Páginas

29/09/2015


92. 

O PROBLEMA ECONÔMICO

 


Vossa ciência econômica acredita justificar-se, como se partisse de um princípio de justiça original, afirmando, com sua premissa hedonística, a presença de um tipo abstrato de homo economicus, como que se pudesse isolar, na realidade, um aspecto, como se cada fenômeno não estivesse vinculado a todos os fenômenos, na lei universal. 



Vossas ciências sociais baseiam-se facilmente em qualquer mentira piedosa. Mas, dizei a verdade:  

dizei que quase sempre o homem é realmente — não como hipótese econômica — um perfeito hedonista; 




no campo dos negócios, limita-se a aplicar sua natureza egoísta; que o do ut des não é um equilíbrio de direitos, mas um medir as forças para estrangular-se mutuamente; declarai a impotência da maioria para compreender uma aproximação, ainda que mínima, do amor evangélico; dizei que o homem é uma fera envernizada de civilização e então tereis as bases reais do fenômeno econômico. Reconhecei:  




a ciência que o estuda é a codificação do egoísmo, isto é, do instinto mais desagregador do complexo social.
 
A premissa hedonística é princípio anti-colaboracionista por excelência; é um princípio de dissolução, que o edifício econômico carrega consigo, como insanável vício de origem, reaparecendo sempre nos momentos de crise.
 
Egoísmo de capital, egoísmo de trabalho, egoísmo de produtor, egoísmo de consumidor; egoísmo individual, de classe, de nação (sistema protecionista); coalizão de egoísmos, organização de egoísmos, sempre egoísmo! 




As mercadorias, a riqueza, o trabalho, precipitam-se atraídos (no regime livre cambista) ou subjugados por essa grande força, mesmo que seja ilógica e contraste com as supremas exigências das ascensões humanas. 

No entanto, esta é a meta inderrogável, ética elevada, à qual todas as funções sociais têm de subordinar-se para o objetivo único da evolução. Ao contrário, egoísmo é luta, atrito, dispersão, germe de destruição. 

É o ponto fraco do mecanismo, um fardo enorme que tem de ser arrastado, e o torna imperfeito, ameaça-lhe a jornada, qual cego que avança entre choques e reações. Para quantas dores haveria fácil remédio, se cada um amasse o próprio semelhante como a si mesmo!
 
Se o fenômeno econômico é a expressão da lei do menor esforço, assume sempre a forma de coação. 

O equilíbrio entre oferta e procura é resultante de uma luta, o oferecimento de uma mercadoria é apenas a exigência de um preço; tudo move-se pela própria necessidade, não pela consciência das necessidades recíprocas; um sistema carregado de atritos, um equilíbrio forçado entre forças antagônicas, tensas para eliminar-se, sobrecarrega-se pelo peso do egoísmo. Não era possível deixar de chocar-se, mesmo neste campo, numa manifestação da lei universal, e não encontrar equilíbrios. 


Mas, diante do princípio do ut des, da procura e da oferta, o egoísmo caminha triunfante, seguindo a lei do menor esforço, para equilíbrios móveis, mas matematicamente exatos, que podeis calcular, mas que conservam sempre a marca da premissa original: 

o egoísmo demolidor. 

O instinto hedonista, em sua inconsciência de todos os outros valores sociais, caminha calcando todos eles, contanto que se realize a si mesmo. Força primitiva, brutal que, se em vosso nível é impulso de criação, também constitui princípio de destruição, pelo qual sofreis infinitas crises e reveses.
 
Mas a evolução, fenômeno universal, tinha que funcionar também neste campo, com a gradual eliminação do princípio hedonístico, por cerceamento, por limitações e elevações progressivas, até saber compreender os interesses de ordem geral no próprio âmbito. 

Encontramos por toda a parte o mesmo processo ascencional, pelo qual a força tende à justiça, o egoísmo ao altruísmo, a guerra à paz, o mal ao bem. Na evolução não se pode isolar um campo do outro. 



Todos os fenômenos sociais porém, devem ser concebidos e fundidos numa ética superior. O conceito hedonístico, colocado como base das ciências econômicas, é filho do agnosticismo de outros tempos, já agora superados. 

Se, num primeiro momento, o perfeito equilíbrio da balança — do ut des — é o máximo de justiça que a psicologia das permutas pode conter, nos momentos superiores o progresso impõe a introdução do fator moral no fenômeno econômico em proporção cada vez mais ampla. 

Como na evolução do egoísmo, o próprio cálculo utilitário vos levará a isso, pois nele se exprime a lei do menor esforço. Sendo a luta cheia de atritos que implicam enorme dispersão de energia, é vantagem suprimi-los.
 
