário. As referências a ele, no Velho e no Novo Testamento, embora poucas, são claras e objetivas Dentre outras, podemos indicar as seguintes:
 

Jó 1:6; Zacarias 3:1; Isaias 14:12 e segs; Mt 4:1-11; Mt 12:26; Lc 4:1-13; Lc 10:18; Mc 1:13; II Co 2:11; II Co 11: 14; Ap 12:9; Ap 20:2; Ap 2:9.

Jesus Cristo e seus discípulos falam dele como um ser real. uma entidade espiritual, um autêntico anjo caído ("Eu via Satanás caindo do céu como um raio"). Não se trata, portanto, de uma alegoria, de um mero símbolo do mal, mas de uma força maligna individualizada.
 

Em face da evidência salientada em diversas passagens da Escritura e, principalmente, do
Evangelho, temos de admitir hoje a existência de Satanás como um ser vivo e atuante, também criatura de Deus, presentemente como representação do mal, em oposição transitória a Cristo - representação suprema do Bem. (N. do T.)

 

27/10/2015


I


COMO FALA A VIDA

 


Escutemos a história de um homem que ouvia vozes de todos os seres e com eles conversava.
 

Um dia, o vento enfurecia. E esse homem lhe falou:  

"Cala-te, não vês que danificas a vida? 

Arrancas as árvores, matas os animais, ameaças as pessoas. modera a tua corrida! 

Ninguém te impede de andar e, com um pouco de calma, chegarás da mesma forma ao teu objetivo, sem causar danos. 


Na Terra, não existis somente tu e os demais elementos. Há, também, a vida das plantas, dos animais, dos homens. Há lugar para todos, tanto para ti como para eles, porque todos devem viver”.
 

Ah! O vento não podia ouvir a voz nem compreender os conceitos, não sabia responder. Entretanto, o vento não é coisa morta. É energia, movimento, tem um corpo físico, embora gasoso, é vida. 

Há, na profundeza de todas as coisas, um oculto pensamento que elas ignoram e que lhes guia a existência, até nas formas mais simples das combinações químicas e movimentos atômicos. 

À medida que o ser sobe na escala da evolução, vai tomando pouco a pouco consciência desse pensamento. Àquele homem sabia ouvir interiormente a voz desse pensamento, que, através do vento, como se ele falasse, lhe respondeu:
 

- É fatal que eu assim aja, porque fui feito assim e porque fatal é a força que me impele e arrasta. Sou a expressão que veste essa força e outra coisa não faço, senão exprimi-la porque ela é todo o meu eu. 

Quando ela quer e diminui o impulso, também eu paro, tornando-me carinhosa aragem para as plantas, os animais, os homens, para tudo o que chamas vida e que desconheço. Sou surdo e cego no plano em que falas. Não sei o que seja sentir. 

Para mim somente o movimento é vida. Quando me falas das experiências desses seres, não sei o que estás dizendo. Não compreendo o mal que tu lamentas que eu faça, como seja arrancar e matar.
 

O homem replicou:
 

- "Mas, por que não compreender?"
 

E a voz da vida respondeu:
 

- "O fato de não compreender é alguma coisa de que tens conhecimento para que fales dela, mas de que eu não tenho, pelo menos para as coisas que dizes. Só conheço o que diz respeito à minha existência; somente a ela e não às outras. 

E como aparentas compreender mais que eu, não entendes que não posso conhecer mais que a mim mesmo? Também tu, conquanto mais adiantado do que eu, não podes conhecer mais do que a ti mesmo.
 

"Vê bem: só tenho uma alma elementar, mecânica, sem direito de escolha, sem responsabilidade e sem outras coisas a que dás nomes que ignoro. Sou apenas um cálculo de forças uma fórmula dinâmica, uma férrea concatenação de causa e efeito, como dirias. 

Cabe a ti, que tens o que não tenho - a inteligência - como a denominas, estudar a minha realidade, que podes penetrar em sua estrutura e significado, coisas minhas que certamente existem e das quais eu nada sei, mas a que obedeço naturalmente. Ignoro quem o saiba por mim. 


Apenas obedeço. À ti cabe estudar e compreender-me, porque te sou inferior, não me cabendo penetrar-te, porque me és superior. 

E para evitar o que chamas de males, ignoro o que dizes que eu faço, para salvar deles os seres de que me falas, compete a ti e a eles, que me sois superiores, aprenderdes a defender-vos, não só porque sabeis mais que eu, senão também porque interessa à vossa existência e não à minha usar os meios necessários de cautela. Cada um deve aprendei a sua lição, vivendo. 

Eu, a minha; vós, a vossa. E já que tendes a disposição mais recursos do que eu, deveis aprender coisas mais complexas e difíceis. 

Pareço estar na ociosidade? Se me agito sempre, é porque também tenho o meu trabalho a fazer e as forças, que são a minha alma, devem resolver problemas e aprender soluções, transformações e equilíbrios que ignorais e que têm a sua função na harmonia do Todo em que estais e de que tenho necessidade. 

Tenho a minha função, que cumpro, na ordem das coisas. Não me podeis pedir mais”.
 

Em seguida, o vento retomou a sua corrida, que era a sua expressão de vida, e, sibilando, se elevou aos espaços.
 

O homem voltou-se então para uma planta que, cheia de folhas e de espinhos, havia invadido todo o espaço livre ao sol, sufocando as plantas vizinhas, e lhe disse:
 

"Por que és assim egoísta e malvada, prejudicando os teus semelhantes vizinhos, para que tu sozinha possas viver?" "Malvada, egoísta?" - respondeu a planta e continuou:
 

Que significam estas palavras? 

E natural que eu cuide apenas da minha vida, da mesma forma que os outros só cuidam da sua. 

