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21/12/2015



XI

 

A CAMINHO 

DA 

SUBLIMAÇÃO

 

 

Nos capítulos precedentes fizemos algumas observações sobre o nosso mundo, para comprovar a sua posição periférica, consoante o plano do universo. 

Os poucos fatos escolhidos não passam de uma exemplificação particular. Muitos outros poderiam ter sido aduzidos para confirmar a concepção de que partimos e que apresentamos aos racionalistas, apenas como hipótese de trabalho. 

Procuremos, agora, uma vez observado o sistema na sua posição periférica, percorrê-lo em direção ascensional. Isto é importante, porque esta representa a única via de correção do anti-sistema e de evasão das suas dolorosas consequências. 

Avizinhamo-nos, desta forma, do problema central da presente Terceira trilogia - o da sublimação (v. Introdução no volume: Problemas do Futuro).
 

Para poder enfrentá-lo e resolvê-lo, é necessário antes enquadrá-lo em nosso atual e mais amplo esquema do universo, como, aliás, seria necessário fazer para qualquer problema, sem o que ele se torna de difícil compreensão e solução. 

E o fenômeno da sublimação espiritual é agora aqui de um enquadramento lógico em um sistema completo, harmonicamente proporcionado em todas as partes componentes e aceitável para qualquer pessoa de bom senso. 

O fenômeno pode agora estar situado logicamente no conjunto de um edifício conceitual, do qual faz parte, que o sustém e demonstra. 

Isto não impede que ele seja pouco consentâneo com a psicologia hoje dominante, porque esta constitui uma forma mental sediada em uma fase particular destruidora de fim de um ciclo, ao passo que aqui antecipamos a fase reconstrutiva; que fatalmente se seguirá. 

O homem atual é analítico, vê as coisas da Terra e do plano físico, que ele confunde com a realidade e acredita ser todo o universo. 

Por ser periférico, vê o sistema de uma posição periférica. De tal ponto de vista, tudo deve evidentemente parecer invertido. Hoje, de fato, a superação é frequentemente tida por patológica. 

Tudo depende do ponto de referência que, neste caso, é representado pelo tipo biológico corrente, ou seja, pelo involuído. 

E natural, então, que a catarse biológica, que é superação e sublimação, vista assim de baixo, de uma posição invertida, possa parecer deformação e regressão, quando é formação e progresso de vida. 

Este problema já foi por nós examinado no cap. XXVI "Sexualidade e misticismo", do volume precedente: 

Ascensões Humanas. 
Para aprofundar o fenômeno da sublimação espiritual, começamos aqui a orientá-lo, enquadrando-o no esquema do universo atrás exposto, que aqui resumimos em relação ao fenômeno, submetendo-o ao habitual método da intuição. 

Por criação, entendemos aqui o processo $ \alpha \rightarrow \beta \rightarrow \gamma $, isto é, a transmutação da substância única Deus, eterna, incriada e indestrutível, do seu estado de puro pensamento, no de energia e, a seguir, no de matéria. 

Já examinamos esse fenômeno, pelo qual Deus vem a manifestar-se na forma; o pensamento, na matéria; o imutável no vir-a-ser; o uno, no multíplice, e ao qual se deve a existência de nosso universo. 

Assistimos a um movimento centrífugo que, do centro, se projeta para a periferia, na matéria, invertendo todas qualidades do espírito. 

São muitos os aspectos do processo, mas todos redutíveis ao conceito de inversão do positivo em negativo, ou da subversão de valores, conceito que se pode resumir em uma só palavra:  

involução. 

Esta pode apresentar-se-nos como um desmoronamento do universo perfeito, originado da primeira, a verdadeira criação perfeita, e isto como resultado da revolta e queda, de que já falamos. Deste modo, o universo perde e inverte a sua qualidade de origem, na atual. Podemos, assim, compreendê-lo melhor agora.
 

Tudo isso sucedeu em uma primeira fase, a de ida. 