Em vosso atual mundo, raramente a riqueza segue a estrada do bem; não é meio para conquistas mais altas, mas fim para gozos que premiam as aptidões mais rapaces e anti-sociais. Atenção, porém, porque essa psicologia é supremamente demolidora, mesmo no campo do utilitarismo individual (inconsciência coletiva), o oposto do colaboracionismo (consciência coletiva). 

Quando um fenômeno nasce envenenado por impulsos negativos, estes, indestrutíveis como todas as forças, acompanham-no e o corroem até sua destruição; quando uma ação está infeccionada no momento decisivo do nascimento pelo germe da desonestidade, ele se arrastará corroído por dentro, como um enfermo, até que a desagregação interna o resolva com a morte. Eis porque o vosso mundo econômico está cheio de crises inevitáveis, sem remédio, e porque elas surgem sobre esses equilíbrios instáveis e fictícios. 

A solução não se encontra na criação de um rebanho de irresponsáveis, de mendigos, sustentados pelo Estado, mas na criação de uma sociedade de responsáveis, que saiba manejar conscientemente a grande força econômica. Não pressuponho uma mutilação, mas um aumento de consciência, de poder, de liberdade, de confiança, de responsabilidade. 

O homem não deve anular-se, mas manejar as forças da vida para aprender; deve correr livremente o risco de errar para que, ao sofrer as consequências, emende-se; deve bater a cabeça para aprender a não batê-la mais. 

À força de crises, de derrocadas, de desastres financeiros, aprenderá que o negócio mais estável, mais sábio, mais lucrativo é a honestidade; que a posição mais utilitária é a que leva em conta o interesse de todos, a que se funde e não se isola no organismo coletivo econômico.
 
Estas são as leis da vida e não constituem utopias. Na direção desta renovação, o órgão máximo só pode ser a consciência coletiva:  

o Estado. 

O fenômeno econômico compete à autoridade central do Estado, como personificação integral da ética humana, das inoculações cada vez mais enérgicas de fator moral, constrições e correções que purificam a atividade econômica e a riqueza, e as canalizam para objetivos mais elevados. 

Compete ao Estado intervir e corrigir, introduzindo um mínimo ético cada vez mais alto, no fenômeno econômico, dirigindo de dentro e de fora, o árduo equilíbrio das permutas para um regime de colaboração, que não é apenas compensação, mas compressão de egoísmos; não apenas coordenação, mas fusão num organismo econômico universal. 

O estado intervencionista.


Uma ciência econômica diferente da atual que suporta a Lei, mas consciente dela, não deve surgir de bases hedonísticas, mas colaboracionistas porque, numa sociedade mais adiantada, a fase ética e utilitária é cooperação; esta é a revolução econômica fundamental que, neste campo, exprime vossa atual maturação biológica.
 
Infelizmente, os sistemas que hodiernamente dominam no mundo levam a uma seleção às avessas, a do mais astuto e desonesto, enquanto o honesto é eliminado. 

A sociedade não exalta o homem que dá, porque esse fica pobre, mas o homem que apanha e acumula, porque esse fica rico. No entanto, o primeiro dá aos outros o que é seu, o segundo tira dos outros para si. Este só poderá justificar-se realizando sua função de conservar e fecundar a riqueza com seu trabalho.
 
Em vosso mundo, os melhores estão escondidos, porque são sensíveis, modestos, endereçados a outras metas, não têm as qualidades agressivas que condicionam o êxito. Ao invés, os ambiciosos e ávidos sabem pisotear tudo sem escrúpulos para consegui-lo. 



O que brilha em vosso mundo raramente coincide com os valores intrínsecos; o triunfo econômico muito rápido só pode significar ausência de honestidade. Ainda vos moveis no nível da força econômica (princípio hedonístico) e não ainda no da justiça econômica (colaboracionismo). 

Qualquer crise no regime hedonístico tem de descer até o fundo; só pode parar por saturação, só pode reerguer-se por uma reação natural do próprio fenômeno, depois de haver sido esgotado o impulso, pois não possui as capacidades compensativas do regime colaboracionista.
 
Em vosso mundo não há proporção entre trabalho e lucro; o furto é autorizado na especulação; parasitismos são inevitáveis como consequência direta da premissa hedonística. 

... os melhores estão escondidos, porque são sensíveis, ...

O princípio do do ut des gera luta para tirar o máximo e dar o mínimo. Isto não apenas é o precedente da luta, mas implica toda a psicologia do furto, macula todo o mundo econômico, fazendo nele brilhar o egoísmo em lugar da justiça. 

