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30/09/2015

94. 

DA FASE HEDONÍSTICA 

À FASE COLABORACIONISTA

 


Como vedes, enfrento todos os problemas econômicos, subindo até suas fontes, que estão na alma humana. A solução é radical, substancial, e, acima de tudo, muito simples. 




Mesmo no campo econômico olhamos nas profundezas, atingindo a substância além da forma. Substituí a premissa hedonística pela premissa colaboracionista, elevando o mínimo ético das ciências econômicas, dando-lhes um conteúdo moral. 









Elevei, pois, o fenômeno econômico a um nível imensamente mais alto; mostrei-vos, sobretudo, sua evolução e sua forma futura. Indiquei-vos o caminho para ultrapassar a velha economia hedonística, lancei as bases de nova economia colaboracionista, a partir de teoremas apresentados de maneira totalmente diversa, que deveis desenvolver. 

Enquanto a base hedonística mergulha suas raízes na involução subumana, a fase colaboracionista é decidida aproximação da perfeição evangélica. 

Não podíamos deixar de encontrar — como o percebemos em todos os campos — também no econômico, as duas leis consecutivas, entre as quais oscila a maturação biológica humana. Duas leis sucessivas que, em qualquer campo, provam a evolução:  

evolução no trabalho, na renúncia, na dor, no amor; da força ao direito, do egoísmo ao altruísmo, da guerra à paz, da concorrência ao colaboracionismo, da fera ao homem e ao super-homem, da desordem à ordem e à justiça do Evangelho, do mal ao bem.
 

Vossa super-cultura torna o fenômeno econômico um problema complexo, acessível apenas aos técnicos que nada resolvem; as crises se sucedem, verdadeiros furacões econômicos que varrem tudo à sua passagem. Falo-vos simplesmente da lei, da ordem universal, de uma ordem ética com a qual é mister harmonizar esta ordem econômica menor. 




Sabeis avaliá-lo com exatidão matemática e esta vos revela toda a fisionomia do fenômeno, a face interior de seu ser e de seu devenir. Mas isto permanece isolado e, em sua sensibilidade, sofre repercussões provenientes de impulsos morais e psicológicos que vos escapam. 

Reconduzo tudo a uma atitude de espírito e chego às raízes que se encontram no campo das motivações. Mas, que pretendeis conseguir no mundo econômico, se em sua base reside um princípio de destruição:  

o egoísmo? 

Se todas as ações estão permeadas de um egoísmo que as acompanha como mal de origem, minando nos alicerces todo o edifício econômico? 

Experimentam-se todos os sistemas mais complexos, tenta-se mudar tudo, mas o egoísmo humano fica intacto, com ele fica intacta a substância das coisas. Não é possível construir com semelhantes materiais. 

Enquanto o homem for o que é, incapaz de passar da fase hedonística para a fase colaboracionista, será inútil excogit
ar sistemas distributivos. É indispensável formar o homem, antes dos programas sociais e estes construir apenas para formar o homem. É preciso transformar o problema econômico em problema ético.
 

Se o do ut des é uma necessidade psicológica do mundo humano, se a necessidade é o único meio para obter trabalho de um indivíduo, se a inconsciência ignora a função social da atividade econômica, se a grande máquina só pode mover-se por meio da mola hedonística, então contentai-vos com os resultados que obtiverdes e que esse sistema puder proporcionar. 

Podeis dizer que são inúteis minhas palavras, eu vos digo que não é inútil vosso sofrimento porque, tornando-se mais sensível vossa psicologia, ela um dia compreenderá a enorme vantagem de libertar-se desse contínuo esforço coletivo de recíprocas demolições e reagirá, refreando o egoísmo até superá-lo, transmutando-o em fraterna colaboração. Contentai-vos, hoje, com a realização da máxima justiça, permitida pelo sistema, com o equilíbrio entre o dar e o receber, de equilibrar a balança do egoísmo. 

Mas é fato que só pode produzir trabalhos de ordem inferior e o sistema não se sustenta, depois de elevar-se a serviços cuja função coletiva seja substancial. O mínimo ético do mundo econômico é demasiado baixo para se sustentar.
 

Existem na sociedade humana funções supereconômicas que, de fato, se inserem no campo econômico hedonístico e, como tais, são substancialmente compreendidas, embora seu conteúdo moral devesse ser preponderante.
 

Imaginai que degradação sofre o princípio da função social, quando reduzido nas estreitas limitações de função hedonística. 

Há funções econômicas de conteúdo moral, verdadeiras funções sociais, que sofrem constante processo de degradação, porque limitadas apenas à lei da oferta e da procura. É indispensável que essas formas de atividade sejam atribuídas ao Estado, o único organismo ético que tem a tarefa de elevá-las ao estado de função, impondo-vos o fator moral.
 

