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29/09/2015


92. 

O PROBLEMA ECONÔMICO

 


Vossa ciência econômica acredita justificar-se, como se partisse de um princípio de justiça original, afirmando, com sua premissa hedonística, a presença de um tipo abstrato de homo economicus, como que se pudesse isolar, na realidade, um aspecto, como se cada fenômeno não estivesse vinculado a todos os fenômenos, na lei universal. 



Vossas ciências sociais baseiam-se facilmente em qualquer mentira piedosa. Mas, dizei a verdade:  

dizei que quase sempre o homem é realmente — não como hipótese econômica — um perfeito hedonista; 




no campo dos negócios, limita-se a aplicar sua natureza egoísta; que o do ut des não é um equilíbrio de direitos, mas um medir as forças para estrangular-se mutuamente; declarai a impotência da maioria para compreender uma aproximação, ainda que mínima, do amor evangélico; dizei que o homem é uma fera envernizada de civilização e então tereis as bases reais do fenômeno econômico. Reconhecei:  




a ciência que o estuda é a codificação do egoísmo, isto é, do instinto mais desagregador do complexo social.
 
A premissa hedonística é princípio anti-colaboracionista por excelência; é um princípio de dissolução, que o edifício econômico carrega consigo, como insanável vício de origem, reaparecendo sempre nos momentos de crise.
 
Egoísmo de capital, egoísmo de trabalho, egoísmo de produtor, egoísmo de consumidor; egoísmo individual, de classe, de nação (sistema protecionista); coalizão de egoísmos, organização de egoísmos, sempre egoísmo! 




As mercadorias, a riqueza, o trabalho, precipitam-se atraídos (no regime livre cambista) ou subjugados por essa grande força, mesmo que seja ilógica e contraste com as supremas exigências das ascensões humanas. 

No entanto, esta é a meta inderrogável, ética elevada, à qual todas as funções sociais têm de subordinar-se para o objetivo único da evolução. Ao contrário, egoísmo é luta, atrito, dispersão, germe de destruição. 

É o ponto fraco do mecanismo, um fardo enorme que tem de ser arrastado, e o torna imperfeito, ameaça-lhe a jornada, qual cego que avança entre choques e reações. Para quantas dores haveria fácil remédio, se cada um amasse o próprio semelhante como a si mesmo!
 
Se o fenômeno econômico é a expressão da lei do menor esforço, assume sempre a forma de coação. 

O equilíbrio entre oferta e procura é resultante de uma luta, o oferecimento de uma mercadoria é apenas a exigência de um preço; tudo move-se pela própria necessidade, não pela consciência das necessidades recíprocas; um sistema carregado de atritos, um equilíbrio forçado entre forças antagônicas, tensas para eliminar-se, sobrecarrega-se pelo peso do egoísmo. Não era possível deixar de chocar-se, mesmo neste campo, numa manifestação da lei universal, e não encontrar equilíbrios. 


Mas, diante do princípio do ut des, da procura e da oferta, o egoísmo caminha triunfante, seguindo a lei do menor esforço, para equilíbrios móveis, mas matematicamente exatos, que podeis calcular, mas que conservam sempre a marca da premissa original: 

o egoísmo demolidor. 

O instinto hedonista, em sua inconsciência de todos os outros valores sociais, caminha calcando todos eles, contanto que se realize a si mesmo. Força primitiva, brutal que, se em vosso nível é impulso de criação, também constitui princípio de destruição, pelo qual sofreis infinitas crises e reveses.
 
Mas a evolução, fenômeno universal, tinha que funcionar também neste campo, com a gradual eliminação do princípio hedonístico, por cerceamento, por limitações e elevações progressivas, até saber compreender os interesses de ordem geral no próprio âmbito. 

Encontramos por toda a parte o mesmo processo ascencional, pelo qual a força tende à justiça, o egoísmo ao altruísmo, a guerra à paz, o mal ao bem. Na evolução não se pode isolar um campo do outro. 



Todos os fenômenos sociais porém, devem ser concebidos e fundidos numa ética superior. O conceito hedonístico, colocado como base das ciências econômicas, é filho do agnosticismo de outros tempos, já agora superados. 

Se, num primeiro momento, o perfeito equilíbrio da balança — do ut des — é o máximo de justiça que a psicologia das permutas pode conter, nos momentos superiores o progresso impõe a introdução do fator moral no fenômeno econômico em proporção cada vez mais ampla. 