Se o ponto de partida é a motivação hedonística, a vontade estará toda voltada para a exclusiva vantagem individual, à qual só se renuncia quando constrangido pela vontade alheia, que está voltada para outra vantagem individual. Vossa oferta é apenas um pedido de dinheiro, oculto totalmente pela mentira; não visa o interesse do consumidor, mas ao egoísmo do produtor. 

Por isso, vosso edifício econômico é torturado e desgastado por esse constante atrito de exploração, que arrasa segurança e confiança, que são as bases desse edifício. 

Por isso, o mundo econômico não é um organismo de justiça, mas um campo de competições sem piedade.
 
Não existe proporção entre valor e preço. Este, o mais das vezes, não corresponde ao custo da produção, mas à maior ou menor capacidade que apresenta de suportar o peso da exploração. 



Verdade, porém, que o poder esfaimado da procura gera imediatamente a superprodução e equilibra-se com a oferta, mas esse equilíbrio espontâneo é com frequência ultrapassado pelo desequilíbrio originário do egoísmo, sempre voltado para reassumir a vantagem logo que possa.
 
Além disso, não há quem não veja que o aumento de preço, pelo simples fato de que a procura é intensa e a oferta escassa, esteja distante da justiça, especialmente quando o consumidor se acha em condição de necessidade e a penúria seja causada pela açambarcação.
 
Os bens na Terra, não buscam o caminho da necessidade, a riqueza é atraída pela riqueza e foge da pobreza. Ao invés de constituir uma ajuda, é frequentemente um mal na vida social. A psicologia hedonística carreia o dinheiro para onde não serve, afasta-o de onde poderia aliviar uma dor, proteger uma vida. 

Todos fogem do fraco e do vencido; logo que se manifesta uma fraqueza, tudo ocorre para agravá-la, empurrando-a para a beira do precipício. Para vós, a necessidade do próprio semelhante é um não-valor econômico, enquanto é valor a confiança que vos inspira uma sólida riqueza. 


Por isso, ela dificilmente executa a função que deveria ser para ela a primordial, ou seja, um meio de vida e de melhoria. Por vezes, transforma-se até em meio de opressão que absorve e destrói, em lugar de fecundar e soerguer a vida. 

Essa hipertrofia do egoísmo constitui o mal que onera vosso mundo econômico e o ameaça. É ilógica e prejudicial essa canalização da riqueza para a riqueza, ao invés de sê-lo para a pobreza; essa atração levada a agigantar desigualdades que são a base dos desequilíbrios sociais e morais, essa tendência à concentração, enquanto a saúde está na descentralização.
 
Em vosso mundo não existe acordo entre capital e trabalho. Esses dois extremos do campo econômico deveriam estender-se as mãos como irmãos. Torna-se inútil a determinação de leis e sistemas, pois o capital está poluído em suas origens pela desonestidade, que o tornará infecundo; cada remédio e cada controle ficam na superfície, pois na alma não existe a consciência da função social dessa destilação do produto do trabalho, que é o capital, e se torna um meio de opressão. 


Para superar os conflitos que oneram a humanidade neste campo, é mister também superar a inconsciência egoísta, elevando-a até à consciência colaboracionista. 

Os dois polos, capital e trabalho — como todos os contrários — são complementares, feitos para completar-se, porque cada um deles, sozinho, não se sustenta; são feitos para unir-se e fecundar-se mutuamente, numa corrente de permutas contínuas, que devem ser, também, amplexos de espíritos. Somente na compreensão das duas forças podem praticamente combinar-se os impulsos da balança econômica. 

O único fato substancial que justifica vossas lutas, é que elas constituem um meio para chegar à compreensão, já que, também neste campo, como em qualquer outro, a evolução é irrefreável.



 Comentários:

 




91. 

A LEI SOCIAL DO EVANGELHO





Permanecemos, até agora, nos campos subumano e humano das mais baixas criações biológicas, para focalizar melhor os pormenores de vossa fase. 








Mas, subamos mais. Como pelo indivíduo se alcança o nível do super-homem, também a evolução coletiva atinge a lei social do Evangelho. 

Hoje, inversão completa dos sistemas humanos, absurdo aparentemente irrealizável, mas meta suprema, realidade do amanhã. Aí todos os problemas da convivência estarão radicalmente resolvidos com um conceito simples:  

“ama teu próximo como a ti mesmo”. 

É a perfeição, é a lei de quem chegou e o sonho de quem está a caminho para chegar. Mas o caminho é longo e difícil, se o vemos, em sua realidade de áspero esforço, para conquistar e realizar-se, porque é verdadeiramente lento, mais do que um fácil sonho para quem ignora as resistências da vida. 

