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23/11/2015


IX
 

CONFIRMAÇÕES 

EM NOSSO MUNDO

 





 




"Portae inferi non preavalebunt [7]". 

Justo. Mas por que? 

Só agora podemos compreender as razões. A concepção dualística acima exposta, nos revela que, ao lado das forças boas do sistema, existem as satânicas do anti-sistema, que procuram inverter todo o sistema, para arrastá-lo igualmente na própria fatal destruição 

Mas em vão! A estrutura do Todo nos diz que o mal está irremediavelmente condenado em virtude da própria posição por ele assumida no sistema e pela natureza mesma deste.
 


O seu reino é periférico, está na forma. Ele pode encarniçar-se contra os efeitos, mas as causas primeiras estão além do seu assalto. Não ele, mas somente Deus detém o timão da grande nave do universo. Na estratosfera do pensamento está, pois, a grande paz das coisas eternas. 

Ali Satanás não chega, e tanto mais lhe fugiremos, quanto mais subirmos. Mesmo no reino da matéria, a sua vitória está encerrada no tempo. A eternidade supera e vence o tempo. Mas, por ora, a Terra é um dos seus reinos. 

O nosso mundo faz parte do universo desmoronado, e, por este motivo, a vida se desenvolve aqui em uma atmosfera de revolta, de mal e dor. Aqui, as forças satânicas podem manifestar-se, isto é, agir em sentido sinistrógiro e, por isso, as vemos exprimir-se na pulverização de tudo, no relativo. 

Dividir a unidade. fracioná-la cada vez mais até a sua destruição, este é o impulso de Satanás, com objetivo de demolir o sistema dextrógiro, unificador, retificador, tendente à plenitude da vida. 

Eis porque na Terra se eleva a barreira do limite a cada passo, sufocando a alma anelante de infinito, do qual nasceu e de que é feita. 

Eis o espaço dividido, que nos torna rivais E o espaço em si mesmo não tem limites! Eis o tempo seccionador, reduzido a medida de esforço e de ganho ("tempo é dinheiro!") e o temor de que nos falte. E o nosso espírito é feito para a eternidade! 

Eis a luta pela riqueza e o anseio infinito da alma ligada às efêmeras alegrias de um corpo caduco, quando riqueza e alegria são infinitas em Deus! 

Eis a um passo, ao alcance da mão uma abundância sem par, e ser-se dela separado pela incapacidade de conquistá-la!
 

Deus aí está, Que nos aguarda e, no entanto, não sabemos alcançá-Lo por preguiça, ignorância e incapacidade de compreender! Que barreira tremenda é a nossa involução! Estamos no reino da subversão dos valores. 

Tudo, de calmo, eterno, estável, faz-se agitado, fracionado, incerto. Tudo se torna calculado, pensado, pesado, medido, disputado. Assim nascem a miséria e a dor. Aí está o império do contingente, o afã de subdividir a atenção em particularidades, na análise sem fim do relativo. 

Eis o vórtice da civilização moderna que, com espírito satânico, porfia por triturar o espírito entre as engrenagens de suas máquinas; que, com a miragem de umas tantas vantagens materiais, destrói a maior riqueza da alma, que é a bondade. Vive-se. Assim, sob o terror de que falte tudo, quando tudo é infinito. 

Se fôssemos capazes de compreender que somos criaturas de Deus, isto é,
filhos do Pai Supremo, que o universo é construído para a nossa vida, primeira necessidade, e que esta é por consequência sumamente protegida por nosso Criador, que nos ama, não haveria razão para tantas e inúteis aflições.
 

É o Uno íntegro que aterroriza Satanás. Não conseguindo ele destruí-lo, procura demoli-lo até onde pode, o mais que pode subdividindo-o. Percebe-se nisto uma íntima vontade de pulverização, para chegar à destruição. Fragmentar, triturar, dividir e atirar um contra o outro, a dissensão, a contradição, a ânsia, o tormento, a guerra, tal é o ideal subvertido de Satanás.
 

Se descermos das grandes visões sintéticas para a realidade quotidiana de nosso mundo, neste também veremos que são elas verídicas e que as teorias acima expostas encontrarão continuas confirmações. A nossa realidade não se pode mesmo explicar e compreender a não ser em função delas. Por que, por exemplo o homem é tanto mais destruidor, quanto mais involuído? 

De onde deriva o instinto vandálico dos primitivos? E que quanto mais involuído o indivíduo, tanto mais próximo está do polo negativo do ser, e tanto mais afastado do positivo. 

Quanto mais for involuído, tanto mais na periferia do sistema se encontra o ser, tanto mais distante do centro genético de Deus, tanto mais invertido no sistema oposto a destruição. 

Assim se pode compreender como fosse fatal que Cristo encontrasse o martírio na Terra. Que mais pode encontrar aí quem, provindo do centro, se lança para a periferia, reino do anti-sistema? 