Não tenho que viver? 

Possuo o mesmo direito que os outros. Por que deveria preocupar-me com eles, se não se preocupam comigo? 

Por que evitar sufocá-los, se eles estão sempre prontos a fazer isso contra mim, em seu proveito? 

Se possuo os meus acúleos, é porque por mim mesma aprendi a formá-los, a fim de que os animais não me comam e mãos como as tuas não me arranquem da terra. 

Como poderia agir de outra forma para defender-me e para fazer-vos compreender o meu direito de viver, senão através do vosso dano, único ao qual sois sensível? Se quiser viver, esta defesa é necessária. 

Por minha conta tive de aprender que não me resta outro modo de viver. Tudo isto foi o que a vida, com a sua dura escola, me constrange a aprender e tu sabes que todo ser deve aprender a sua lição.
 

O homem acrescentou: "Mas, por que não procuras compreender, além da tua vida, também a vida dos teus semelhantes, para que haja lugar para todos e todos possam viver?"
 

E a voz da vida, respondeu: "Mas, compreenderão porventura, os outros a minha? Somos inimigos, rivais. O lugar ao sol existe para os vencedores. A vida certamente se defende, mas através do meu trabalho, pois devo aprender a vencer por mim mesma. Essa é a lição que a vida me impõe. 

Não existem em meu mundo o que chamas piedade e bondade. Há somente a férrea justiça do mais forte. Este é o melhor entre os de seu nível, sendo justo que ele vença. Se me transportares para um ambiente protegido, então eu me domesticarei e perderei os espinhos. 

Mas, assim civilizada, eu me enfraqueço e, se me abandonares, morrerei. Desta forma, vês que a minha rudeza é necessária e obrigatória, pelo menos enquanto eu estiver entregue a mim mesma. 

Cabe a ti, que te encontras em nível superior e possuís meios para melhor compreensão, e não a mim, fazer com que existam no mundo piedade e bondade. Executo honestamente a minha parte de trabalho no organismo universal, produzindo a síntese química da vida do mundo inorgânico. 

O resto exorbita ao meu labor. Cumpro assim a minha função na ordem das coisas, evidentemente no meu nível. 

Não me podes pedir mais. O homem se voltou, então, para um animal que avidamente espreitava a presa, dizendo-lhe:
 

- “Por que este assalto contínuo? Vós, animais, sois superiores às plantas, tendes liberdade para correr e voar, possuís olhos e ouvidos, tato e olfato, muitos sentidos e possibilidades desconhecidas pelas plantas. Por que permaneceis sob a lei feroz desta, que vos é tão inferior?"
 

E a voz da vida replicou:
 

- "Se nós somos superiores à planta, e mais coisas podemos perceber, não temos, porém, liberdade para agir. 

A nossa vida acumula experiências sensórias, mas não temos, como tens, as que chamas de experiências morais e espirituais. Não somos livres para escolher, devendo seguir fatalmente a lei que nos impele sempre nesse caminho, fazendo-nos agir assim. 

Nós nos alimentamos, procriamos, vivemos quase mecanicamente, como quer uma lei que desconhecemos. Esta é toda a nossa vida e outra não conhecemos. Que pretendes acrescentar? 

Esta é a nossa experimentação, é a lição que devemos aprender. Dessa forma, tudo vai bem para nós. Estando em plano mais elevado, podes viver assim. Se nos levares para vivermos contigo, poderás modificar-nos, domesticando-nos. 

Todavia, permanecerás sempre distante, porque não podemos seguir-te". Em seguida, o animal fugiu em perseguição da presa, seguindo cegamente o seu instinto. O homem voltou-se, então, para um seu semelhante e lhe disse:
 

- "Eis finalmente um igual a mim. Resumes todos os seres com que tenho falado até agora. Tens as férreas leis físicas do vento, a sabedoria vegetativa da planta, os sentidos e o instinto do animal, além de uma qualidade nova - a tua liberdade de escolha, o mundo moral com as suas consequências. Tu, que dispões de tudo, por que não és perfeito, por que caís em culpa?"
 

O homem respondeu - "Caio, porque não sou perfeito. Se peco, é exatamente porque possuo uma qualidade nova. Sou livre, tenho responsabilidade e o direito de escolher".
 

O animal é mecanicamente sincero na sua ferocidade e não peca, pois que não dispõe de liberdade; não compreende e não pode escolher. A sua visão não se eleva acima de sua Lei, simples, quase mecânica. 

Eu a domino porque vejo de mais alto, mas ele está encerrado nela. Menos sujeito a errar, é um autômato movido por uma mais profunda sabedoria, que não é sua, mas que tudo sabe. Devo aprender a manejar uma potência diversa, diretora, o que implica lutas que o animal ignora. 

Devo viver a Lei de Deus, não como cego instrumento constrangido por impulsos íntimos, através dos quais a Lei se faz presente, mas devo vivê-la por livre escolha para assim chegar a compreender a lógica e a bondade dessa Lei e, dessa maneira, tornar-me consciente dela. 

Esta é a minha experimentação e, se cada um tem a sua lição, esta e a lição que devo aprender. A Lei é única para todos, mas é diverso, segundo os planos evolutivos, o conhecimento que o ser atinge dela. 

Os elementos, a planta, os animais, aplicam-na em graus diversos, sem nada saber a seu respeito. Só o homem consegue conhecê-la, para livremente segui-la, depois de ter tomado consciência dela, um instrumento, espontâneo executor, porque compreendeu que só nessa ordem está o seu bem e a felicidade.
 

"A minha vida é dura e difícil, repleta de fadigas e esforços, de abismos que a mecânica do instinto ignora. O animal obedece cegamente, até à brutalidade, às leis da fome e do amor e não pode superá-las. 