No evangelho, todas as divergências se harmonizam, sopitam-se os estridores numa paz substancial, num equilíbrio mais estável, que aprofunda suas raízes no coração do homem. Esta a meta da evolução coletiva, o reino do super-homem, a ética universal, em que a humanidade encontra a coordenação de suas energias: 

o Evangelho, que colocamos no ápice da evolução das leis da vida.
 


A distância que separa vossa atual vida desse vértice é imensa. Cada ato e pensamento vossos estão permeados de luta e vos faz pensar que o Evangelho está distante; mas justamente porque é luta, é caminho de conquista. 

Dessa maneira, é demolição da própria luta e aproximação progressiva do Evangelho. Este é um nível diferente, significa um total deslocamento do ponto de vista das coisas. 

Os próprios fatos humanos, observados de planos diferentes, assumem valores diferentes. É a visão longínqua e global da alma que conquistou a bondade e o conhecimento. Essas normas, correspondendo a uma amplitude de ângulo visual muito mais amplo, parecem-vos irrealizáveis. Ao Evangelho só se pode chegar por sucessivas aproximações. 

Ele fica inacessível por sua elevação, se for representado de súbito ao homem atual que, por certo, não o compreende e não o pratica. Mas olhai para mais longe, na essência da vida; penetrai mais fundo na ciência; segui em frente e o Evangelho surgirá por si mesmo.
 
Vosso mundo é o que se vê da terra; O evangelho é o mundo olhado do céu. O absurdo reside em vossa involução. No Evangelho movem-se as forças do infinito; a justiça é automática e perfeita, substancial, e a coordenação social é alcançada, o homem move-se em paz com a harmonia do universo. Não há mais necessidade de ser forte, basta ser justo. 

Força, luta, egoísmo se devoram a si mesmos, no diuturno esforço das ascensões humanas. Aí vos movereis, finalmente, no seio da grande Lei e as reações da dor serão reabsorvidas; o mal será ultrapassado. É o reino do homem transformado em anjo e santo.

 


Então, é possível a lei do perdão, porque o espírito sente e movimenta outras forças, diferentes das de vossos pobres braços. Essas forças acodem em defesa do justo, mesmo se inerme. É a lei da justiça, que fala em vossa consciência, que se exprime mediante os movimentos da alma humana. Então, aquele que parece vencido pela vida, torna-se um gigante. 

Lei simples, mas substancial, que constrói o homem, governa-lhe os atos em suas motivações e resolve tudo, onde vossos sistemas confusos de controle e de sanções nada resolvem. No Evangelho, o caminho das virtudes está todo traçado; sua lógica sublime leva a uma seleção de super-homens, enquanto a lógica de sua luta cotidiana conduz a uma seleção de prepotentes. 

Os princípios do Evangelho organizam o mundo e criam as civilizações; os princípios que viveis desagregam tudo e desperdiçam-se em atritos inúteis; por onde passa o Evangelho e seu amor, nasce uma flor; por onde passais vós, morrem todas as flores e nasce um espinho. O Evangelho é lei paradisíaca transplantada no inferno terrestre; só os anjos no exílio sabem viver, aí embaixo, a lei divina ditada pelo Cristo sobre a Cruz.
 
Em vosso mundo, quem renuncia à agressão e à sua defesa e oferece a outra face; quem renuncia a enfiar as garras na carne alheia para tirar vantagens para si e não quer, por princípio, colher à força todas as alegrias infinitas da vida, fica oprimido, é um vencido fora da lei, um expulso, um desvalorizado que se anula. 



Este, olhado pelo reino da força, é inerme, indefeso, ridículo. No entanto, nessa derrota, nessa fraqueza aparente, reside o mistério de uma força maior, que chega trovejando de longe, despertando nas profundezas da alma o pressentimento de realizações mais amplas. 

O vencedor, no exato momento da vitória, tem a sensação de uma derrota. 

O vencido olha do alto, como um vencedor; é mesmo vencedor, porque descobriu e viveu formas mais altas de vida.
 
O homem emudece e desorienta-se diante desse estranho ser, sem armas, proclama uma lei nova, espetacular, e parece ser de outro mundo. 

O homem sente que, se tem razão em seu ambiente, existe outro mundo, onde tudo se inverte:

o vencido na Terra, lá pode ser um vencedor; e o vencedor na Terra, um vencido. 




Um abismo o separa desse ser superior; o homem agride e ele perdoa; é um justo e sabe sofrer. 