Aqui a manifestação do ser é a agressão e a destruição. Elas tiveram de defrontar-se com o Amor de Cristo, e com o Amor deveria vencê-las.
 

Que o princípio da destruição seja próprio da periferia do sistema e o princípio genético seja próprio do centro, prova-o também o fato de que as formas da vida para sobreviver têm que, continuamente, travar luta, resistir a assaltos, suportar um ambiente hostil, em que se faz sentir uma ação destruidora em seu exterior, enquanto, de seu interior, onde reside o princípio genético que todo ser possui no íntimo, elas recebem continuamente recurso de reconstrução (defesas orgânicas, reparação de tecidos etc.). 

A vida se manifesta, efetivamente, do interior para o exterior: 

esta é a direção do fenômeno. 

Este se nos apresenta como uma floração contínua, por obra de um influxo emanado de um imponderável no íntimo do ser, que faz pressão para manifestar-se no plano físico. Uma vez neste, fica sujeito a contínuos atritos e assaltos (sistema sinistrógiro), num desgaste lento até à morte, mas sustentado por um íntimo impulso vital (sistema dextrógiro), luta pela sobrevivência e, prepara, ao mesmo tempo, com a reprodução, a imortalidade.
 

Por tudo isso, a fadiga e a luta de viver são necessárias, porque da experiência nasce a evolução, que leva o ser a nível superior. Encontramo-nos no ponto de atrito (dor) entre os dois sistemas, devendo ser nosso trabalho de reconstrução com o desgaste do sistema sinistrógiro (o mal) em favor do sistema dextrógiro (o bem). 

Devemos restaurá-lo, porque nós o destruímos. E a justiça de nosso domínio sobre os seres inferiores se explica pelo fato de que, com o nosso esforço, mais temos avançado no caminho da reconstrução.
 

Este árduo trabalho não pode ser executado pelo espírito senão nas zonas periféricas da destruição, onde a matéria oferece mais resistência e o ambiente é mais hostil. Ele aí tem que se submeter ao sacrifício e à dor, para promover a evolução, isto é, aquela elaboração para a qual as zonas mais calmas do centro não poderiam oferecer nem oportunidade, nem o material. Mas, outra razão ainda existe para isso. A queda foi no estado de matéria, e o ser deve ressurgir dela, através dela, carregando-a consigo como seu corpo. 

A carga só poderá aliviar-se pela sua purificação e reespiritualização, operada pela dor. Decaído na matéria, ele deve reerguer esta parte decaída de si mesmo, reconduzindo-a, com o próprio esforço, ao primitivo estado de pureza e perfeição espiritual. 

Por este motivo, a evolução do ser se processa na matéria. Por mais que seja, essa projeção à periferia tende e serve para
elevar o ser até o centro. O sistema, contra todas as resistências do anti-sistema, é sempre construtivo.

Essa evolução procede do caos para a ordem, em todos os planos A primeira criação de espíritos foi um estado orgânico perfeito, em que reinava uma ordem hierárquica. O desmoronamento convulsionou essa ordem em uma hierarquia subvertida, uma anti-hierarquia do anti-sistema, contraposta à hierarquia do sistema.
 

Na anti-hierarquia o deus é Satanás e o bem é dado pelo mal e a perfeição está no caos A grande luta em nossa fase se trava entre os dois princípios e hierarquias, pela reconstrução do estado originário orgânico, partindo do estado inorgânico caótico, em que caímos e do qual evolvemos.
 

Por este motivo, as nossas hierarquias humanas são falsas e fictícias, não correspondem aos valores intrínsecos, porque as vezes elas expressam mais a anti-hierarquia do anti-sistema do que a hierarquia do sistema.
 

Mas em outros campos também a evolução procede do caos à ordem No plano social, o legislador humano repete o gesto de Deus, que enquadra a Sua criação na Lei. Legislador a principio armado de sanções ferozes e do terror das penas, para depois apoiar-se, cada vez mais, na convicção, na consciência da utilidade de seguir a lei. Assim se avança para a livre e espontânea observância, que substitui a coação. 

Quanto mais compreensivo se faz o indivíduo, tanto menos severa se torna a disciplina, transformando-se sempre o legislador mais em amigo que ajuda do que em um opressor. Assim também a idéia de Deus legislador abranda-se nesse sentido, com o progresso da consciência dos povos. Desta forma se compreende como o terror de um inferno feroz e eterno, ainda que, em Deus, essa idéia ofenda o princípio fundamental do Amor, tenha sido e seja uma necessidade psicológica para disciplinar o involuído.
 

A visão do sistema, acima exposta, explica-nos, também um outro fato, ao qual já acenamos no Cap. III "Egocentrismo". Por que o método do mal é o de oferecer primeiro a alegria e depois afogá-la na traição da dor, enquanto o do bem, ao contrário, é exigir primeiro o esforço, para em seguida dar a justa e proporcional recompensa? Tudo agora se torna lógico, pois que se trata de posições opostas, nos dois pólos contrários do sistema. 