O homem, mesmo sentindo-as prepotentes, como as sente o animal, tem pela superior natureza humana, possibilidade que ele não possui, de sobrepor-se-lhes e subjugá-las: pode completar a catarse biológica ignorada pelo animal, do herói, do gênio, do santo, do místico, que o conduz a um plano de vida ainda mais elevado, no qual as conhecidas características da animalidade são subjugadas e, vencidas. 

Se no homem ainda sobrevive a besta, já existe em germe o anjo. O homem sofre e luta justamente para desenvolver em si esse germe e tornar-se anjo. 

Essa é a fase evolutiva que me compete viver. Se, por isso, eu posso criar muito mais do que o animal, porque sou livre também sofrendo posso aprender muito mais do que ele, através de lições que de modo nenhum ele pode conhecer. 

Enquanto a sabedoria do animal consiste em aguçar os sentidos e as possibilidades físicas, e nisto está toda a expressão de sua vida, eu aguço os sentidos, os meios morais e espirituais, cuidando cada vez mais destes últimos. 

Quando o animal tiver conseguido ver e ouvir de mais longe, a farejar com maior delicadeza, para assim vencer com meios cada vez mal perfeitos a luta pela vida, terá assim aprendido completamente a lição. 

Eu terei aprendido a minha somente quando tiver conseguido ver e ouvir com maior bondade e justiça para todos, para vencer a luta pela vida, não destruindo o meu semelhante, mas com ele me coordenando e colaborando na ordem divina".
 

Então o homem que ouvia a voz da vida dirigiu-se a um anjo e lhe disse; "Ó tu bem-aventurado que vives nos céus, distante do inferno terrestre e que progrediste muito mais do que nós, por que não nos ajudas? 

O animal se equilibra em sua ignorância, guiado apenas pelo instinto, parecendo estático. Mas o homem, quanto mais sobe, tanto mais adquire consciência da Lei, para melhor ver que longa estrada ainda tem a palmilhar e quanto está atrasado no caminho para a meta final!".
 

E o anjo explicou; "Eu estou mais avançado do que tu, mas ainda muito distante da perfeição infinita de Deus. E pareço bem-aventurado e o sou de fato relativamente ao que representa a vida na Terra. 

Pareço-te bem-aventurado, despreocupado de fadigas e lutas, mas também nós as temos e grandes, embora elas só visem ao bem. Justamente porque compreendo mais do que tu, meus deveres são maiores do que os teus. 

A fatal transformação em que consiste a existência, para nós mais vizinhos de Deus, se torna uma ascensão rápida. Vivemos mais diretamente atingidos pelos raios divinos do Amor, não podendo viver senão para os outros.
 

Poderemos ser felizes, mas vimos colher na Terra as vossas dores que tornamos nossas  para o vosso bem, só porque assim podemos melhor sentir Deus. A nossa não é uma beatitude ociosa. Esta é a nossa experiência e, se cada qual deve ter a sua lição, esta é a lição que devemos aprender. 

Quanto mais subimos, tanto mais nos tornamos fortes operários, porque nos transformamos em mais poderosos instrumentos de Deus na realização do Seu plano no universo. 

O paraíso seria um inferno se abrigasse alegrias egoístas como as vossas. Sem um trabalho permanente, perderemos as nossas qualidades e volveremos a formas inferiores de vida. Aqui fervilha o trabalho do bem, como embaixo se agita o do mal. Aqui se respira Amor, como embaixo se respira ódio.
 

E nós somos os canais do Amor, que recebemos de Deus, para fazê-lo descer até vós. Ele dirige a grande harmonia da vida, a imensa sinfonia do universo, da qual nós somos as notas mais altas e vos as mais baixas".
 

Então, o homem voltou-se para Deus e Lhe falou: "Senhor, agradeço-te me haveres dado, pelo Teu Amor, o supremo dom de existir. Tu me fizeste um "eu sou", à Tua imagem e semelhança, no seio do Teu infinito "Eu Sou". 

Assim, eu existo em Ti, assim eu canto uma nota na grande orquestra do Teu Universo, sou um operário, embora ínfimo da Tua obra uma célula, ainda que diminuta, do Teu grande organismo".
 

Enquanto assim orava, o homem volvia o olhar para todas as formas do ser e via as criaturas irmãs, hierarquicamente dispostas de acordo com os graus de evolução, cada qual em seu lugar no grande edifício da criação, cada uma com a sua função na ordem universal, cada elemento útil no grande organismo do Todo.
 

E a cada uma, segundo a respectiva posição, a voz da vida lhe havia falado, conforme à lei dominante no plano em que cada ser se coloca, revelando limites e deveres proporcionais. 

Mas contra a fatalidade de permanecer encerrado, o esforço próprio, de trabalho e dor, abre as portas, podendo o ser subir cada vez mais para a suprema glória do divino. Esta é a grande experimentação de toda vida, esta é a lição que cada qual deve aprender: 

O divino freme nas profundezas de todo ser. 

O espírito adormecido deve despertar para chegar até Deus. Em todos os níveis, tanto baixos quanto elevados, se revela o animador e íntimo pensamento de Deus.
 

Então o homem sentiu que havia compreendido o universo e abriu os braços a todos os seres, cuja voz ouvia e disse: 

"Aperto-vos todos no Amor de Deus. Fundidos todos no mesmo amplexo, subi comigo, subamos unidos para Ele. 

Vós de cima, prodigalizando amor; nós, inclinando-nos para os inferiores e ensinando-os a subir. E os inferiores aceitando o dom de sacrifício e amor dos superiores, que procuram ajudá-los a conquistar com justiça a própria felicidade.
 