Está aí para mostrar-vos com sua própria vida o objetivo atingido, para indicar-vos o caminho, a fim de o acompanhardes à realização da mais alta e fecunda lei social: 

o amor evangélico.



90. 

A GUERRA 

A ÉTICA INTERNACIONAL





Entendemos a evolução do fenômeno guerra como momento da evolução da força para a justiça, por meio do direito, como fase de ascensão coletiva. 










Disse-vos mais atrás que, num mundo que se arma todo contra si mesmo, só existe uma defesa extrema:  

o abandono de todas as armas. Essa frase pode parecer um absurdo e é mister explicá-la.
 
Expus, então, o grau mais elevado, do qual o homem se aproxima por graduais passagens. Mas o esforço precisa ser total a fim de alcançá-lo, como nos caminhos da evolução individual, introduzindo na vida dos povos o máximo de disciplina suportável. Infelizmente, nas coletividades mais involuídas, o uso da força pode constituir uma necessidade, especialmente de defesa, a fim de impedir a explosão do mal. 

Nos primeiros níveis, as civilizações não podem se erguer, senão cercadas por uma barreira de violência que as proteja da própria violência e uma defesa ampla e previdente pode implicar também em uma ofensiva. 

Hoje, porém, o mundo possui vários focos acesos de civilização e a zona de barbarismo influi sempre menos, e menos ainda se justifica um regime de violência. Assim como no progresso que vai da força à justiça, no direito interno, também as forças da vida trazem um progresso da guerra para a paz:  

disciplina de forças e coordenação de energias, atuantes no direito internacional. 

Assim a evolução produz, mesmo neste caso particular da força, um progressivo cerco contra a guerra, tendendo a eliminá-la. 



Os absolutismos pacifistas, idealizados e isolados, hoje são utopia como realização, embora já lhe brilhe o ideal das aspirações humanas; eles constituem objetivo e tendência, e tanto se luta para consegui-lo.
 
Hoje, os armamentos são uma dura necessidade, mas testemunham, com demasiada evidência, o estado selvagem do homem atual. Tendo em vista a fase atual de inconsciência coletiva da humanidade, esse mal é necessário.
 
As armas não podem ser depostas, porque constituem indispensável condição de vida, enquanto a arma do vizinho está erguida e pronta a golpear, guiada por uma psicologia de estreito egoísmo. 

É necessário aos povos se conhecerem para que — como acontece com os indivíduos na formação do direito privado — os círculos das liberdades individuais aprendam a tocar-se e respeitar-se, a fim de coexistirem e aderirem na unidade coletiva da humanidade; e aprendam a ceder aos direitos alheios, a fim de ser concedido lugar aos próprios, num estado de consciência coletiva superior. Um verdadeiro e próprio direito internacional não existe hoje e as relações entre nações ainda se encontram em estado caótico.
 
Também aqui o equilíbrio tende a estabelecer-se pela lei do menor esforço; não um pacifismo inerte e teórico, mas uma ordem internacional que representará tão grande vantagem social que, logo que a consciência coletiva conseguir compreendê-la, po-la-á em prática. Hoje, a humanidade vive numa fase de transição, em que se compreende a utilidade da paz, mas ainda não se sabe superar a necessidade da guerra. 

Entre essas duas leis oscila, e prevalece uma ou outra, de acordo com a maior ou menor força moral de que disponha. Entretanto, surgirão sólidos institutos jurídicos internacionais, hoje utópicos, que garantirão a vida e o trabalho dos indivíduos coletivos, os Estados, da mesma forma que as instituições privadas disciplinarão a garantia do ser individual. 

Em cada forma jurídica, a zona de justiça conquistada e da força que deve ser superada serão mais ou menos amplas, de conformidade com o grau de evolução atingido, e constantemente se deslocarão, exprimindo seu nível na própria forma.
 
Todavia, a força dos armamentos, mesmo subsistindo como necessidade e preparação contra eventuais conflitos, tem de sofrer uma limitação contínua que lhe discipline o emprego. Só pode haver, no entanto, uma razão para existir:  

a de constituir defesa da justiça. 




O primeiro dique que se ergue é a grande responsabilidade moral de um estado que provoca uma guerra sem necessidade que a justifique. Dessa necessidade tem de prestar contas ao mundo que o observa.
 
Eis um primeiro rudimento de autorização jurídica: o sentido da responsabilidade e o peso das consequências recaem sobre quem tem o poder de lançar a infernal máquina da guerra. Até há pouco tempo, os homens se matavam diariamente, como fato normal. Mas, como é mais difícil hoje movimentar a máquina dos exércitos, que se tornou complexa e gigantesca, em proporção às grandes unidades estatais! 