Os métodos, efetivamente, são de oposição entre si. O primeiro consiste em sacar o gozo a crédito, sem a intenção de pagar, método desequilibrado, desonesto, irresponsável, adaptado à consciência do involuído que, em sua ignorância, é levado a fraudar, porque o crê possível e útil. 

O segundo antepõe o esforço à alegria, a fim de que tudo seja merecido, método equilibrado, honesto, de quem se sente responsável; método consentâneo com a consciência do evoluído, levado, por haver compreendido, a proceder com justiça, certo de que sé ele é útil e de que o contrário é nocivo. 

No primeiro caso gera-se a confusão tanto para o indivíduo como para o sistema; no segundo, a sinceridade está em toda parte. Cada qual coloca-se em um dado ponto do sistema, segundo a própria natureza. 

Se for involuído, permanece na periferia com um tratamento relativo ao seu nível; se for evoluído, ascende ao centro com resultados opostos. O sistema subverte-se tanto mais, quanto mais periférico for o ser.
 

Avizinhando-nos do polo negativo do ser. A livre lei moral do evoluído involve de tal maneira que se precipita no determinismo da matéria. Já no fim cio Cap. V dissemos que Dante colocou Satanás no fundo do inferno, no centro da Terra. 

Aqui a condensação física é máxima, como o é a pressão gravítica, ao passo que o purgatório se eleva do lado oposto, utilizando, como na técnica reconstrutiva do sistema, o material produzido pela ação do mal, para caminhar rumo ao céu, ao bem, espiritualizando-se, à medida que se distancia da matéria. 

Assim, também na concepção de Dante, o abismamento de Lúcifer é um meio para a formação do purgatório, instrumento do bem, meio de expiação. 

Desta forma, o mal, em última análise, torna-se um meio utilizado para a libertação do próprio mal. Os produtos da ação do mal, que escavou o abismo na Terra, servem para a edificação de um monte fora dela, no qual se prepara para a realização dos fins do bem.
 

Se soubéssemos ver em profundidade, poderíamos bem dar-nos conta deste fato, que se repete em tantos eventos de nossa vida, pelo qual o mal acaba por gerar o bem.
 

Os nossos juízos sobre a ação divina se detém na superfície e se limitam ao momento, e, pretendemos com eles concluir a respeito dos problemas que desconhecemos, frequentemente, algumas construções não se podem conseguir a não ser por reação, pois a do mal é o impulso a que o involuído mais obedece. 

Então, a força mobilizada não pode ser o bem, mas o mal. Por isso, as guerras, que parecem tão inúteis e homicidas, são muitas vezes úteis para determinar entre inimigos, que de outra forma se odiariam, a necessidade de coalizão com o objetivo de defesa comum, levando-os à unificação, uma das grandes vias evolutivas, que nos conduzem a Deus. 

A sabedoria da Lei, com frequência, se revela em excitar as nossas possibilidades latentes para que o bem, que está dentro de nós, possa aflorar pelo nosso esforço. Por isso, os assaltos exteriores do mal e da dor agem sobre todos indiscriminadamente. 

O efeito é que difere, dependente sobretudo da reação que a natureza de cada qual estabelece. Se o indivíduo for um involuído, tudo para ele pode tornar-se instrumento de perdição; ao contrário, se for evoluído, tudo se lhe transforma em meio de elevação. O primeiro, vendo-se acuado pelo mal, reage com o mal, descendo mais ainda. O segundo reage com o bem, elevando-se. 

A mesma força pode, assim, produzir dois efeitos opostos, conforme o ser com que colide, mas, em qualquer caso, pondo a descoberto a natureza do indivíduo. Isto significa tendência a aumentar-lhe as qualidades, sejam quais forem elas, tendência a assim resolver o dualismo da existência, quer para o bem, volvendo a Deus, quer para o mal. onde o ser se anula longe de Deus. 

Isto patenteia-nos que a fratura dualista do sistema tende verdadeiramente a consolidar-se, fundindo-se no Uno originário, que se reconstitui integralmente na sua primeira unidade. 

É verdade que o sistema fracionou-se, mas no seu seio permanece a imanência da Causa Primeira que o gerou, a qual representa um impulso permanentemente ativo na sua reconstituição integral.
 

É assim que tudo, inclusive as forças negativas, são compelidas pelo sistema a cooperar na reconstrução positiva. Qual maior prova do que esta da apenas aparente corrupção do sistema e da sua substancial integridade permanente? 