Só assim unidos em um amplexo, nós, criaturas dispersas no infinito pulverizado da forma, poderemos encontrar-nos e, refundidos em um só organismo, poderemos, através do amor, reconstituir-nos no Uno-DEUS.

24/10/2015




DEUS 
E
UNIVERSO

 
Autor: 
Pietro Ubaldi 



PREFÁCIO

Numa grande reviravolta da minha vida e da vida do mundo, nasceu este livro, subitamente, como uma explosão. 

Foi escrito em vinte noites, pouco antes da Páscoa de 1951, aproveitando-me de uma bronquite que me forçava ao repouso, furtando-me ao trabalho diurno normal, necessário para a manutenção de minha família. 

Escrevi-o sob intensa febre, que facilitava a elevação do potencial nervoso, na solidão gelada de Gubbio. Como aqui está registrada, a visão me apareceu, em vinte etapas ou capítulos, nos imensos silêncios daquelas longas noites hibernais.
 
Qual explosão de pensamento e de paixão, este livro não poderia revelar-se a não ser à aproximação da Semana da Páscoa, após um longo e íntimo tormento preparatório. 

Sob a exposição fria e racional, que pretendeu, sobretudo, ser fiel às visões, oculta-se e arde essa paixão, a ânsia do inexplorado, o terror de debruçar-se sozinho sobre os abismos dos maiores mistérios, a imensa festa da alma pelo conhecimento obtido. 

No esforço aqui despendido para galgar os últimos cimos, como coroamento da obra, há como que uma vertiginosa desesperação da alma, que se sente perdida e desfeita diante do lampejo de uma concepção que não é sua, que dardeja sobre ela, ofuscando-a e arrebatando-a para os vértices do pensamento, onde tudo se faz uno, e para os vértices das sensações, onde alegria e dor se unificam num imenso espasmo de êxtase.
 
Este livro, que não é meu, apareceu assim como um relâmpago, para trazer a solução dos problemas últimos, em meio a uma humanidade descontrolada, delirante com os sofismas e os requintes da decadência, neste momento em que a História está procedendo à liquidação da velha civilização europeia. 

A hora é apocalíptica, porque é a hora da justiça quando todas as almas e os valores da humanidade devem ser joeirados, de uma forma implacável, a fim de que tudo o que não seja vital se incinere. 

Estamos asfixiados por montanhas de falsidades e a vida se rebela por que está faminta de verdade. 

E a verdade deve ser dita a qualquer custo, pois que o mundo em breve será sacudido pelos alicerces Ela deve ser dita antecipadamente, de uma forma clara, simples e una. Urge lançar a semente da ideia que deverá reger o novo mundo do terceiro milênio, aquele que ressurgirá da destruição do atual.
 
Este é o décimo volume desta Obra, que agora, depois de haver superado infinitos obstáculos, transborda pelo mundo e, de puro sistema de conceitos, está se transformando em vida. 

O milagre, predito com exatidão, ainda que proibido, torna-se realidade: 

o milagre consiste em que um homem sozinho, pobre, cruciado de dores, voltado à renúncia e esmagado sob o peso de um árduo trabalho, consiga sobrepujar tudo isso e lançar uma ideia ao mundo. 

É que, em geral, onde existe o que, humanamente, por inexplicável, se chama milagre, está Deus e, onde Deus está é possível se chegar até aos fundamentos. 

Há quarenta anos luto com esta certeza e os fatos de cada dia mais a confirmam. Em breve surgirão os volumes undécimo e duodécimo; - aqui já estão lançadas as suas bases. 

Desta maneira, uma obra completar-se-á pelo trabalho penoso e íntimo de um homem, a fim de que o mundo possa afinal, enxergar claro todos os problemas e, assim ser levado, unicamente pela via da razão e do utilitarismo, a uma vida mais honesta e justa e a fim de que a fé seja demonstrada, fazendo-se a paz entre ideias e homens.
 
Quis, por isso, interrogar, por meio de recente contato direto, os povos mais jovens das Américas; encontrei-os preparados para compreender melhor as nossas ideias do futuro do que a velha Europa. 

E, graças a isso, agora tampouco devemos preocupar-nos se a difusão destas ideias se faz aqui com mais lentidão e se as edições em italiano se vão tornando cada vez mais lentas, em face das dificuldades sempre crescentes do ambiente. 

Essas dificuldades locais não mais conseguirão conter a divulgação da Obra que se desenvolve no mundo. O importante é que tudo seja logo escrito e publicado, não importa onde. Outras gerações, depois, após outras provas, virão e compreenderão.
 
Na sua última missiva, na primavera de 1951, Albert Einstein assim me escrevia de Princeton. N. J., a propósito do oitavo volume da Obra Problemas do Futuro – que
mais dizia respeito a sua especialidade: 

I have studied part of your book and have admired the force of the language and the vast extension of your interest...” 

(“Estudei parte do seu livro e admirei a força de expressão e a vasta extensão de seus objetivos....”). 

Mas o presente volume está construído em outro terreno, a que podemos chamar teológico, além da ciência atual. Por isso é mais vasto do que o primeiro livro – A Grande Síntese – que ele encerra, como um seu momento, desenvolvendo-se em um campo que a visão de A Grande Síntese encarando apenas o nosso universo atual, não podia atingir. 

Com o presente volume pode se dizer estar exaurido o ciclo dos grandes conceitos básicos, atingindo-se a solução dos máximos problemas. 

Possivelmente depois deste esforço de racionalismo cerrado, o undécimo volume, por compensação, deverá assumir característica oposta, ou seja, de vitória da vida no espírito.
 
"Através da vida tenha caminhado, caindo e levantando. Através dos meus escritos tenho caminhado por uma longa senda de fadiga e de fé. Quantas etapas superei! 