As armas permanecem, mas seu uso torna-se tão mais disciplinado e excepcional que, muitas vezes, sobrevivem somente como símbolo decorativo. A guerra requer cada vez menos ferocidade e mais inteligência, afastando-se do instinto sanguinário do selvagem. 




A disciplina é uma conquista biológica que eleva o homem, do estado original de anárquica rebelião contra tudo e contra todos, para um estado de coordenação de esforços e de organização de trabalho.
 
Assim se introduz o elemento justiça, que limita o elemento força, reduzindo esta cada vez mais a uma fase de transição, realizando a libertação gradual do mal, tornando-a meio de evolução e construção do bem. 

Cada vez mais se sente a necessidade de refrear a expressão da força por meio de um conceito mais elevado, com uma alma mais nobre que lhe proporcione uma justificação; vê-se sempre mais a necessidade moral e racional de tornar o uso da força aderente a um princípio de justiça, porque se percebe que é justamente nesse imponderável que reside seu poder maior, o equilíbrio mais íntimo e mais alto, que domina e governa os equilíbrios mais externos e mais baixos da força material. Por isso, esta procura, espontaneamente, sua única justificação, que só pode ser um fim pacífico.
 
Como a dor e o mal contêm em si os impulsos para uma auto-eliminação, assim a guerra existe para engolir a si mesma. O progressivo caráter mortífero dos meios bélicos, preparado pelo progresso científico, toná-los-á sempre mais desastrosos; seu maior poder destrutivo destruirá a guerra, porque a crescente sensibilidade humana e a consciência mais profunda sentirão cada vez mais horror e medo. 

Os organismos sociais obedecem sempre menos aos impulsos irrefletidos do momento e a ordem futura se prepara, com visão distante e a longo prazo. Também existe a Lei que intervém, impondo como reação a dor, para cada violação. Coage assim o homem inapelavelmente para a via da justiça: 

“Quem usar a espada morrerá pela espada”. 




Acima da força dos exércitos, transparece cada vez mais evidente a outra, mais sutil dessa Vontade suprema, que leva à ordem e, assim, esmaga o mais forte. Há uma força mais alta à qual a outra obedece. Quando os exércitos mais aguerridos se precipitam, aparece a mão de Deus e as forças da vida se insurgem para dominar o rebelde. 

A história também está regulada por esses equilíbrios mais profundos, que se erguem e se impõem, força mais forte que todas as forças humanas. De nada vale o poder material se estiver maculado na base por essa fraqueza substancial; o arbítrio humano do mal é cerceado pela Lei dentro dos limites inexoráveis do bem. 

Mesmo na fase atual, para obter seu rendimento, a força tem de harmonizar-se com esses impulsos maiores de justiça; sua justificação só pode dar resultados estáveis como reconstrução da ordem.
 
Como observais, não falo de formas nem de métodos, vou sempre à raiz dos fenômenos. Falo de maturação de forças biológicas. Não enfrento os homens, mas as leis que os movimentam, penetro nas causas, não nos efeitos.
 
Concomitantemente, levo em conta a natureza humana como é atualmente e a lei que impera nesse nível. Se a guerra existe no mundo, ela corresponde ao instinto da maioria, porque esta é a forma atual da seleção biológica, porquanto corresponde a funções automáticas de equilíbrios demográficos. 

O homem normal é feito para a guerra (seleção); a mulher, para a maternidade (conservação). Enquanto vos moverdes neste ciclo e a guerra persistir na alma egoísta do mundo, as relações internacionais se basearão na força e será necessário a quantidade como meio de vida e de grandeza.
 
Mas lembrai-vos de que a quantidade jamais poderá criar a qualidade; o valor supremo do homem não consiste em abandonar-se irresponsavelmente à função animal de procriar, mas reside em enfrentar consciente e responsável a função moral de educar. Não sendo assim, a quantidade degrada a raça. Será possível sempre o mesmo círculo vicioso: 

aumentar o número para guerrear e depois destruir-se? 

Será possível que as duas grandes forças da virilidade e da maternidade fiquem sempre fechadas num ciclo de autodestruição?
 
 


Ao contrário, esse ciclo abre-se por ascensões progressivas, para sublimação desses instintos. Num nível mais alto, o homem é feito para o trabalho, para a criação material e espiritual, para o domínio sobre a natureza e sobre si mesmo; a mulher é feita para o sacrifício e a formação de almas, esta é a meta substancial.
 
Se em vosso nível humano a guerra é meio proporcional à vossa baixa forma de evolução e sua abolição é utópica, essa guerra, ainda que hoje um mal necessário, só pode ser aceita como mal transitório, meio que leva a um bem mais elevado, como holocausto do presente bárbaro que se enfraquece pelo atrito, apenas para a construção de um futuro mais radioso. 