Se em seu aspecto exterior o nosso universo parece degradado, entretanto, na sua estrutura íntima ele é são e poderoso, equilibrado e sábio, incorrupto e perfeito, mesmo que os seus elementos negativos, pareçam funcionar com resistência; que em última análise, agem como elementos positivos colaborando à sua maneira, com sua natureza invertida, efetivamente para o restabelecimento e triunfo do sistema. Eis a que função criadora está votado um erro que poderia se nos afigurar irreparável! 

A íntima e divina potência criadora não se extingue e tudo sabe criar de novo! Neste sentido, dizemos que em nosso universo a criação é contínua, isto é, Deus, no Seu aspecto imanente, está permanentemente em atividade na obra da Sua reconstrução.
 

Que maior maravilha do que um sistema invertido no exterior, na forma, mas que possui, em seu âmago, uma alma, representada por Deus e por Suas criaturas obedientes, capaz de endireitá-lo e restabelecê-lo, fazendo de uma ordem decaída no caos, um caos que se reconstitui na ordem de um sistema orgânico? 

Que há de mais extraordinário que, num universo em que tudo está fragmentado e degradado, fazer dos escombros um excelente material de construção e das ruínas erguer um esplêndido edifício? O bem é tão central e forte no sistema que será sempre o senhor.
 

E o pobre mal rebelde, acreditando-se vitorioso, é reduzido à banca de prova na oficina do bem. Outra alternativa não lhe resta senão a de anular-se espontaneamente, reconhecendo-se errado, para aderir ao bem, ou de consumir-se até o anulamento, cedendo toda a substância de que se constitui ao seu inimigo, o bem. A rivalidade só colima um objetivo — o da pacificação. 

É assim que o erro da criatura é honestamente guiado para a sua automática superação. A criação desmoronou nas trevas mas em sua profundeza permaneceu muita luz. 

O espírito caiu no mal, mas em sua intimidade ficou o bem. Satanás desviou de Deus muitas almas, mas no interior delas Deus continua vivo, agitando-as para reconduzi-las a Ele.
 

Que sucede, podemos agora indagar, quando um homem pratica o mal? A técnica do sistema, como acima foi observado, diz-nos que ele, crendo na sua ignorância praticá-lo em seu favor na realidade opera em seu detrimento. Praticar o mal significa dispor-se a marchar contra a corrente do sistema, introduzir-se na corrente inversa, isto é, significa enveredar pela via ela autodestruição. 

A vantagem imediata poderá dar-nos a ilusão de vitória mas e necessário ver o que se paga por ela, o que ela nos vem custar em nossa ruína espiritual, isto é, em demolição de nosso "eu" . E isto significa inversão de todos os valores da vida, significa expulsão e isolamento do sistema. 

Então, neste, do qual não se pode sair porque ele é o Todo, do qual nem mesmo Satanás conseguiu sair, assume-se uma posição inversa, em que a riqueza se transmuda em miséria; o conhecimento em ignorância; a liberdade em escravidão; a alegria em dor etc. E, efetivamente os triunfos do mal são efêmeros ainda que as aparências momentâneas nos iludam. Não nos estagnamos no presente. 

A vida eterna é longa e em sua extensão tudo se paga. Quem entra na corrente sinistrógira, por mais que seja o seu poder como centro autônomo, está sempre cm uma corrente que tem contra si todo o universo. E também Satanás, o máximo rebelde, poderá vencer Deus?
 

Vitórias encerradas no tempo, maculadas de traição e prestes a ruir, porque fazem parte do sistema da revolta e do desmoronamento. "Portae inferi non preavalebunt". Quem pratica o mal, isola-se no Todo, e é envolvido pelo sistema para corrigir-se ou é combatido pela anulação, qual tumor patológico. 

Qualquer que seja a vantagem aparentemente obtida, a posição que dela resulta é um grande malefício para o ser, e os de quem a escolhe. Eis de como o mundo moderno, por não haver compreendido nada da estrutura do universo, está laborando em próprio dano. 

E terá de pagar por si mesmo, como é lógico no sistema. Ainda não aprendemos a compreender que toda infração da Lei é uma subversão parcial do sistema, que toda culpa que se repete estabelece a inversão das correntes das forças do bem nas do mal, em nosso prejuízo. 

Não conseguimos ainda entender que assim nos ligamos cada vez mais á dor, colocando-nos em uma posição revirada, de que não é possível sair, senão endireitando-a, com o próprio esforço. 

Assim se explicam tantos destinos carregados de impulsos negativos, que não podem cessar de atormentar-nos, enquanto não forem completamente exauridos.
 

O conhecimento da estrutura do sistema e de nossa posição nele, explica-nos o porquê da forma que assume em nosso mundo humano esse fator fundamental que é o Amor. É natural que em um sistema corrompido, tudo ofereça o seu contraste em mal e dor. 

Do eterno e divino Amor, ao qual se deve a gênese de todas as coisas, no grande naufrágio do ser, só ficou uma pobre caricatura dele, aqui na periferia em que nos encontramos. 

