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26/06/2015


72. 

A FUNÇÃO BIOLÓGICA DO PATOLÓGICO





A visão desses equilíbrios maravilhosos leva-nos ao conceito da função biológica do patológico. Pergunta-se: 

a doença é, de fato, um estado anormal e sempre uma queda orgânica, ou compensa-se no equilíbrio universal e assume uma função biológica, não apenas protetora, mas realmente criadora?

 






Inegavelmente, em muitos casos o patológico pode, com a adaptação, tornar-se um estado habitual do organismo, que acaba com ele convivendo normalmente. De fato, o estado orgânico perfeito é uma abstração inexistente na realidade. 

Na natureza não existe um tipo orgânico perfeito, uma verdade orgânica igual para todos, uma normalidade, termo de referência do valor fisiológico individual; antes, cada um tem seu tipo, possui uma verdade orgânica própria, supera todos os outros desde que saiba lutar e vencer. 

Na natureza a perfeição é uma tendência jamais alcançada; a saúde é um estado que deve conquistar-se a cada momento; um equilíbrio que se mantém à custa de um trabalho contínuo. Em realidade, cada organismo tem seu ponto fraco, de maior vulnerabilidade e de menor resistência. 



Assim, o patológico acabou equilibrando-se como um fato mais ou menos constante na normalidade do mundo orgânico, que nem por isso se abate, mas leva consigo, como força já aceita em seu equilíbrio, um lado de sombra. 

A natureza compensa-se das diferenças no número, completa suas imperfeições misturando sempre os seus tipos que, quanto mais diversos forem, melhor contrabalançarão qualidade e defeitos na reprodução. 

Estais aqui diante da mesma lei, pela qual o mal condiciona o bem, a dor condiciona a alegria, com o mesmo claro-escuro de contrastes, entre os quais se move e equilibra o mundo orgânico, tanto quanto o mundo ético, o sensório e o psíquico.
 
Mas existe outro fato. Não apenas o mundo orgânico habituou-se a arrastar normalmente o peso de sua imperfeição; não é só isso que entra na lei de equilíbrio. Essa lei opõe, por espontânea compensação, a cada ponto de maior fraqueza, um ponto de maior força; a cada vulnerabilidade específica, uma resistência própria. 

A natureza sente o ponto ameaçado e o cerca, reforçando-o com todos os seus outros recursos, órgãos e sentidos que se desenvolvem em proporção maior que a média. Então, não vos alarmeis de qualquer ponto fraco, porque ele pode ter a compensação de uma força.
 


Permanecendo ainda no campo orgânico, também vimos que cada assalto patogênico superado produz, em reação, a capacidade de resistência, fortalecendo toda a estrutura das defesas orgânicas. Neste caso, a doença tem função imunizadora e, em contraste e por compensação, traz em si as condições de vitória e de auto-eliminação do patológico.
 
Neste sentido, a doença é condição de saúde, pois que excita a construção de todas as resistências orgânicas. Estas, que vos defendem sem o saberdes, são o resultado de inúmeras vitórias e lutas superadas; são o fruto de vosso esforço, duramente conquistado ao longo do caminho da evolução.
 
Mas, existem outras compensações do patológico em outros campos, porque tudo está interligado no universo.
 
Sempre por motivo de compensação, uma imperfeição e um sofrimento físico podem ter uma repercussão criadora no campo moral, determinando um estado de tensão, excitando uma revolta que se manifesta como explosão de força no nível psíquico. 

Aqui reaparece a função criadora da dor. Sua ação tenaz e penetrante não pode deixar de despertar ressonâncias no âmago daquele psiquismo, sempre comunicante com as formas orgânicas, onde grava marcas indeléveis.
 
Porque a dor não pode, muitas vezes, burlar, para construir, de inopino, a grandeza de uma alma, quase sempre ela se revela totalmente e potencializa, ao máximo, todos os valores e se torna, depois de muito tempo, escola de ascensão. 

Se nas almas fracas, por vezes, a dor se resolve numa adaptação passiva, muitas vezes acende luminosidades novas no espírito; então, pode falar-se verdadeiramente de função criadora do patológico. 



Grande ciência esta, de saber sofrer, que só possuem os homens e os povos que viveram muito, pois significa uma resistência às adversidades que os jovens não possuem. Observai o fenômeno do patológico até suas últimas repercussões e vereis, às vezes, arrancar das almas humanas os gritos mais sublimes e as maiores criações. 

Muitas vezes um defeito físico, ao fechar para a alma o contato com o mundo exterior, preparou-lhe os caminhos da profunda instrospecção de si mesma, mantendo sempre desperto o espírito, submetendo-o a uma ginástica que o torna gigante. 

Muitas almas saíram purificadas da maceração de um corpo doente. Um mal físico pode ser a prova imposta pelo destino, no caminho das grandes ascensões humanas. 

Convido a ciência a explicar como uma doença, uma deficiência orgânica, pode dar tanta força ao espírito, tanta fecundidade ao pensamento, tanta saúde e potencialidade à personalidade; como, em outras palavras, o patológico pode, muitas vezes, conter o supranormal.