Falo-vos do problema da distribuição da riqueza como de um problema de destinos; reduzo as tentativas violentas de nivelamento econômico a uma mentira do pobre, que desejaria usurpar a posição do rico e a ele digo:  

se a riqueza pode ter sido um furto, esta não é a razão para roubá-la de novo. 


Robin Hood  por Russell Crowe - Universal Pictures.


Resolvo o problema não dando razão ao pobre que agride, mas dizendo ao rico: 

ai de ti, se não cumprires o primordial dever de levar em conta o interesse de todos no usufruto dos bens que te foram concedidos; ai de ti, se não souberes descer até o pobre, e dar-lhe o que sobra. 

Ai de quem hoje goza, porque certamente não lucrará na eternidade. 

“É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico salvar-se”. 


Laurel e Hardy: ladrão que rouba ladrão ...


Isto, porque o equilíbrio não é alcançado mediante usurpações recíprocas, mas pela compreensão das mútuas necessidades. O progresso reside na concórdia e na cooperação; ai de quem se torna instrumento de involução. 

A riqueza é uma corrente que tem de circular, passando por todas as mãos, para o bem de todos. Que a beneficência seja uma doação de alma que eleva, um ato de bondade que irmana os espíritos, mas não uma exibição que cava abismos de ódio; seja também uma doação moral que se enriqueça de bens eternos.
 

Mostrando-vos a essência da Lei, destruí a ideia pueril de que a riqueza tenha de ser seguramente felicidade.
 

Como se a posse de bens pudesse mudar o destino humano! Como se a igualdade das riquezas pudesse gerar igualdade de destinos! Como se a justiça divina pudesse ser corrigida por sistemas distributivos! Com efeito, eles só levam a ilusões e a novos furtos. 

Mas a felicidade é um equilíbrio interior de forças eternas, ao passo que a riqueza é uma superposição externa e momentânea, não uma qualidade de alma; ela não consegue absolutamente fechar as portas à dor. Demonstro-vos que a riqueza não é, como vos parece, um privilégio, mas uma prova e, até por vezes, um castigo; porém, é sempre um dever e uma responsabilidade. 

Habituar-se a satisfazer-se enfraquece a satisfação; a inércia favorece a atrofia e abre as portas ao desmoronamento. Mesmo neste campo, impera a lei do equilíbrio, porque os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros.





93. 

A DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA





Diante destas minhas concepções, vereis que absurdo representam vossas utopias de nivelamentos econômicos. 






A distribuição dos bens na terra não é, como acreditais, efeito das leis, instituições, sistemas, mas é consequência de um fato primordial indestrutível: 

o tipo individual e a linha de seu destino. 




Os equilíbrios da vida são feitos de desigualdades que, em vista das naturezas diversas, correspondem à justiça, mesmo que as posições sejam diferentes. 

É absurdo um nivelamento de unidades substancialmente desiguais. Ainda que imposto à força, a natureza dos indivíduos o destruiria, em pouco tempo. Só existe um comunismo substancial:  



o que une todos os fenômenos, vincula todas as ações, vos irmana a todos e vos arrasta dentro da mesma lei, sem possibilidade de isolamento, na mesma correnteza. 

Comunidade substancial de deveres, de trabalho, de responsabilidades, apesar das inevitáveis diferenças de nível, que exprimem as diferenças de tipos e de valores. Liames férreos que vos encadeiam a todos, igualmente, ainda que por vontade vossa sejam de rivalidades e de ódio, em lugar de serem de bondade e de amor.
 
Os princípios da vida são mais sábios que vossos sistemas mecânicos de nivelamento social; conseguem o equilíbrio por meio da desigualdade, porque não tendem à equiparação num tipo único, mas à diferenciação, para depois reorganizar os que se especializaram em organismos coletivos. 

A diferença de posições sociais é simplesmente divisão de trabalho para capacidades diferentes. Esta é tanto mais acentuada — portanto, as posições são mais divergentes — quanto mais complexo e evoluído for o organismo social. 

Numa coletividade adiantada, cada indivíduo e cada classe permanece tranquilamente em seu lugar, sem coações, tal como as células e os órgãos num corpo animal. Essas irrequietudes são características das sociedades inferiores em formação.
 
Não é lícito ignorar, na construção dos coletivismos humanos, que a natureza não constrói os homens por meio de máquina e que não se podem dividir as falanges humanas por tipos em série. Ao contrário, a natureza cria tipos complementares, reciprocamente necessários. 

As diferenças são feitas para se compreenderem e para se compensarem, unindo-se a fim de se completarem em seus pontos fracos e se combinarem organicamente. Assim, por complementaridade e balanceamento de opostos, por via lógica e utilitária do menor esforço, a Lei guia irresistivelmente à fraternidade humana. O nivelamento poderá forjar um rebanho, jamais uma sociedade. 