O universo atual, em que existimos, encontra-se na fase oposta, na de retorno, isto é, não involutiva, mas evolutiva, de forma que a verdadeira criação que Deus, nela imanente, está processando agora, lentamente, através da evolução, tendo todos os seres como operários, a verdadeira criação é a atual e não a precedente, que foi, antes, um desfazimento. Todavia, esta última observada de nossa posição periférica, em que a existência é material, pode parecer criação. Tudo depende do ponto de vista. 

O mesmo processo a®b®g se visto de a, pode parecer destruição; mas visto de g, pode ser tomado como criação. E realmente, o nosso universo, construído assim na forma física, pode definir-se como uma criação, mas no sentido físico. 

É certo, porém, que, se tomado do ponto de vista central do sistema, é uma demolição, como espírito, cuja inversão representa. É bom esclarecer tudo isto, a fim de evitar mal-entendidos. O nosso habitual conceito humano de criação é, como todos os nossos conceitos, relativo a nós. 

A primeira, única e verdadeira criação foi, não uma criação do nada, mas uma emanação do seio de Deus, de puros espíritos, em que Deus, o "Eu Sou" Uno, Criador, quis refletir a Si mesmo, nela amando uma Sua diversa individualização em miríades de “eu sou”. Suas criaturas.
 

O que depois nós passamos a chamar criação foi o desmoronamento na forma-matéria de uma parte, que se rebelou, destes "eu sou" criaturas E o que chamamos de evolução seria a verdadeira criação, no sentido de reconstrução da originária integridade espiritual, que foi, por sua vez, emanação, mais do que criação do nada. 

Tudo isto está além das nossas habituais concepções, todas em função de nosso relativo. Assim é que aqui chamamos frequentemente o nosso universo de manifestação de Deus, o que pode ser verdadeiro para os nossos sentidos, relativamente à nossa posição periférica na forma-matéria, que, "para nós, é o que significa existir. 

Mas para quem se encontra no polo oposto do sistema, na posição central de puro espírito, o nosso universo não é um manifestar-se e sim um ocultar-se, porque é o espírito que se aprofunda e sepulta no que chamamos de manifestação. 

Se ele se exterioriza, parecendo, pois, tornar-se verdade, apenas o faz para os nossos sentidos, enquanto por si mesmo o espírito entra na grande maya [9] ou ilusão da vida corpórea. Aquilo que é verdade para quem é exterior, é mentira para quem é interior.
 

Tudo é relativo. O que para nós é vida, para o espírito é prisão ou limite. Para ele, o nosso tempo é o fracionamento do eterno; o espaço, o do infinito; o relativo, o do absoluto; o multíplice, o do uno. 

A instabilidade do transformismo, que deve sempre aperfeiçoar-se, envolvendo, é o desmoronamento da originária e perfeita existência imutável. Aclarados, assim, estes conceitos, retomemos o nosso caminho. 

Se, na primeira metade do ciclo, temos o desmoronamento na matéria, na segunda metade, em que ele se fecha pelo retorno a Deus, ponto de partida, temos o processo inverso, isto é, $ \gamma \rightarrow \beta \rightarrow \alpha $, ou seja, não de materialização, mas espiritualização. 

Estamos na fase de reabsorção da forma em Deus, da matéria no pensamento, do mutável no eterno, do multíplice no uno. 

Assistimos ao movimento centrípeto que, da periferia, se projeta para o centro, no espírito, invertendo todas as qualidades da matéria. 

Aqui, os valores subvertidos devem retificar-se, segundo a Lei, de que o Evangelho é o código. Os aspectos do processo são muitos, mas todos redutíveis à inversão do negativo em positivo, conceito que se pode resumir em uma única palavra:  

evolução. 

O transformismo tende à reconstrução, de conformidade com o princípio das unidades coletivas (A Grande Síntese, cap. XXVII). Retornam à unidade todos os fragmentos em que o Uno se havia pulverizado. O estado de matéria se transmuda no de energia, e este no de pensamento, para retornar ao ponto de partida.
 