O meu pensamento desenvolveu-se através de inúmeras conceitos e a minha paixão amadureceu de tanto sofrer. Ao fim de tanta ansiedade de alma e de coração, não restará mais que uma palavra, a última de tantas que foram ditas: 

Cristo. 

Sobre esta palavra, que é a síntese suprema da conhecimento e do amor, eu me reclinarei satisfeito e feliz, para morrer. Satisfeita como quem, superando todas as ilusões. humanas, reencontrou a verdade absoluta. Feliz como quem, vencendo todas as dores humanas, reencontrou a sua suprema alegria". (Do quarto volume: Ascese Mística - 1939).
 
Aventurar-se em um terreno teológico poderá parecer excessiva audácia. Mas, eu não pude escolher o tema das visões, que apenas registrei. Ademais, era necessário resolver tudo, também os problemas últimos, a fim de que o sistema se completasse. Afinal, por que o teológico deve ser um terreno proibido? 

Por que a indagação deve se furtar aos cimos máximos e se impor eternamente o mistério? 

Por que relegar ao museu das coisas mortas certos problemos, apenas porque hoje se acredita na ciência que sabe fazer descobertas úteis e não é capaz de formular tais questões? Deveremos, então, cancelá-las de nossa mente? 

A pesquisa da verdade, feita com sinceridade, com fé e com respeito, não tem sentido de culpa. Possuímos inteligência para usá-la e esforçamo-nos honestamente para compreender, até ande for possível, tem mais valor do que a dormência passiva da crença. 

Além do mais, se o mundo e as religiões progrediram, isto se deve à paixão de conhecimento que almas sedentas e isoladas cultivaram com o próprio risco e grande tormento.
 
A este propósito, permitimo-nos citar algumas páginas de Giovanni Papini:
 
Cartas do Papa Celestino VI aos homens, páginas que ninguém taxou de heterodoxia.
 
"Por que é a divina teologia hoje tão pouco popular entre os homens? Por que a ciência suprema, a ciência de Deus é hoje ignorada, mesmo pelos não ignorantes? Por que a vemos relegada, sobretudo em nossa Igreja, às classes dos seminários e aos estudantes dos mosteiros?”
 
Que aconteceu? 

Não aflige a vossa alma a dúvida que de tão funesto desinteresse a máxima culpa vos cabe?
 
"Interrogai a vossa consciência e respondei com franqueza cristã. A responsabilidade desse abandono não é inteiramente vossa, mas é, antes de mais nada, vossa. As grandes coisas jamais são vencidas pelas adversárias, mas pela fraqueza e infidelidade dos seus divulgadores. 

Que uso fizestes, de muitos séculos para cá do patrimônio sobrenatural que vos foi confiada? 

Por que permitistes que outros (... ) tenham tomado o seu lugar na atenção dos pensadores?
 
“A verdade, dolorosa verdade, é que a vida ardente e criadora do pensamento se afastou de vós. Depois de S. Tomás (...) não fostes capazes de construir uma nova e poderosa síntese teológica (...)”.
 
"De há muito tempo não aparece entre vós um gênio que saiba, como os grandes escolásticos, conduzir à meta única por novos caminhos. Não soubestes acrescentar uma nova prova da existência de Deus, depois das apresentadas por S. Anselmo e S. Tomás.
 
Não soubestes oferecer uma ideia mais profunda da redenção depois de Duns Scott e não soubestes verter o vinho eterno da verdade em odres ardentes, em cálices de cristal mais puro.
 
"A Escolástica decaiu pelos excessos de sutilezas verbais e pelo pedantismo sofistico dos occamistas [1]. Vós a depositastes decomposta no féretro lúgubre da repetição.
 
Há séculos vós, teólogos, não sois mais que compiladores de sinopses, manipuladores de manuais, registradores de lugares-comuns; não sois mais do que entediantes comentadores, glosadores, exumadores, postiladores, ruminadores de antigos textos venerados (. . .). 

Não vos haveis de que os alimentos requentados em demasia despertam aversão aos mais gulosos, e de que as comidas e remexidas nas velhas panelas de barro e com os mesmos condimentos, acabam saturando os mais pacientes paladares? 

Cada século possui a sua linguagem, os seus apetites, os seus sonhos, os seus problemas. Vós parastes o relógio da História no século XlV e continuais a servir uma sempiterna sopa aos dóceis candidatos ao sacerdócio, sem dar atenção aos cristãos que estão fora das portas claustrais e que já agora estão habituados a acepipes mais apetitosos e saborosos (. . .). 

Essa inapetência obstinada, que já dura alguns séculos, será devida somente ao gosto pervertido e gasto de dos leitores modernos ou, também, se não mais, à vossa fastidiosa mediocridade de capciosos repetidores? Se entre vós existisse uma estrela de primeira grandeza, bem elevada sobre o horizonte, todos a veriam e a procurariam. Mas não passais de círios mortiços que a grande custo iluminam as trevas dos oratórios. 

Os antigos e majestosos "in fólios" dos teólogos dormem um poeirento sono entre almofadas de pergaminho e pele, nas estantes carcomidas das bibliotecas, onde de raro em raro os leigos vão despertá-los. As obras dos teólogos modernos são prontuários para uso interno dos clérigos, ou áridos tratados (. . .).
 
"Mas pode a ciência de Deus, se quer reconquistar o afeto dos desatentos e dos desviados, permanecer sempre sobre as fundamentos e nas portinholas do século XIII?
 
Não poderá também a teologia, como todas as ciências, apresentar avanços e progressos?
 
O próprio S. Tomás de Aquino não pareceu revolucionário em seu tempo, a ponto de suscitar oposições e provocar condenações?(....).
 