O erro fundamental consiste em acreditar que todos os homens são iguais como valor e destino, em não se ter compreendido o mistério de sua personalidade e a finalidade da vida; permanecer no exterior, acreditando que só possa ter justiça na igualdade de superfície, ao passo que a vida alcança uma justiça mais complexa e profunda na desigualdade. 

O princípio da equiparação poderá ser um programa de enriquecimento, por meio da exploração executada pelas classes menos favorecidas e até mesmo, sabendo-se adaptar e moderar, um programa sadio de ascensão econômica. Mas, como princípio, é sempre um absurdo, pois não corresponde à realidade biológica. 

A igualdade, que não seja meramente exterior e forçada, é absurda num universo livre, em que não existem duas formas idênticas. Quando a evolução criou valores absolutamente diferentes e quando são diferentes os caminhos percorridos e os esforços executados, constitui justiça que as posições sociais exprimam exatamente o valor e a natureza do ser.
 
Compreendei a essência da vida e vereis uma realidade mais profunda, onde tudo é sempre justo. Não confundais igualdade com justiça; não acrediteis que a vida queira atender a vossos nivelamentos exteriores, para realizar, na eternidade, seus justos equilíbrios. 

Tudo é justo, compensado, equilibrado há muito tempo. Considerais como melhores as altas posições sociais; vosso espírito de igualdade é muitas vezes inveja que deseja apoderar-se do bem-estar alheio.
 
Mas compreendei que o equilíbrio de uma posição econômica e social é, como na física, tanto mais estável quanto mais baixo estiver, quanto mais próximo estiver do nível mínimo da sociedade em que se situa. É contra os cumes que as tempestades investem. Não invejeis esses grandes perigos de quedas maiores. 

Quanto mais se elevam uma posição social, mais insegura e vulnerável ela se torna, é difícil defendê-la; tende a cair mais facilmente e exige a presença de um valor intrínseco que a sustente com esforço contínuo.
 
Observai como a Lei, na sua tendência de reconduzir para o centro as posições extremas, já possui o princípio do nivelamento econômico. Trata-se da lei automática de nivelamento de todas as aristocracias, fato evidente na história.
 
sempre, mesmo no mundo econômico e social, no âmago, age uma lei que, além das aparências, dirige o equilíbrio dos fenômenos. Há sempre uma justiça substancial da qual não se escapa:  

individual, exata, inviolável, automática, alcançada não se sobrepondo à natureza das coisas, grandes capas de legalidade, mas com um equilíbrio espontâneo da Lei. 



Para além da injustiça de forma, há sempre uma justiça de substância na distribuição de alegrias humanas e nenhuma lei poderá determiná-la, senão a lei do próprio destino.
 
Não invejeis os ricos, porque essa riqueza pode ser uma prova, uma condenação, uma condição de ruína.
 
Observai como, por uma lei psicológica, tudo o que foi ganho sem esforço, por isso mesmo é destinado à dispersão; não é apreciado, não é defendido, como o é aquilo que custou esforço. A hereditariedade da riqueza é uma fábrica de ineptos.
 
É, na verdade, um processo de auto-eliminação. Tudo o que é herdado, mesmo se protegido pelas leis, tende automaticamente à dissolução, decadência da riqueza que nenhuma barreira social ou legal jamais pôde impedir. 

Só as leis da vida estão sempre ativas e são constantes, embora trabalhando subterraneamente e em silêncio. Por isso, quebram qualquer defesa social que seja peso morto, superposição inerte, não movidos por impulso íntimo que faz viver e agir, em todos os instantes, para fins determinados. 

Enquanto isso, em derredor se debruçam outros esfaimados, muito mais bem treinados para o trabalho, sem as ilusões sobre a adulação que a riqueza atrai, não paralisados pela educação mais refinada, que o desejo jamais saciado tornou astutos e ativos, impulsionados com todas as forças, pela necessidade, a conquista e, portanto, destinados a vencer na luta desigual.
 
Por isso, substituo o vosso conceito de propriedade, meramente jurídico e de superfície, pelo conceito mais profundo de propriedade substancial. Esta é a única que se fundamenta como direito no próprio destino. Se vos colocais na realidade dos fenômenos, que é sempre um devenir, vereis que não é possível possuir as coisas em sentido estático, mas apenas na trajetória de seu transformismo. 

Elas, como vós mesmos, constituem um devenir e esse contato duradouro, que se denomina posse, só é possível pela ação de uma força constante que mantenha vinculados os dois transformismos.