O seu produto tornou-se caduco; a vida que ele gera não é a vida eterna criada por Deus, mas uma vida fragmentada sempre ameaçada de precipitar-se na morte - a vida do corpo, a vida na carne. 

Do amor humano, que é uma corrupção, uma derivação involuída do Amor-divino, só pode emanar uma gênese imperfeita, continuamente contrastada pelo mal e pela dor. 

Mas não nos esqueçamos de que no interior da forma remanesceu a originária centelha do ser da gênese divina, o espírito "que não nasceu do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus", (João: 1-13). O amor se avizinha da incorruptibilidade originária, quanto mais evolve da matéria, sabe subir da forma corruptível ao espírito. 

Somente os produtos do amor feitos mais com alma do que de corpo podem resistir à destruição que o ser encontra na periferia, por serem o resultado de um processo genético menos periférico, qual a carne, e mais central, qual é o espírito, mais próximo de Deus. Só o amor feito de alma pode sobreviver à morte do corpo.
 

A própria forma que o amor assumiu na criatura nos fala de um universo desmoronado. Com a queda tudo se desmoronou, inclusive o amor. O indivíduo é, assim, incompleto, uma metade. O ser completo forma-se de dois sexos, as duas metades que, reunindo-se, reconstituem a unidade cindida. 

Sozinho, o eu deve sentir-se mutilado e perenemente à procura do termo oposto, somente com o qual pode completar-se, voltando a ser uno. Só assim se pode chegar à recomposição da unidade partida, atingindo-se, através do amor, a gênese criadora. Quanto mais periférico o ser, tanto mais separatista, isto é, egoísta no amor, que assim é sempre menos amor.
 

Quanto mais central for o ser, tanto mais é unificador, isto é, altruísta no amor, que assim é sempre mais amor. O Amor é o centro do universo! O amor evolve do egoísmo para o altruísmo, em vastidão, profundidade, potência e prazer. 

Ele deve tornar-se cada vez mais semelhante ao Amor de Deus e, quanto mais se lhe aproxima, tanto maior o seu poder criador. 

O amor egoísta, pelo gozo próprio, que o caracteriza, é um amor separatista, é a contradição de si mesmo, é um amor degradado, encerrado em si próprio, em um mar de ódios, um amor que, distanciado de Deus, cresce em poder destruidor e involve para a autodestruição.
 

Quanto mais a criatura inverter o modelo que deve imitar, tanto mais ela se põe fora da Lei. Esta, então, se houve abuso do prazer, contrai-se e nega o amor. Fica, então, fragmentado, tornando-se o outro termo inacessível. 

Nascem, assim, em ambos os sexos os invertidos cuja personalidade tem os sinais opostos aos do seu corpo. Deste modo a Lei se revolta contra eles, como eles se revoltaram contra a Lei.
 

Qualquer violação, seja do gênero que for, nos coloca em posição inversa, condenados à carência correspondente ao abuso O ser se deforma, não a Lei. Ele permanece estropiado no patológico, vulnerável, portanto. O mal fere aquele que o faz, não aqueles para os quais foi feito. 

Pretender gozar farta e ilicitamente significa privação futura, a consequente e proporcionado sofrimento de recuperação. Impõe-se depois a reconstrução na Lei, em que se deu a demolição, reconstrução com a própria dor, que outra coisa não é senão a originária alegria de existir, invertida pelo ser rebelde. 

À via da desobediência a Lei é a da autodestruição, pois que a Lei é a atmosfera de Deus, sem a qual falta ao ser a respiração da vida. 

E o homem, porque mais evoluído e, portanto, mais livre que o animal, pode pecar muito mais e por isso mais sofrer, porque mais conhece, e mais ainda deve aprender a conhecer, tornando-se cada vez mais ativo e responsável na Lei por ser cada vez mais investido na função de piloto da própria nave.
 

A morte e a dor são o tributo de todas as formas periféricas de vida e por conseguinte, também da vida terrena. Outro meio não existe de fugir a essas trajetórias extremas do sistema, se não restringindo-lhe as órbitas com o avizinhamento do centro, isto é, com a retomada da posição direita. 

Em nossa zona de vida, a corrupção do sistema acarreta a impossibilidade da afirmação do “eu sou”, que constitui a existência, a não ser pela negação intermitente desta, que é a morte.
 

Não se pode chegar ao ser, senão percorrendo o não-ser em etapas inexoravelmente ligadas à própria inversão, qual se desejou. Mas persiste o ser, que não pode morrer, porque é eterna centelha divina. 

Não pode morrer definitivamente como tal. Mas, entretanto, se deve viver, só pode fazê-lo de maneira fragmentária periodicamente submetido ao retorno agoniante da morte e do nascimento. 

Eis a vida, originariamente una e agora assim despedaçada. Essa precariedade, contudo, é a qualidade que lhe faculta a evolução, como único meio para que de cada vez ganhe em perfeição. 