Para mostrar um conteúdo de justiça à guerra não basta uma superprodução populacional concentrada em uma parte do globo terrestre. Isto é apenas choque de forças demográficas. 

É preciso dar à guerra um conteúdo ideal de civilização; tornar suportável esse mal, por sua transformação em instrumento de bem. Assim a guerra se nobilita com heroísmos, anima-se pela espiritualidade, idealiza-se pelos martírios. 

Elevada a guerra a esse nível, a ferocidade do sangue derramado transforma-se em apoteose de sacrifício. Porque então já não mais se luta pelo heroísmo ou pelo saque, mas por uma fé que paira no alto. A guerra então atinge sua mais alta meta de formação da alma coletiva:

 torna-se imolação de si mesma no altar da pátria e é denominada santa.
 
O homem pensa mandar e, no entanto, obedece sempre, constrangido pelo instinto, à vontade da Lei. Instituições, leis, todas as manifestações sociais não são substância, são forma, são a veste exterior de forças biológicas. 





Os verdadeiros responsáveis, mais ou menos iludidos ou guiados, são os povos, com justiça carregam o peso da própria involução. Os chefes apenas transmitem um comando que não seria compreendido nem obedecido, se não correspondesse a uma ordem mais profunda que domina a todos. 

Eles são escolhidos e elevados a seus postos só enquanto sentem os instintos da coletividade, exprime-os e a eles obedecem. Os grandes caudilhos foram meramente expoentes que personificavam a verdade do momento e executavam essa função coletiva, porque a Lei não abandona jamais os destinos dos povos ao arbítrio de um homem. 

Não confundais a forma com a substância, habituai-vos a vê-la nos fenômenos históricos; em cada manifestação, pesquisai sempre a ação sutil e substancial dos impulsos biológicos, que fazem de povos e de chefes um organismo único, dirigido para metas idênticas.
 
Entretanto, à proporção que a evolução ergue o homem para cada vez mais longe de suas origens animais, também se eleva a forma da luta. Aos três tipos de homens que estudamos, correspondem os três métodos de combater, que lembram os três níveis da substância:

$ \gamma $, $ \beta $, $ \alpha $

Assim temos: 

luta material, ou seja, supremacia brutal do mais forte, embora ilícita e injusta. 




Luta nervosa e volitiva, supremacia do poder da vontade, dos meios mecânicos, econômicos, mesmo que isto não constitua convicção nem vontade. 

Luta espiritual, em que o dinamismo físico-muscular, como o volitivo-nervoso, é superado por uma supremacia espiritual e conceptual, propriedade do super-homem. Sua luta é fundamentada na justiça e mobiliza o dinamismo das forças cósmicas. 

Neste sentido ele é o mais poderoso, embora humanamente inerme. Lembrai-vos, porém, que no alto o arbítrio se anula e a desordem é recalcada para baixo. Ah! Se soubésseis quanta harmonia reina nos planos mais elevados!
 
Sei muito bem que o homem de hoje só se eleva até o segundo tipo de luta, sendo arriscado pedir-lhe antecipações imaturas e precipitadas do futuro. Existe uma lei de estabilidade no desenvolvimento do que é novo, e é mister ajudá-la. Para abandonar o velho, precisa antes ter criado o novo. 

Depor os instintos de luta, mesmo na forma mais baixa, pode significar para os povos de hoje fraqueza e decadência. É necessário antes ensinar-lhes a superar a atual fase evolutiva e a conquistar instintos mais altos:  

como sempre, é preciso transformar o homem antes dos sistemas, a substância antes da forma, começando por alcançar a consciência da responsabilidade, que implica o uso da força. 

O progresso não reside na renúncia à força — que pode ser fraqueza de impotentes — mas no domínio da força, que constitui consciência dos poderosos.

 


Deduz-se de tudo isso o quanto é impraticável, apesar das afirmativas dos idealismos teóricos, um programa imediato de paz universal, se antes não se souber determinar as condições biológicas necessárias à sua manutenção. A paz universal será obtida, mas pensai de que edifício imenso ela representa a construção. Para atingir a conquista mais elevada, é indispensável amadurecer antes todas as que a condicionam. 

Só então essa paz não será utopia, porque o mundo e sua alma estarão transformados e maduros. Os atuais idealismos pacifistas, que exprimem a grande aspiração e indicam o caminho, são, biologicamente, conceitos recém-nascidos, menos solidificados nos instintos; os equilíbrios estão menos estabilizados e, portanto, prestes a cair ao primeiro choque. 