É no plano desse segundo percurso, que o ser agora vive, que logicamente ocorre o fenômeno da sublimação espiritual, ou catarse biológica. O espírito não está morto. 

Tão somente é prisioneiro. Deseja reconquistar consciência para retornar ao estado de origem. Por um instinto fundamental da vida, ele odeia a prisão e quer a liberdade. Com esse impulso e para esse fim ele foi gerado:  

a liberdade foi a sua primeira qualidade.  

Tudo quer crescer, expandir-se, e toda a nossa vida somente triunfa com esse impulso. Este instinto fundamental do ser se debate contra todos os obstáculos que lhe opõe a sua posição negativa em um sistema invertido. 

Mas eis que o Amor, proveniente do centro positivo, vem em auxílio do ser no seu esforço de redenção. Deus, do centro, estende-lhe os braços, dizendo-lhe:  

"Sus, coragem, sobe, sobe! Eu te espero!" 

E os espíritos não rebeldes e incorruptos descem com sacrifício, como Seus mensageiros, irmanando-se aos seres inferiores, sepultados na dor, abraçando-a juntamente com eles por Amor. 

É assim que a reconstrução do edifício desmoronado constitui um processo criador de reabsorção do mal e do caos, nascidos do desmoronamento através do sacrifício. O Amor permanece, invertido, porém, no sacrifício, que é Amor na dor. 

Eis por que a redenção não pôde ser operada por Cristo, senão através da paixão, e por que nenhuma redenção poderá ser operada de outra forma. Há, portanto, uma grande porta para a evasão de todos os sofrimentos do anti-sistema. 

Porta grande, mas pela qual ninguém quer passar, porque é feita de dor e esta afugenta. E afugenta justamente porque ela é o inverso da felicidade, para a qual o ser nasceu e para a qual se sente irresistivelmente atraído. Mas o nosso não é um sistema pervertido? 

É natural, pois, que nele a felicidade se tenha transformado em dor. Então, o homem se atira ao encontro das derradeiras cintilações de alegria e de Amor, que o sistema desmoronado ainda contém, mas somente lhe é oferecido um pão traidor que não pode satisfazê-lo. 

E o pobre ser fragmentado tenta, em vão, no amor físico dos dois sexos a conjunção de ambos os semiciclos, em que a unidade se cindiu. 

Ao contrário, o místico, que não teve medo de atravessar a porta da dor, pelo menos através da renúncia, pode celebrar bem mais no alto as suas núpcias de amor com Deus, isto e, a fusão bem mais perfeita das duas semicircunferências do círculo. Com isto, chegando ele, através da dor, a aproximar-se mais do centro, também alcança uma alegria bem maior. 

Os pobres seres periféricos, apegados à forma, porque não sabem sentir uma vida mais profunda, apegados, assim, a uma existência de penas, alimento sobremodo escasso para uma alma faminta de felicidade (alimento que entre si disputam encarniçadamente) - esses pobres seres fogem da sublimação e a condenam, porque da sua posição periférica, situados na matéria, a sublimação lhes parece anulação da vida, e não retorno a esta. 

É natural que para o ser subvertido, tudo pareça invertido, uma miragem traidora. Para enxergar a verdade; é necessário subir, atravessando a porta da dor!
Eis, pois, a posição agora do ser no universo atual: 


ele jaz entre as ruínas de si próprio, mas, em seu âmago a originária centelha de Deus — a alma não está extinta e se conserva no estado de um anseio instintivo e irrefreável, com todas as características originárias.  

Entre esse anseio, porém, e a sua realização, existe a barreira da dor, interposta pela distância do centro à periferia, onde veio a cair o ser. 

A irresistível ânsia se bate continuamente contra essa barreira para evadir; entretanto, é exatamente através da barreira, isto é, através da dor, que se pode evadir. Eis o grande drama do ser, vivendo-o todos em cada dia.
 

Então Deus, Que não nos abandona, vem ao nosso encontro para ajudar-nos, enviando-nos em forma concreta, para que possamos tocá-lo com as mãos, o exemplo vivo do método a usar para a evasão. É inútil debater-se. 