O dano é, assim, ao mesmo tempo, remédio. Eis o doloroso ciclo incessante da vida e da morte, das sucessivas reencarnações, de que só a evolução espiritual nos poderá libertar. Na Terra, o princípio do “eu sou” (vida) mesclou-se ao do “eu não sou” (morte). 

A Lei impõe que a unidade fragmentada se deva refazer laboriosamente, através da dolorosa operosidade da existência:  

nascer e morrer, para renascer e tornar a morrer. 

Esta é a lei atual. O amor, igualmente, nessa zona do ser assumiu a cor dominante. Como se vê, há uma razão profunda pela qual o parto deva ser doloroso, mas não de ordem apenas fisiológica. 

E que a gênese criadora não somente tem de dar uma vida fragmentaria, mas também de cumprir-se em posição negativa de dor, isto é, às avessas do originário em Deus, em que a gênese é alegria. E o pouco de prazer que ficou no amor sexual não passa de uma ruína, de um fragmento uma antecipação da originária felicidade de criar em Deus. 

A alegria vem antes, e a dor depois, por isso mesmo que aqui continua a repetir-se o motivo originário da inversão, pelo qual a divina alegria de criar foi substituída pela dor da queda. 

A dor é ulterior, como uma traição, tal qual se deu com a revolta e segundo já vimos ser a regra na periferia, reino da ilusão, onde o mal nos embala primeiro com a miragem do prazer, para depois nos abandonar em um corpo que, apesar de mantido unicamente por este último raio da divina emanação, corrompe-se e não resiste. 

O nosso mundo, tão ávido de prazeres, mas ignorante na arte de saber buscá-los, não imagina absolutamente que o místico, em seus amores espirituais para com Deus e Suas criaturas, é o mais sábio e o menos iludido entre os gozadores.
 

Eis a grande condenação do ser decaído:  

só poder participar da divina alegria de criar, através da dor. 

"Crescei e multiplicai-vos", mas não para gozar, como crê o mundo, mas para atravessar a dor e assim percorrer o duro caminho da ascensão.
 

Cresça e se desenvolva a vida! Esta foi a lei que ficou, mas ralada na dor! Sede falanges, atados a roda da vida e da morte e que o ser aceite o prazer sexual, que o convida a  suportar as agruras restantes! Deus bendiz a união dos sexos, mas. . . Existe o grande "mas", pelo qual o homem inconsciente não suponha que, ao casar-se, vai ao encontro de alegrias da vida, mas sim do sacrifício de evolver e fazer evolver. 

O verdadeiro conteúdo do matrimônio é levar o amor a evoluir da sua forma egoísta, que pede prazer, à altruísta que, em dor e tormento, dá por amor não a si, mas aos outros. 

E desta forma que o amor se avizinha de Deus, elevando-se do plano animal à função evolutiva de reconstrução espiritual do ser. Quem cria apenas para o próprio prazer, mergulhará cada vez mais na dor, cada vez mais repelido para a periferia do sistema. 

Quem usar a inteligência, centelha divina, para fraudar a natureza, acreditando que espertamente lhe possa furtar prazer, inverter-se-á ainda mais dentro do sistema, e agora sabemos o que isso significa. 

Eis como, do grande movimento da criação, acima examinado, chegamos aos casos da vida que mais de perto nos tocam. Vemos, assim, de que longínquas origens cósmicas provém a lei moral, que regula a nossa conduta de cada dia. Redenção, ela é o nosso tributo, também no amor, que, entretanto, é a nossa maior alegria. 

O instinto fundamental do ser é criar, eco longínquo do primeiro impulso que Deus imprimiu a todos os seres e por eles repetido, revoluteando continuamente no mesmo ciclo e esquema fundamental do universo. Instinto irrefreável e que, contudo, termina na dor, mais não se poderia dizer sobre o instinto que leva à alegria e a fatalidade que conduz ao sofrimento, pois que este é o fundo da taça de todos os prazeres humanos. 

Um impulso irresistível impele-nos para a vida compele-nos a gerar, mas lhe obedecemos apenas para alimentar a morte. Não é este o último termo de toda a gênese humana? 

Esta é uma gênese que se exaure, se cansa, porque está ruída a originária potência divina que lhe concedia indestrutibilidade. Tudo na Terra se desgasta e exige contínua restauração. 

Iludimo-nos pensando em reviver nos filhos e nos netos, mas o tempo se encarrega de tudo destruir, tanto nós indivíduos, como nossa progênie, e tudo se desfaz no pó de todas as coisas, até à última recordação. 

O ser, aterrorizado em face do sacrifício de viver em uma existência despedaçada, em que o instinto originário é permanentemente traído, poderia furtar-se à vida. Mas também deste lado não é possível evasão. 