Como na evolução do egoísmo, o próprio cálculo utilitário vos levará a isso, pois nele se exprime a lei do menor esforço. Sendo a luta cheia de atritos que implicam enorme dispersão de energia, é vantagem suprimi-los.
 
Em vosso atual mundo, raramente a riqueza segue a estrada do bem; não é meio para conquistas mais altas, mas fim para gozos que premiam as aptidões mais rapaces e anti-sociais. Atenção, porém, porque essa psicologia é supremamente demolidora, mesmo no campo do utilitarismo individual (inconsciência coletiva), o oposto do colaboracionismo (consciência coletiva). 

Quando um fenômeno nasce envenenado por impulsos negativos, estes, indestrutíveis como todas as forças, acompanham-no e o corroem até sua destruição; quando uma ação está infeccionada no momento decisivo do nascimento pelo germe da desonestidade, ele se arrastará corroído por dentro, como um enfermo, até que a desagregação interna o resolva com a morte. Eis porque o vosso mundo econômico está cheio de crises inevitáveis, sem remédio, e porque elas surgem sobre esses equilíbrios instáveis e fictícios. 

A solução não se encontra na criação de um rebanho de irresponsáveis, de mendigos, sustentados pelo Estado, mas na criação de uma sociedade de responsáveis, que saiba manejar conscientemente a grande força econômica. Não pressuponho uma mutilação, mas um aumento de consciência, de poder, de liberdade, de confiança, de responsabilidade. 

O homem não deve anular-se, mas manejar as forças da vida para aprender; deve correr livremente o risco de errar para que, ao sofrer as consequências, emende-se; deve bater a cabeça para aprender a não batê-la mais. 

À força de crises, de derrocadas, de desastres financeiros, aprenderá que o negócio mais estável, mais sábio, mais lucrativo é a honestidade; que a posição mais utilitária é a que leva em conta o interesse de todos, a que se funde e não se isola no organismo coletivo econômico.
 
Estas são as leis da vida e não constituem utopias. Na direção desta renovação, o órgão máximo só pode ser a consciência coletiva:  

o Estado. 

O fenômeno econômico compete à autoridade central do Estado, como personificação integral da ética humana, das inoculações cada vez mais enérgicas de fator moral, constrições e correções que purificam a atividade econômica e a riqueza, e as canalizam para objetivos mais elevados. 

Compete ao Estado intervir e corrigir, introduzindo um mínimo ético cada vez mais alto, no fenômeno econômico, dirigindo de dentro e de fora, o árduo equilíbrio das permutas para um regime de colaboração, que não é apenas compensação, mas compressão de egoísmos; não apenas coordenação, mas fusão num organismo econômico universal. 

O estado intervencionista.


Uma ciência econômica diferente da atual que suporta a Lei, mas consciente dela, não deve surgir de bases hedonísticas, mas colaboracionistas porque, numa sociedade mais adiantada, a fase ética e utilitária é cooperação; esta é a revolução econômica fundamental que, neste campo, exprime vossa atual maturação biológica.
 
Infelizmente, os sistemas que hodiernamente dominam no mundo levam a uma seleção às avessas, a do mais astuto e desonesto, enquanto o honesto é eliminado. 

A sociedade não exalta o homem que dá, porque esse fica pobre, mas o homem que apanha e acumula, porque esse fica rico. No entanto, o primeiro dá aos outros o que é seu, o segundo tira dos outros para si. Este só poderá justificar-se realizando sua função de conservar e fecundar a riqueza com seu trabalho.
 
Em vosso mundo, os melhores estão escondidos, porque são sensíveis, modestos, endereçados a outras metas, não têm as qualidades agressivas que condicionam o êxito. Ao invés, os ambiciosos e ávidos sabem pisotear tudo sem escrúpulos para consegui-lo. 



O que brilha em vosso mundo raramente coincide com os valores intrínsecos; o triunfo econômico muito rápido só pode significar ausência de honestidade. Ainda vos moveis no nível da força econômica (princípio hedonístico) e não ainda no da justiça econômica (colaboracionismo). 

Qualquer crise no regime hedonístico tem de descer até o fundo; só pode parar por saturação, só pode reerguer-se por uma reação natural do próprio fenômeno, depois de haver sido esgotado o impulso, pois não possui as capacidades compensativas do regime colaboracionista.
 