 


Nesse oceano de dinamismos, a propriedade é, no máximo, um usufruto, que a morte ou qualquer reviravolta pode sempre quebrar. Por isso, não é possível propriedade nem posse em sentido jurídico, mediante construção de defesas e barreiras legais, mas só se pode possuir a causa desse mecanismo de efeitos, isto é, o poder do domínio sobre as coisas.
 
Este não é dado pelos reconhecimentos jurídicos exteriores, mas pela aquisição de qualidades, de merecimentos, de direitos inerentes à própria personalidade. Além de vossas formas sociais, o que as justifica e sobretudo as mantém vivas, é a ação constante desse impulso dado por uma capacidade intrínseca, preparada e fixada no destino, única base do direito. 

Com efeito, no justo equilíbrio da Lei, logo que cessa o impulso dessa causa, cessa o direito, rui o edifício dos efeitos e, apesar de todas as defesas, pulveriza-se a construção jurídica. 

Essa propriedade substancial é a única que corresponde a uma característica da personalidade, e está escrita no destino, como impulso enxertado no equilíbrio de suas forças. Só ela poderá resistir e manter-se, enquanto esse impulso resiste e se mantém.
 
O princípio hedonístico vos enclausura num estado de miopia psíquica, que vos faz acreditar em absurdos e na possibilidade de conseguir riquezas por atalhos que excluem o esforço do trabalho. Ora, olhando de frente as mais profundas leis do mundo econômico, encontrareis um princípio de equilíbrio que impõe uma relação férrea entre esforço e prazer. 

Assim, apesar de todas as tentativas de fraudar a lei, a verdadeira alegria só é prêmio do trabalho honesto. A riqueza traz consigo, como uma natureza própria, uma marca indelével das características com que foi gerada e querida.
 
Estas a acompanharão sempre como um impulso, uma trajetória, uma direção exata, que a sustentará e guiará em todo os passos como um ser vivo. Também ela é um feixe de impulsos causais que contêm seus efeitos inexoráveis, os quais, cedo ou tarde se manifestarão em atos. Se a riqueza nasceu errada, traz sofrimentos; se nasceu bem, traz o bem.
 
Acreditais que a riqueza seja uma qualidade homogênea, igual em toda parte. Mister completar esse conceito econômico com outros fatores que sempre estão nele incluídos. Ela é uma força em movimento, que se manifestará na forma em que tenha sido definida no momento de sua gênese. Há diferença entre riqueza e riqueza. 

O lucro errado não trará vantagens, mas prejuízos. Há dinheiro que não pode dar prazer. Possuí-lo não é lucro, mas perda; não é riqueza, mas pobreza; foi substancialmente impregnado de qualidades negativas e é uma força de destruição. 



Seu vício de origem não se apaga e o levará à ruína, até que ele mesmo desapareça por esgotamento da causa. Pois o mal é negação, antes de tudo, nega a si mesmo até sua total auto-demolição. Há um dinheiro maldito que só traz maldição a quem o possui:  

o dinheiro que Judas pagou o campo de sangue.
 
Esses meus pontos de vista interiores aclaram diferentemente todo o fenômeno econômico. 

Mostrando-vos realidades mais profundas, relegam ao absurdo vossos conceitos mais comuns neste campo, que aceitais por ignorardes as leis substanciais da vida. Assim, em vossa época tendes a ingenuidade de crer supérfluo atentar tanto para as sutilezas do modo de acumular riqueza, credes que qualquer meio vale. 

Dessa maneira, levianamente, semeiam-se germes de destruição bem no centro dos próprios capitais. Falo nos termos de uma moral científica, exata, utilitária e, portanto, necessária também ao ladrão. Este é tão ingênuo e pensa que o furto possa trazer utilidade. 

Ora, é pueril o esforço de fraudar a pobre lei humana, desde que não é possível alterar a íntima lei dos fenômenos que, misteriosa e poderosamente, vigia e ressurge inata neles a qualquer momento. Pelos atalhos da usurpação só se chega ao resultado da reação.

 


Alegrem-se os sedentos de justiça que sofrem diante das injustiças humanas, há um equilíbrio profundo de que o mau tentará inutilmente escapar, embora triunfe momentaneamente. 

Mas tremei vós, a quem a injustiça de um instante deu razão, porque chorareis um dia, esmagados pelas consequências de vossas ações, que nenhum tempo poderá destruir e vos acompanharão por toda parte. Mesmo se não o sentis, o imponderável vos alcançará para golpear-vos. O dinheiro mal ganho é um prego envenenado que se cravará em vossas mãos. 

Nada rende tanto quanto a exploração do sangue humano, o mundo está cheio do dinheiro de Judas, gordo de traições, verdadeiro esterco do diabo, que vos sufocará, fazendo a Terra afundar sob vossos pés. 

É contra esse dinheiro que se levanta a maldição de Deus, não contra o dinheiro que é justa recompensa do trabalho.