Estaria na condição de um faminto que, não podendo saciar-se na copiosa refeição que anseia, recusasse uma côdea de pão e preferisse morrer de fome. Uma recusa à própria vida ou a gênese de outras, significa distanciar-se ainda mais do centro, é uma aproximação maior do anti-centro do negativo; significa pôr-se a caminho do aniquilamento. 

É culposa, por conseguinte, uma castidade egoísta, cujo escopo é conjurar encargos e enfados, mas é santa uma castidade física que sacrifica os prazeres do sexo, para dar-se à gênese espiritual, em que a criação passará dos corpos para a alma, elevando-a para o centro - Deus. 

Somente nesta condição é lícito retirar-se da vida, porque realmente a ela se retorna em escala ainda maior. Assim um ser pode ter milhares de filhos, pois que a renúncia alcançará então uma proliferação, cuja intensidade a natureza desconhece.
 

Entramos, de tal forma em uma trajetória mais vizinha do centro, na qual as posições invertidas começam a endireitar-se, em que o sacrifício vem antes e a alegria depois e onde a gênese produz frutos que não temem a morte, porque eles mesmos continuam a gerar indefinidamente no tempo. O homem que lança uma idéia para o bem do mundo é um pai espiritual de uma capacidade genética desconhecida no plano material.
 

Estas são as leis da vida. Violá-las só pode acarretar dano ao violador. A vida é irrefreável impulso divino - O suicida é o maior negador de Deus, porque quem atenta contra a Lei é assassino também da própria alma. 

A vida quer expandir-se para voltar a ser o que era - infinita. A vida quer retornar à unidade. A união dos sexos tem o seu rito próprio e celebra, ainda que em forma profundamente reduzida, a conjunção final na unidade, dos dois semicírculos do grande ciclo do ser:  

o involutivo e o evolutivo, o momento supremo da reconstrução, o triunfo final da gênese divina. 

E assim que os seres, por instinto de unidade, se atraem. À solidão é terrível. Por isto, a vida procura a vida, as multidões atraem multidões. A segregação do convívio humano, como no cárcere, é punição e dor. E quanto mais involuído for o ser, e é mais fracionado, tanto mais se sente só e mais procura uma companhia.
 

Quanto mais espiritualizado for ele, mais evoluído, por conseguinte, tanto mais sente a vida universal por toda a parte, e menos se sente só em qualquer solidão aparente.

Ao concluir este capítulo, procuremos compreender o grande alcance das consequências práticas a que nos conduz a concepção deste volume. Tudo nos demonstra a verdade do quanto acima dissemos, isto é, que se o sistema desmoronou, permaneceu no fundo dele a imanência da causa primeira que o gerou e que está em nós sempre presente e ativa, para reconstruí-lo.
 

No piano físico, efetivamente, que é, em última análise, a “vis sanatrix naturae” [8], senão a expressão de Deus imanente? 

Ele está em nosso interior sempre atento à restauração da forma, que é protegida, porque é manifestação de vida no plano em que devemos elaborar-nos, para reerguer-nos. 

No fim do Cap. XV "Ã procura de Deus", concluiremos, descobrindo o divino na profundeza do nosso "eu". Sabemos que não é possível existir em nosso universo a não ser como um vir-a-ser. 

A criação não é um fenômeno estático, mas de incessante formação, que não se pode reger, nem se explicar sem esta permanente e operosa presença de Deus no Seu aspecto imanente. Quem mais poderia assim tudo reconstruir? 

E verdade que a morte ameaça continuamente a vida, mas é verdade também que quem acaba vencendo é a vida, reduzindo a morte a um meio de renovação, que é justamente o que determina a evolução, que avança para a superação da morte.
 

Esta presença de Deus patenteia-se não só no campo físico, como também no moral. Fala-se de impulsos reativos da Lei ao nosso erro que se chama culpa. 

A idéia do pecado leva-nos à concepção de que ele implica uma punição, quase uma vingança de um Deus, que com isto egoisticamente defende a Sua ordem violada, defende a justiça por Ele representada, em suma, mais a Si próprio do que a criatura. E assim, para nós, se explica a dor. Isto, porém, não basta. Agora podemos compreender melhor que se trata de um remédio que nos cura e de uma escola que nos instrui. 

A reação da Lei significa a salutar intervenção de Deus imanente a infligir-nos uma dor proporcionada e adequada ao fim, para que, através dela, o sistema possa reconstruir-se precisamente no ponto violado e assim o ser possa reentrar no binário da sua salvação. 

Todos os nossos males não passam, pois, de expedientes corretivos para retificar posições erradas por nós assumidas, e para ensinar-nos a viver na ordem divina, onde só pode haver felicidade. 

Assim, em qualquer campo, este impulso divino interior e restaurador nos acompanha para curar-nos. A própria moléstia é sua reação para sanar o nosso corpo. E quando o dano ultrapassou os limites permitidos, e a ordem (saúde) não se pode mais assim rapidamente restabelecer, essa mesma força, a que denominamos natureza, resolve, igualmente o mal, de maneira mais radical, por meio da morte, que permite recomeçar a vida sadia de novo.
 