"Existem, ainda, nas Escrituras, revelações maravilhosas que se poderiam mais amorosamente desvelar (. . .). Não é verdade que tudo tenha sido dito e que tenhamos de ser porta-vozes dos mortas. 

Cada século avança no caminho do espírito e possivelmente se verá, no futuro, uma teologia de fulgor tão brilhante (. . .) que, a por nós herdada, não obstante a sua admirável arquitetura, parecerá, aos venturosos cristãos da futuro, pouco mais que um esboço, isto é, julgá-la-ão como os titãs da escolástica julgaram as primeiros sistemas doutrinários dos Pais da Igreja. 

gênero humano e o povo cristão foram educadas por graduações e por isso quem ousará estabelecer confins de tempo aos designos divinos e aos esforços humanos? 

Espero com fé uma outra idade de ouro da nossa ciência:  

novas iluminações de santos, novas intuições de poetas, novas interpretações de doutores farão a teologia, como em tempos de antanho a dominadora dos espíritos superiores (. . . ).
 
"Mas, é necessário que vos afasteis, teólogos, das batidas estradas da repetição, da mecanicidade silogística, do pedantismo verbalistíco e formalístíco que tresanda demasiado a ranço, e mofo às narinas modernas ( . . .).
 
"Saí algumas vezes ao ar livre (. . . .), não desdenheis de aprender alguma coisa com os não-teólogos (. . . .). Hoje que estais bocejando no mar morto da indiferença e da monotonia, exorto-vos a ousar (. . ..). Nas palavras da revelação podem-se encontrar novos sentidos, possivelmente mais profundos do que os que já se encontraram; aos dogmas, a esses dogmas pode-se chegar por novas vias, anda mais firmes do que as das velhas estradas.
(. . .) dos homens de estudo e de engenho dependem sempre, em última instância, as opiniões e os pendores das multidões. Se conseguirdes reconquistar as aristocracias do espírita, vereis, logo depois, que os povos as seguirão" (. . . .).

"Bastaria uma inspiração audaz e feliz para fazer convergir de todas os lados os sequiosos. 

Muitos têm sede hoje (. . .)”.

                                                                    * * *
[1] -  Seguidores de Guilherme de Occam filósofo inglês e franciscano de Oxford, para quem o saber verdadeiro é o sensível (empirismo). O occanismo teve êxito nos séculos XIV e XV declinando, em seguida e descambando para um formalismo lógico. Com ele termina a escolástica medieval. 
(N. do T.)

                                                                    * * *
Assim falou Papini. Transcrevemos-lhe as palavras apenas porque, ditas por ele, catolicíssima, encontram, receptividade na Itália, enquanto ditas por nós, seriam condenadas como heresia.
 

Embora este livro, por necessidades editoriais, deva vir a público primeiro em português, no Brasil, da que em italiano, na Itália foi ele, todavia, escrito na Itália, levando em consideração as diretrizes do pensamento europeu, que não são idênticas às brasileiras Levou-se, assim, em linha de conta, sobretudo a pensamento católico. 

Foram-lhe, todavia, acrescentadas algumas páginas no Brasil, para que com imparcialidade e universalidade, se colocasse também diante da pensamento espiritualista e espírita.
 

Com respeito a este último, podemos afirmar, aos que temam que este livro fuja ao seu ponto de vista estritamente ortodoxo, que ele pode constituir uma das maiores provas da reencarnação. Realmente o sistema aqui exposto admite e prova que houve uma criação única de Espíritos. 

Estes, justamente por motivo da queda (primeiro, através da fase de descida – involução – e depois, no decurso da fase de subida – evolução), devem, sempre os mesmos filhos da criação única, infindas vezes reencarnar-se na matéria, que é filha da queda, para espiritualizá-la novamente, através das provas e da dor, para que tudo retorne e reintegre em Deus.
 

Uma grande vida eterna, qual foi na origem, fragmentada na queda em inúmeras vidas e mortes sucessivas na matéria, é elemento necessário e fundamental do sistema, é a imprescindível condição do processo evolutivo.
 

O sistema é todo sustentado pela ideia reencarnacionista, que tão firme se abriga no coração dos espiritistas. Esta teoria encontra aqui, mesmo quando explicitamente nela não se fala, uma confirmação, uma prova, uma demonstração. Sem ela, cairia o sistema exposto neste volume, como cairia A Grande Síntese e também toda a obra.
 

E se o leitor encontrar aqui conceitos que não são os habitualmente repetidos, recordará que sobre o problema teológico propriamente dito a Doutrina Espírita ainda não pronunciou em definitivo, pois é uma doutrina em desenvolvimento, aberta sempre a novos aperfeiçoamentos que a amadurecem e a fazem evoluir sempre mais.

Na noite de 9 de maio de 1932 eu registrava, por via da inspiração, uma mensagem particular para Mussolini que lhe foi entregue na tarde de 5 de outubro do mesmo ano. Ele a leu e agradeceu, através de autoridades governamentais. 

Tudo está documentado, mesmo na imprensa. Eis algumas frases da mensagem: "(. . .) trata-se de ajudar o nascimento do humanidade nova, que surgirá do convulsão do mundo (. . . ).

Evita, com todas as tuas forças, qualquer guerra. Não há razão humana que passa justificar hoje uma guerra que, com os hodiernos meios de destruição, significaria uma tal catástrofe que poderia assinalar a fim da civilização europeia, através da invasão asiática e impeliria, enfim, a civilização a emigrar, depois de tremendas cataclismos, para as Américas (. . .)

Outras mensagens, depois transmitidas, diziam, entre outras coisas, o que se segue:

(. . . ) o momento histórico está maduro para grandes acontecimentos (. . .), o momento histórico chegou, porque hoje fala a dor. 

O momento histórico é grave, porque a dor falará ainda tremendamente, como jamais falou 
(. . .). 