Não há outra via que a do Calvário para atingir-se a redenção e cada qual tem que percorrê-la por si. 

Quem vencerá? 

As seduções do mal, o horror ao sofrimento ou o grande anseio da alma, o seu instinto de ascensão e de vida, e o poderoso auxílio de Deus, Que quer a salvação final? 

O caminho é longo, a criatura está retida entre as engrenagens de duas imensas rodas e triturada pelo atrito dos seus dois movimentos contrários. Ambas as forças, todavia, não são iguais, seus pesos não são idênticos. A roda de Deus é a mais forte e tanto girará na eternidade, que desgastará inteiramente a de Satanás, que terminará em pó.
 

A sublimação espiritual é o fenômeno pelo qual a evolução da fase biológica humana, através da catarse de todo o ser, conduz a vida à fase super-humana. Já vimos que este é um momento do grande processo de toda a ascensão, que vai de $ \gamma \rightarrow \beta \rightarrow \alpha $. Isto é o que significa voltar a subir. 

São estas as grandes etapas, os degraus da escada que leva ao trono; Voltar a subir significa, pois, transformar-se da matéria em energia e desta em espírito, ou seja, um processo de espiritualização. 

Eis ao que se reduz substancialmente todo o progresso. Esta é a fase que a humanidade está vivendo. É verdade, sem dúvida, que esta ainda está imersa em noite profunda, mas nos encontramos em uma grande volta da história, que anuncia iminente uma nova aurora. O homem, hoje, pela primeira vez, sabe transformar a matéria em energia.
 

Com isto ele intervém nos processos criadores de uma forma que se poderia chamar espiritualização da matéria, que se volatiliza em energia. Processo que implica o inverso da criação da matéria com a energia. Paralelamente, a superação dos limites do espaço e tempo significa uma ascensão de vida em dimensões mais evoluídas.
 

Ademais, o tipo biológico se dinamiza, e a sua luta, de física, se torna nervosa e psíquica; as leis do ser passam a ser compreendidas; os mistérios se aclaram; aumenta o domínio sobre as forças naturais e sobre a matéria; o indivíduo funde-se no conjunto de grandes unidades coletivas. 

O homem, pois, embora recalcitrante, está engolfado no tormento de novas criações e empenhado, no momento crítico, em uma catarse biológica.
 

A luta pela vida sempre foi, mesmo na feroz fase animalesca da seleção do mais forte, uma luta por subir. Ainda agora é assim. 

É a grande batalha da libertação da involução para o retorno a Deus. Se nos mais baixos níveis biológicos essa batalha pela ascensão é imposta pela necessidade de viver em um mundo em que vigora o lema:  

"comer ou ser comido", nos mais elevados níveis da Lei, onde o ser se faz mais consciente, ela pode suavizar-se e, assim, realizar-se pelas vias da compreensão. 

É a evolução que nos liberta de tão duras necessidades e sanções. Nós vivemos explorando todas as vias da libertação, que na sublimação mística se escancaram para o céu. A luta é um meio de despertar a consciência. 

O ser, submetido a uma vida de permanente ameaça, aguça a inteligência; as provas e os insucessos o adestram e o preparam para maiores conquistas, aquelas que nascem da experiência e se fixam no espírito. 

Quer embaixo, quer no alto, a existência é sempre uma elaboração evolutiva, seja revestindo formas mais ou menos ferozes, seja assumindo aspectos mais ou menos espiritualizados. 

Elaboração evolutiva é o trabalho da matéria, desfeita no caos e integrada nos fenômenos cósmicos, como também, no extremo oposto, é a atividade espiritual do gênio e do místico que, desvinculando-se dos instintos da carne, transforma-lhes a potencialidade em manifestações espirituais. 

Todo o universo está empenhado neste esforço penoso da própria maturação evolutiva, que o deve reconduzir a Deus.
 

Hoje a vida tenta, na Terra, novas formas de expressão com um tipo mais evoluído o homem. 

