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15/06/2015


64. 

TÉCNICA EVOLUTIVA 

DO PSIQUISMO E GÊNESE DO ESPÍRITO


 






Após termos enfrentado o problema da gênese da vida, encontramo-nos, agora, diante de um ainda mais formidável, o da gênese do espírito. 













É um fato que, a partir das primeiras unidades proto-plasmáticas, filhas do raio globular para cima, protoplasma e célula possuem uma sensibilidade e uma capacidade de registrar impressões, devido à íntima estrutura da permuta química, pois, desde suas primeiras manifestações, a vida devia produzir fenômenos de psiquismo, embora muito rudimentar. A mobilidade, ainda que estável e elástica do sistema atômico da vida, era o meio mais adequado ao desenvolvimento e a progressiva expressão desse psiquismo.

Indagais, sem certeza, se a função cria o órgão ou se o órgão cria a função, porque ignorais o princípio da vida e não sabeis como interpretar-lhe os fenômenos. Nem um caso, nem o outro. 

Pois, o organismo é uma construção ideoplástica; ocorre logo que a maturação evolutiva do meio, matéria, permita a manifestação do princípio latente e este se manifeste diversamente, de acordo com as circunstâncias do ambiente, onde e como permitir-lhe o desenvolvimento do meio, de manifestação. 

Órgão e função, pois, surgem juntos, e seu progresso é recíproco, devido a um apoio mútuo do órgão sobre a função que o desenvolve e da função sobre o órgão que a aperfeiçoa. Assim, a consciência não cria a vida, nem a vida cria a consciência, mas ambas trabalham e ajudam-se mutuamente a vir à luz: o princípio plasmando e desenvolvendo para si uma forma cada vez mais adequada à sua manifestação e a vida fixando esse impulso e organizando-se para maior perfeição. 

O princípio move a matéria, torna-a cada vez mais aderente à sua expressão; nesse trabalho se reforça, expande-se e se manifesta mais poderosa. Enquanto a vida é o efeito de um dinamismo íntimo organizador, constitui ao mesmo tempo o campo em que esse dinamismo se exercita e se desenvolve. 

Se a modelação das formas não proviesse de um princípio interno, não veríeis esse crescimento provir sempre de dentro, indo da reprodução dos tecidos, por vezes de órgãos inteiros, até a formação dos organismos adultos.
 
Em sua íntima estrutura cinética, a vida conserva a memória das ações e reações dinâmicas anteriores, concentra em si os traços marcantes e pode realizá-los todos. Assim é possível a concentração de toda a arquitetura de um organismo em um germe, sua reconstrução completa a partir da semente até a forma adulta. 

Toda a evolução vos apresenta o espetáculo desse processo de centralização e descentralização cinética que, no caso da semente, é como se o tocásseis com a mão. Nela, o movimento conserva todas as características de seu tipo; o germe conserva em seu âmago uma estrutura indelével e a lembrança do passado vivido, que terá de reproduzir intacto; já o organismo maduro terá a capacidade de modificá-lo mas somente em escala mínima; então, ele assimilará essa modificação e a transmitirá ao novo germe.
 
Os resultados da experiência da vida, em qualquer nível, gravitam para dentro; lá são destilados os valores, resumidos os totais e processada a síntese da ação. Para lá descem, em camadas sucessivas, os produtos da vida. 

O psiquismo fica em crescimento constante porque em redor do primeiro núcleo depositam-se, por superposição progressiva, os valores, os totais e as sínteses da vida. Assim, a consciência, embora em graus muito diferentes, é um fato universal em biologia; seu desenvolvimento, por adição dos resultados de experiências (variações cinéticas introduzidas na unidade vorticosa), é o resultado do fenômeno da vida. 

De um a outro extremo da vida (embora a consciência só apareça com intensidade nos organismos superiores onde, para divisão do trabalho, ela constrói para si órgãos particulares), a consciência, todavia, está sempre presente, desde a consciência elementar dos proto-organismos até o espírito humano, o sistema de seu desenvolvimento é idêntico e constante. 

O centro enriquece-se em qualidade e em potência. Com isso adquire a capacidade de construir para si órgãos cada vez mais adequados a exprimir sua mais complexa estrutura. Assim, princípio e forma, mutuamente ativos e passivos sob o aguilhão dos choques das forças ambientais, sob o estímulo do impulso íntimo que, por lei de evolução, forceja por exteriorizar-se, evoluem gradualmente; pela tensão desse contraste desponta do mistério do ser à luz, do polo consciência ao polo forma, a manifestação da vida.

Desde a primeira forma proto-plasmática, a vida tinha de possuir uma consciência orgânica própria, embora rudimentar. Sem isso não poderia subsistir aquela primitiva permuta. Se vida = permuta e permuta = psiquismo, então a vida = psiquismo. 

Essa primordial consciência orgânica, em que já estão presentes as leis fundamentais da vida, está em toda a parte, em qualquer organismo. Desenvolvida na complexa estrutura cinética dos movimentos vorticosos, já era integrante da vida em seu primeiro nascer, como substrato fundamental de todos os crescimentos futuros. 

Essa consciência orgânica tornar-se-á inteligência orgânica e instinto; finalmente, ascenderá à consciência psíquica e abstrata no homem. Desde as primeiras formas, a matéria possui as propriedades psíquicas fundamentais, os elementos dessa consciência, inseparável da vida, porque é a essência e a condição dela. 

A ameba já possui todas as propriedades básicas biológicas: metabolismo, movimento, respiração, digestão, secreção, sensibilidade, reprodução e psiquismo. A técnica da vida já lançou suas bases e as grandes linhas arquitetônicas estão traçadas. 

O desenvolvimento se produz em todos os níveis, de acordo com a mesma técnica da transmissão ao centro psíquico já constituído, e do crescimento desse núcleo pela estratificação em torno dele das capacidades sucessivamente adquiridas. A repetição de uma reação, como resposta a uma ação exterior constante, tende a fixar-se na trajetória íntima como nova forma.
 
A vida, ansiosa por expandir-se e evoluir, mantém seus braços abertos às forças ambientais, que são introduzidas em grande quantidade; as reações multiplicam-se e a consciência, ávida de sensações, enriquece-se e aperfeiçoa-se.
 
Complica-se sua estrutura; nada se perde, nem um ato, nem uma prova passam sem deixar sua marca. Transforma-se a consciência primordial, a forma que a reveste, o ambiente que a circunda, num processo lento de ajustamentos contínuos.
 
O ser torna-se cada vez mais sábio por ter vivido, pelas experiências acumuladas; especializa sua capacidade. Nasce o instinto e uma consciência mais complexa que lembra, sabe e prevê.
 


Subamos, ainda, até o homem. Os substratos precedentes subsistem: a consciência orgânica, obscura, automática, mas presente, porque em funcionamento, embora abandonada na profundeza do ser; o instinto vivo, presente, como nos animais, sábio e memorioso. 

Mas acrescenta-se nova estratificação: a razão, a inteligência, aquele feixe de faculdades psíquicas que formam a consciência propriamente dita. Assim como o germe sintetiza todo o organismo que produzirá, também a vida sempre se refaz para recomeçar de novo, repetindo em cada forma o ciclo percorrido em toda a evolução precedente — como fenômeno orgânico e como fenômeno psíquico — assim, o homem resume em si todas as consciências inferiores; cada célula possui sua pequena consciência, que preside ao seu metabolismo, em cada tecido, em cada órgão; uma consciência coletiva mais alta que lhe dirige o funcionamento; todo o organismo é dirigido pelos instintos, que regem e conservam a vida animal.