A civilização europeia, que é civilização cristã, ameaça ruir-se (. . .). 

A presente tranquilidade, operante, é a calma que precede as grandes tempestades (. . .). 

O mundo hoje joga tudo e por tudo".

Estava-se assim em 1932, bem distante das condições mundiais que somente hoje começamos a ver claramente e que nessa ocasião foram previstas com exatidão.

Para quem tem olhos para enxergar, o plano de Deus é evidente. É vontade Sua que no ano dois mil deva surgir uma nova civilização do espírito, em que o Seu Evangelho seja vivido seriamente, a fim de que Crista não se tenha sacrificado em vão. 

E esta hora chegou, já anunciada há vinte anos pelo que foi mencionada e por outras mensagens já publicadas [2].

Pode-se atingir esta meta por duas vias: corrigir-se espontaneamente, pela mudança de psicologia, inteiramente integrada no amor evangélico, ou então continuar a trajetória iniciada, com uma guerra que poderá destruir o hemisfério norte e a sua civilização. Em qualquer caso, o plano de Deus se realiza. No primeiro, por compreensão rápida de seres inteligentes; no segundo por compreensão lenta dos seres involuídos, através da dor que sabe fazer compreender por todos.

A humanidade padece a doença do materialismo e agora caminha para a mesa cirúrgica. No ano dois mil, Deus terá completado a operação. A bomba atômica será instrumento de liquidação da civilização materialista que a produziu. 

A destruição bélica, se essa for a via que o mundo escolher, será a obra de Satanás, que terá a incumbência, assim como a traição de Judas preparou a redenção, de preparar a nova civilização do espírito. E a hora chegou, e a fim de que a humanidade, com o terceiro Milênio, entre no seu terceiro dia, aquele em que Cristo ressuscitou. 

Cristo que afirmou que reconstruiria o Templo em três dias. Assim a velha civilização materialista deve ceder lugar uma nova civilização do tipo oposto.

Desta forma, se a humanidade não for suficientemente inteligente para compreender, será a própria guerra que destruindo um pouco de tudo, lhe ensinará que ela não constitui o meio adequado para resolver os problemas. Esta será a maior descoberta do século. 

O tipo biológico condutor de exércitos, o ideal nietzscheano do homem da força, cada vez mais desacreditado hoje, já surge como um tipo falido e uma nova guerra o sepultará definitivamente no reino passado do involuído feroz. 

O novo homem de comando, assim como a classe dirigente, deverá ser cada vez menos guerreiro e cada vez mais inteligente, até à plena espiritualidade.

Neste momento histórico, nasce o presente volume, terminado na Páscoa de 1951. Logo após os dois volumes: 

Problemas do Futuro e Ascensões Humanas, completados na Páscoa de 1950. 

Estamos nos dois primeiros anos da segunda metade do nosso século, no qual se decidirá a sorte do mundo para o futuro milênio. É neste momento que A Grande Síntese é ampliada e aperfeiçoada até o terreno teológico.

                                                                        * * *

[2] - Referencia às primeiras das Grandes Mensagens (Messaggi Spirituali), volume inicial da obra completa. (N.do T.)

                                                                        * * *
E, após ter atingido nos dois volumes acima mencionados a solução de problemas parciais mais próximos a nós, aqui é oferecida a solução dos problemas máximos, de modo que se lance luz sobre tudo, já que o mundo deverá prestes seguir nova orientação e necessita, assim, de um modo absoluto de novas e completas concepções, por meio das quais possa avançar. 

Para isto é indispensável um sistema de conhecimentos que resolva e esgote todos os problemas até os fundamentos. Para que se possa ter uma orientação até à realidade da vida, é, pois necessário também resolver os problemas últimos, reservados à Teologia, hoje negligenciados como inúteis pelos espíritos adormecidos no materialismo.

Na introdução do livro Problemas do Futuro, explicamos que a terceira trilogia, da qual este volume, o décimo, constitui o segundo termo, é a trilogia da sublimação, quanto a primeira trilogia foi a da explosão e a segunda, a da assimilação. Assim após o primeiro momento de simples espontaneidade inspirativa, superado o segundo, de introversão reflexa. 

Assistimos aqui agora, ao desenvolvimento do terceiro momento em que, por meio de uma maturação cada vez maior, os motivos da primeira trilogia são retomados, desenvolvidos e potencializados em uma compreensão crescentemente profunda, elaboração pela qual eles se completam e consolidam definitivamente. 

É assim que o volume. Problemas do Futuro retoma e aperfeiçoa a parte inicial, filosófica-científica de A Grande Síntese, enquanto o volume seguinte. Ascensões Humanas retoma e aperfeiçoa o problema social, biológico e místico, desenvolvendo teses apenas acenadas em A Grande Síntese. 

Mas, a fim de que o plano do conhecimento desenvolvido em toda a Obra pudesse ser executado, urgia completar a concepção de A Grande Síntese que encara o universo em função do homem, enquadrando-a em uma concepção ainda mais vasta, que encara o universo em função de Deus. Se esse livro nos dizia como é construído a universo, era necessário explicar por que ele é assim construído a não de outro modo. 

Era indispensável contemplá-la não mais apenas em relação ao homem, mas em relação aos fins supremos da Criação impunha-se ultrapassar os confins de nosso universo para imergir no pensamento de Deus transcendente. Que está além de toda a Sua Criação, por nós contemplada. 

Era imprescindível alcançar a solução dos problemas últimos, diante da qual a mente deve conter-se saciada e assim ascender até à fonte de tudo, às causas primeiras de que tudo deriva. 

Para tocar o extremo limite do conhecimento, era forçoso subir até o plano teológico, de modo que a visão de A Grande Síntese assim fosse compreendida e colocada no seu justo lugar, na mais vasta visão de Deus e Universo. 