A luta humana não está atualmente confinada no tradicional plano animal-humano, como até ontem, mas sé agita para sair dele. 

Ela não se resume mais na vitória de um grupo humano sobre um outro, permanecendo sempre no mesmo nível e sistema de vida, mas colima a vitória de um princípio sobre o outro, para fugir ao atual plano e sistema de vida. 

Em outros termos; encontramo-nos, não em período de estagnação, mas de transformação. Todo o esforço da vida concentra-se hodiernamente, não na sistematização e consolidação de suas posições, mas na tentativa de novas. 

É por isso que o seu dinamismo é febril e tudo parece esboroar-se 

Mas é justamente porque a vida está possuída de uma ânsia de construir, que ela se apressa em libertar-se, por toda parte, das acanhadas fórmulas do passado, das quais, assim ampliada, extravasa de todo lado. 

Tudo tende no presente à superação; por todos os cantos se anda à procura de novas fórmulas que possam dar expressão a uma vida que já não encontra espaço nas velhas. Jamais ela fervilhou tanto em criações. 

Quem quer que possua olhos de ver e ouvidos de ouvir, sente que o mundo está vertiginosamente lançado em direção a um transformismo evolutivo de uma intensidade e rapidez sem precedentes. E, num crescendo, a vida absorve as etapas para concluir, porque tem pressa de resolver o problema que a agita e atormenta.
 

Vemos, pois, nesta hora histórica a realização, não só do transformismo $ \gamma \longrightarrow \beta $, com a desintegração atômica e a gênese da energia da matéria, mas também um transformismo paralelo b®a, em que a vida, embora ainda primariamente, tende a tornar-se cada vez mais nervosa e psíquica, isto é, tende a espiritualizar-se. 

Assistimos a um universal processo de  espiritualização no sentido lato. A plena realização está ainda distante, mas o germe já está lançado. Muitos são incapazes de ver uma árvore na semente e não conseguem aperceber-se da sua existência, a não ser quando plenamente desenvolvida. 

Não importa! Eles chegarão a compreender mais tarde, mas chegarão. Toda semente é um explosivo da vida, no qual ela se concentrou aguardando o momento para explodir, e explodirá por força  de lei. 

E, no fundo, o ser humano está à espera de despertar aquele divino eu sou, que vem de Deus. Os novos e menores continentes do espírito aguardam os pioneiros que os conquistem, explorem e colonizem para a própria e nova grandeza. 

O esperado Reino dos  Céus não é vã promessa que deva permanecer no campo da utopia. Ele jaz no fundo das consciências e se realizará quando estas despertarem, quando nós pudermos compreender de que maravilhoso universo somos cidadãos.
 

Trata-se de movimentos de grandes massas. Hoje na Terra não existe mais uma classe social, uma aristocracia que se movimenta para a conquista do domínio sobre camadas sociais inertes e passivas. Hoje a fermentação evolutiva investe toda a massa humana. 

Poder-se-ia dizer que ecoa no sentido $ \beta \rightarrow \alpha $ , isto é, da vida para o espírito ou para a espiritualização da vida, desde o plano $ \gamma \rightarrow \beta $, com a desintegração atômica. 

Parece que ambos os fenômenos moveram-se paralelamente, obedecendo ao mesmo impulso de Deus  imanente, Que, fazendo pressão de dentro para fora, impõe à velha forma que cada passagem a uma nova, capaz de exprimir íntimos estados novos, que contínua pressão interior matura em milênios de silenciosa atividade. 

Tudo deriva do princípio da vida inerente aos seres. Hoje, este princípio se lança em novas rotas.
 

Baste-nos aqui, por ora, antes de prosseguir além, haver enquadrado o fenômeno da sublimação neste processo de espiritualização universal $ \gamma \rightarrow \beta \rightarrow \alpha $, que é o processo evolutivo. A sublimação mística não passa da fase mais elevada da espiritualização em nosso planeta Este é um fenômeno, como vimos, universal na vida.
 