Em vosso mundo não há proporção entre trabalho e lucro; o furto é autorizado na especulação; parasitismos são inevitáveis como consequência direta da premissa hedonística. 

... os melhores estão escondidos, porque são sensíveis, ...

O princípio do do ut des gera luta para tirar o máximo e dar o mínimo. Isto não apenas é o precedente da luta, mas implica toda a psicologia do furto, macula todo o mundo econômico, fazendo nele brilhar o egoísmo em lugar da justiça. 

Se o ponto de partida é a motivação hedonística, a vontade estará toda voltada para a exclusiva vantagem individual, à qual só se renuncia quando constrangido pela vontade alheia, que está voltada para outra vantagem individual. Vossa oferta é apenas um pedido de dinheiro, oculto totalmente pela mentira; não visa o interesse do consumidor, mas ao egoísmo do produtor. 

Por isso, vosso edifício econômico é torturado e desgastado por esse constante atrito de exploração, que arrasa segurança e confiança, que são as bases desse edifício. 

Por isso, o mundo econômico não é um organismo de justiça, mas um campo de competições sem piedade.
 
Não existe proporção entre valor e preço. Este, o mais das vezes, não corresponde ao custo da produção, mas à maior ou menor capacidade que apresenta de suportar o peso da exploração. 



Verdade, porém, que o poder esfaimado da procura gera imediatamente a superprodução e equilibra-se com a oferta, mas esse equilíbrio espontâneo é com frequência ultrapassado pelo desequilíbrio originário do egoísmo, sempre voltado para reassumir a vantagem logo que possa.
 
Além disso, não há quem não veja que o aumento de preço, pelo simples fato de que a procura é intensa e a oferta escassa, esteja distante da justiça, especialmente quando o consumidor se acha em condição de necessidade e a penúria seja causada pela açambarcação.
 
Os bens na Terra, não buscam o caminho da necessidade, a riqueza é atraída pela riqueza e foge da pobreza. Ao invés de constituir uma ajuda, é frequentemente um mal na vida social. A psicologia hedonística carreia o dinheiro para onde não serve, afasta-o de onde poderia aliviar uma dor, proteger uma vida. 

Todos fogem do fraco e do vencido; logo que se manifesta uma fraqueza, tudo ocorre para agravá-la, empurrando-a para a beira do precipício. Para vós, a necessidade do próprio semelhante é um não-valor econômico, enquanto é valor a confiança que vos inspira uma sólida riqueza. 


Por isso, ela dificilmente executa a função que deveria ser para ela a primordial, ou seja, um meio de vida e de melhoria. Por vezes, transforma-se até em meio de opressão que absorve e destrói, em lugar de fecundar e soerguer a vida. 

Essa hipertrofia do egoísmo constitui o mal que onera vosso mundo econômico e o ameaça. É ilógica e prejudicial essa canalização da riqueza para a riqueza, ao invés de sê-lo para a pobreza; essa atração levada a agigantar desigualdades que são a base dos desequilíbrios sociais e morais, essa tendência à concentração, enquanto a saúde está na descentralização.
 
Em vosso mundo não existe acordo entre capital e trabalho. Esses dois extremos do campo econômico deveriam estender-se as mãos como irmãos. Torna-se inútil a determinação de leis e sistemas, pois o capital está poluído em suas origens pela desonestidade, que o tornará infecundo; cada remédio e cada controle ficam na superfície, pois na alma não existe a consciência da função social dessa destilação do produto do trabalho, que é o capital, e se torna um meio de opressão. 


Para superar os conflitos que oneram a humanidade neste campo, é mister também superar a inconsciência egoísta, elevando-a até à consciência colaboracionista. 

Os dois polos, capital e trabalho — como todos os contrários — são complementares, feitos para completar-se, porque cada um deles, sozinho, não se sustenta; são feitos para unir-se e fecundar-se mutuamente, numa corrente de permutas contínuas, que devem ser, também, amplexos de espíritos. Somente na compreensão das duas forças podem praticamente combinar-se os impulsos da balança econômica. 

O único fato substancial que justifica vossas lutas, é que elas constituem um meio para chegar à compreensão, já que, também neste campo, como em qualquer outro, a evolução é irrefreável.



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