O primeiro livro parte da Gênese para alcançar o homem, no segundo se contempla o pensamento e a abra de Deus, mesmo antes da Gênese e se atinge a solução última do problema da ser até as confins do espaço e do tempo, onde a Criação terá atingido as suas metas.

Tudo isto confirma o caráter continuamente ascensional de toda a Obra, que agora supera as últimas etapas da sublimação. O próprio método de recepção se faz mais completo e profundo e a intuição conceptual e inspirativa torna-se visão orgânico que resolve os últimas problemas da ser nos braços de Deus. 

Mas, nestas primeiras etapas da terceira trilogia, da sublimação, quer, antes, no terreno científico, como depois, no teológico, a ascensão, assim retomada, mantém-se sempre no plano racional. 

Que forma tomará ele no terceiro volume, última desta terceira trilogia? A visão se lançará ainda freneticamente para frente, perdendo qualquer contato com a forma mental humana?
Tratar-se-á, então, não mais de sublimação racional, de intelecto, mas de sublimação mística, de um incêndio do sentimento? Será possível levar ainda mais adiante os assomos deste, surgidas nos volumes precedentes? 

Não sabemos anda se a maturação poderá alcançar novas cimos. Mas, sem ter atingido e transposto estes, como poderemos chegar ao ultimo vértice:  

- Cristo?  

Não podamos saber porque ainda não vivemos essas maturações. 

Mas, é certo que as trajetórias já estão traçadas, tanto na vida do indivíduo, como no do mundo, tudo devendo prosseguir e amadurecer. O tempo assinala, com o seu inexorável ritmo, o desenvolvimento dos destinos.

Assim, esta grande tarefa encaminha-se para o seu término. Encontramo-nos nos últimos registros sempre mais altos, sempre mais distantes do inferno terrestre.

Superando sozinho montanhas de obstáculos, consumiu-se uma vida, mas amadureceu uma alma. Martírio de um homem, mas que se enxerta no martírio do mundo, porque una é a lei para todos:  

se quisermos redimir-nos não resta senão a Cruz de Cristo. 

E hoje, queira ou não, também a humanidade nela está pregada para a sua redenção.
Cristo fez a sua parte. Agora toca-nos fazer o nossa, acima de todas as tempestades, impassível. Deus observa e aguarda. A grande força do Evangelho está no fato de que ele jamais é superado:  

pertence ao futuro e, por isso, não envelhece. Está no fato de que ele constitui um ponto de chegada e não de partida.

Frequentemente, é necessária toda uma geração para compreender um livro. A Grande Síntese só começará a ser compreendida pelo mundo depois de vinte anos. Somente uma nova geração compreenderá toda esta Obra. 

Entrementes, resta a quem a escreveu o ultimo encargo conclusivo de acompanhar sua difusão no mundo. Depois, após a longa e exaustiva jornada, o repouso em Deus. Mas, somente assim, vivendo para o bem, vale a pena viver.

Agora que a ciclo volve ao seu fim, podemos ver que tudo se desenvolveu com a calma das coisas pré-ordenadas por uma vontade superior, segundo um plano em que cada momento está no seu lugar, na sua justa posição, ainda quando se defronta com obstáculos e quedas. 

Estas três trilogias se desenvolvam, assim, segundo o ritmo de um esquema muito mais vasto: o dos três dias após os quais Cristo ressurgiu e o desenvolvimento da Sua ideia nos milênios.

A primeira trilogia, explosiva, corresponde, pois, à primeira fase do cristianismo que avança no ímpeto de fé dos mártires. (As próprias "Mensagens Espirituais", com que se inicia a Obra, surgem! Nos primeiros três anos que vão do Natal de 1931 à Páscoa de 1933, e continua com o XIX Centenário da morte de Cristo.

Depois a igreja se consolida na Terra, após três séculos da perseguições, com o ato da Constantino e o decorrente reconhecimento oficial, da mesma forma que a A Grande Síntese, logo após as Mensagens, lança os bases científicas do sistema, partindo da matéria. Tudo isso no princípio da primeira trilogia, como do primeiro milênio.

A segunda trilogia, a da reflexão e da assimilação, representa o segundo milênio, em que a ideia de Cristo é racionalmente desenvolvida pelos pensadores, assimilada em parte pelos povos, incorporada aos hábitos e instituições. Mas, Cristo ainda dorme no sepulcro.
A terceira trilogia é da sublimação e ressurreição no espírito. Cristo ressurge.

No terceiro dia o templo é reconstruído. No terceiro milênio começa a atuação do Evangelho, até agora à espera, na vida coletiva. 

Avizinha-se o pré-anunciado Reino de Deus Entramos lia fase da luz e do triunfo. Assim, no terceiro milênio, o mundo se unificará em um só rebanho sob um só pastor: 

Cristo.

Não há dúvida da que é estranha esta impensada coincidência, seguramente não preparada, pela qual este ritmo de três elementos se repete e retorna do período trienal das Mensagens (fase preparatória), para estas três trilogias da Obra; do ritmo da ressurreição no terceiro dia e reconstrução do templo, ao dos três milênios em que o Cristianismo se afirma:  

primeiro na matéria, segundo na razão, terceiro no espírito.

Dante também se fundiu neste ritmo, na Divina Comédia. 

E a terceira trilogia nasce na Páscoa da Ressurreição de 1950, ano santo, centro do século, e se orienta para Cristo.

Mas toda a Obra não passa de um anúncio e de uma preparação, porque na alvorada do terceiro milênio Cristo romperá a pedra do sepulcro e ressurgirá triunfante. 

E a humanidade ressurgirá com Ele.

Gubbio, Páscoa de 1951.