É por ele que o mineral se eleva a vegetal, este ao animal, o animal ao homem, e este ao super-homem. 

Trata-se de um processo de sensibilização, que nos graus superiores se chama consciência e que vai desde a existência destituída de sentidos e encerrada em si mesma, como é a da matéria, a uma existência que se expande cada vez mais, em uma vida, a princípio vegetativa, depois sensitiva, a seguir racional, e finalmente intuitiva. 

Trata-se de uma gradual floração do espírito, que volta a encontrar a si próprio, expandindo-se sob a irradiação do centro-Deus. 

Agora pode-se compreender que, tendo a involução consistido na formação de invólucros, cada vez mais densos, em torno à centelha do espírito, em que ele permaneceu sepultado - a evolução, contrariamente, consiste na  progressiva destruição desses invólucros que se tornam cada vez mais tênues, até a completa libertação. 

O "eu" eterno, com o desmoronamento do sistema, não foi destruído, mas apenas envolvido no princípio oposto em que se invertem todas as divinas qualidades de origem. 

A evolução é um processo de maceração que consome os casulos, é uma chama lenta em que se evola a sua materialidade, facultando a evasão da sua prisão. Eis o que entendemos por espiritualização. Mas o fenômeno pode ser observado também de outros pontos de vista. 

Se concebemos o Centro no seu fundamental aspecto cinético, poderemos dizer que involução é progressiva imobilização no limite, e que evolução é desvinculação do limite. O aspecto de estado cinético pode significar, sobretudo, estado vibratório e a este é possível reduzir aquele estado do espírito que se chama consciência. 

O estado oposto, de imobilidade, de congelamento da vibração, significa então o estado de espírito que se denomina inconsciência. Que mais significa precipitar-se nas trevas, senão decair da sensibilidade, até à cegueira? 

Assim, o desmoronamento do ser consiste na  inversão do estado cinético, ou vibratório, ou consciência e conhecimento, máximo no centro — Deus, em um estado oposto, de inércia ou inconsciência ou cegueira. Na periferia embotam-se as qualidades dinamizantes e vivificantes, máximas no Centro. Não foi a matéria definida como energia congelada? 

A energia é também pensamento congelado. Lúcifer, como dissemos, é por Dante colocado no centro da Terra, imerso nas trevas, encerrado na imensa prisão da matéria, imobilizado no gelo, negação da mobilidade e do calor, elementos de vida. 

Para voltar a subir, o espírito tem de tornar à ordem a fim de fundir esse gelo, a fim de queimar no fogo da própria dor as escórias da forma que o encarcera. Tem que, como elemento primeiro de vida, reacender por si a chama que se extinguira. 

Nós temos até agora observado o grande desmoronamento da universo, para encontrar a gênese e a explicação do universo atual. Mas isto não basta. Dado que este é um estado bem doloroso, o que mais interessa ao ser humano é, sobretudo, saber como  dele sair. 

Eis por que é importante, no seio do universal processo da espiritualização, conhecer o processo humano da sublimação, porque ele representa para o homem a única solução do problema da dor. Desperta, ó homem, no espírito, porque neste, em teu âmago, está o infinito.
 

Sepulto em todas, as coisas está o pensamento divino que as rege. Mas em nada, como em ti, ó homem, esse pensamento se potencializou tanto na ascensão, desejando hoje dar mais um passo avante. 

Em $ \gamma \rightarrow \beta \rightarrow \alpha $, o processo evolutivo é uma reconquista e reconstrução do estado cinético, vibratório ou de consciência e conhecimento, que se perdera. Jamais como atualmente a batalha entre matéria e espírito foi tão encarniçada. 

Mas o espírito é o princípio do movimento e da força. Ele, no ser está apenas adormentado. Abençoemos as grandes dores dos nossos tempos, que o despertam.






[9] Maya (maia) - vocábulo técnico sânscrito (a antiga língua Índia), com a significação
filosófica de ilusão, engano, aparência irreal da natureza ou envoltório fenomenal do
Absoluto; (N. do T.)