Todas as construções ideais, mesmo codificadas, estão expostas a esse perigo de degradação que, à primeira sacudidela, reconduz os novos equilíbrios, por demais delicados, a estabilidades mais baixas e mais simples, porém mais resistentes. 

Sempre pronto a ressurgir logo que desabe a superestrutura, está o substrato biológico das necessidades animais, para onde retrocede o equilíbrio muito arriscado, a fim de garantir a vida.
 
A escada da ascensão não se sobe senão degrau por degrau, solidificando antes as bases. Não são fáceis voos pindáricos nem ressonâncias retóricas, para que a paz não seja utopia, mas um trabalho de aproximação, áspero, tenaz e prático. 

Têm que amadurecer antes as condições biológicas e psíquicas. Já é muito ter visto e compreendido pela primeira vez na história do mundo, o absurdo lógico, moral e utilitário da guerra. 

Esse absurdo torna-se cada vez mais evidente e repará-lo é mais urgente. Concomitantemente, a mortalidade progressiva pelos armamentos e crescente peso econômico despertarão o interesse coletivo, que se rebelará a tantos gastos. 

O mundo aterrorizado pela possibilidade de destruições incalculáveis, armar-se-á concordemente apenas contra quem queira perturbar a ordem, arriscando a destruição da civilização. Então a força sobreviverá somente como instrumento de justiça, não mais de desordem, mas de ordem.
 
Esse mesmo reconhecimento de direitos e deveres, a que se chegou nas relações entre cidadãos, terá de ser alcançado, também, nas relações entre povos. O direito internacional está em seus alicerces. 

Por que seriam lícitos o homicídio e o furto, na guerra, quando dentro do país é proibido pelas leis? 

Isto demonstra que as relações entre povos ainda esperam um direito que as discipline, pois ainda estão no estado caótico da violência, na fase sub-legal; a ética internacional apenas nasceu. 





Este “eu” maior coletivo, que é a consciência nacional, ainda se encontra na fase embrionária; tem de conquistar sua moral, que venha a exprimir a lei das coordenações nacionais. Nascidos há pouco, os organismos estatais, apenas formados, ainda não sabem reordenar-se como células componentes do organismo mais amplo:  

a humanidade. Como o indivíduo no estado de bárbaro, as nações têm apenas a força, não a lei, para defender suas vidas. 

As nações são indivíduos isolados que, no máximo, buscam reagrupar-se em alianças, a fim de formar maiorias protetoras e equilíbrios de forças. Os povos vivem fora da lei e fora da ética; o trabalho de gerações futuras será de criá-las.
 
Com o progresso, as forças da ordem unir-se-ão contra as forças da desordem; os povos rebeldes serão cercados e isolados, tal como dentro do país se cerca e isola o delinquente, como perigo social. Nascerá nova ética internacional, mediante o choque de tantas guerras; a dor e o sangue, através de aperfeiçoamentos contínuos, ensinarão a gerá-la. Pois, esta é a finalidade da luta e seu único resultado duradouro:  
a evolução dos conceitos diretores e a conquista de uma consciência coletiva mundial. 

Se já custou tanto esforço e tanta dor a construção do instinto da convivência social entre indivíduos, quanto maior esforço e dor não custará a construção desse instinto muito mais complexo, de convivência internacional? 

Por isso, cada guerra não acontecerá em vão; os povos se chocam para conhecer-se e compreender-se; agridem-se, porque dos choques alternados entre vencedores e vencidos, aprenderão a reconhecer de toda parte o direito que tem qualquer povo à vida; viver e não sobreviver apenas, não dominar nem oprimir, mas coordenando-se na unidade maior para a qual sobem:  

a humanidade.
 
 


O instinto das massas transformar-se-á em dinamismos igualmente virís, porém mais elevados; em produtividades mais benéficas e morais. Outras batalhas incruentas aguardam o homem:  

coalizões pela defesa das conquistas do espírito, contra quaisquer atentados de degradação da estrutura social; outras lutas, não de armas nem de povos, serão as do amanhã: lutas de ideias, a guerra santa do trabalho, a virilidade do dever, o esforço da construção de consciências. 

O grande inimigo será o desconhecido:  

as forças da natureza, os baixos instintos que têm de ser superados; o grande trabalho será a direção das leis da vida e a ascensão humana. 

Somente então, emergindo do desembaraço da desordem, o homem conquistará nova potencialidade na ordem. Aí os mais fortes, os melhores, serão os mais justos. Da soma de tantos impulsos produtivos, emergirão povos supremamente fortes e vitoriosos.