Desta forma, no campo moral, todo excesso de abuso é compensado por uma proporcionada e específica carência. Mas, não basta dizer que isto é justiça e reconstrução da ordem. 

É necessário dizer, também, o que mais nos interessa, ou seja, a razão pela qual a dor nos flagela e essa reside no restabelecimento que opera em nós mesmos, para fazer-nos volver à ordem, onde somente podemos ser felizes. Com o erro não violamos apenas uma Lei que pertence a Deus, mas demolimos a ordem em nós, a ordem que é a nossa felicidade. 

E Deus não pensa egoisticamente na reconstrução da Sua ordem violada, mas sim em nosso bem estar, obrigando-nos, pela dor, a reconstruir ordem e felicidade. Uma conseqüência prática importante de tudo isto e a seguinte: 

é verídico que
devemos nascer e viver, como já dissemos, quase sempre para sofrer, porque esta é a escola da necessária reconstrução que nos incumbe.
 


É certo, também, que esta dor é lição e não vingança, querida por um Deus bom em vista, não do Seu, mas de nosso interesse, de nosso bem. De tudo isto se depreende que ela deve ser dosada, isto é, diminuir quando superiores às nossas forças, pois que a vida, que é sagrada, jamais deve ser ameaçada. Isto porque a dor não é reação cega, punição que esfacela, mas constrição ao esforço que educa e endireita. 

Nas nossas dores devemos ter sempre presente que não estamos tratando com forcas inimigas e inconscientes, tuas com forças boas, justas e sábias A dor, pelo contrário, se bem compreendida, deve fazer-nos sentir mais próxima a presença ativa e salvadora de Deus imanente, ao Qual mais nos devemos unir. 

Que maravilha para o intelecto e que conforto ao coração chegar a compreender que a dor é um ato de amor com que Deus nos agracia para induzir-nos a retomar o caminho certo de nossa felicidade, que havíamos abandonado!
 

Então, o intelecto compreenderá porque efetivamente as provas jamais podem superar as nossas forças e como elas se desvanecem mal se tenha realmente aprendido a lição. 

Compreenderá porque a Providência costuma tardar tanto, salvando-nos somente no último momento, ao cairmos sob o peso da cruz. Isto porque é necessário antes esgotar todos os recursos na aprendizagem da lição. 

Uma Providência que no-lo poupasse, trairia o nosso restabelecimento e prejudicaria a nossa evolução. Enfim, o coração encontrará em meio à dor o imenso conforto do amor, sentindo Deus a seu lado, Deus que no Seu aspecto de Filho, de Cristo, ampara a nossa cruz e a arrasta conosco, compartilhando de nossa dor. 

Pois que Deus imanente desceu a sofrer na forma, no íntimo do "eu" da criatura decaída, para reerguer-se nela ao Seu aspecto originário e perfeito de Deus transcendente.


[7] - A frase foi extraída da VULGATA: "Portae inferi non preavalebunt adversus eam"; "As portas inferiores (do Inferno, do Hades) não prevalecerão contra ela", isto é? as forças inferiores, infernais não vencerão as do Bem. Ela faz parte do contexto evangélico de Mateus, 15:20, quando Jesus Cristo se dirigiu a Simão Pedro, em misteriosa e solene revelação, dando-lhe ciência de sua futura missão na Terra.
Aqui, Pietro Ubaldi atualiza o conteúdo dessa remota revelação, reafirmando que as forças do Bem jamais serão vencidas pelo mal. (N. do T.)

[8] - “A força curadora da natureza”. (N. do T.)




17/11/2015


VIII

 

SOLUÇÃO ÚLTIMA 

DO PROBLEMA DO SER

 






Pouco a pouco a nossa descrição progride, a visão se faz mais completa, também no intelecto do leitor, ao qual estamos aqui fazendo uma exposição racional.

Não quisemos conferir a esta uma forma sistemática, como raramente acontece quando se apresenta um processo psicológico de quem escreve, cristalizado nos seus resultados finais, sem demonstrar o seu desenvolvimento genético. 

Preferimos aqui começar a descrever a visão à medida que a observamos, de modo que o leitor pudesse seguir o desenvolvimento, segundo o qual ela, embora instantânea em sua natureza, apareceu progressivamente em nossa mente . 

Assim procedemos, não só para facilitar a compreensão, mas também para facilitar ao leitor acompanhar igualmente o fenômeno psicológico do registro da visão, como na realidade ocorreu. Tudo isto, porque, não significa que, por não ser sistemática, a exposição não possua um encadeamento lógico, porque toda a visão é substancialmente um processo lógico.

Certamente, a psicologia racional, que é a forma da mentalidade hodierna e, por conseguinte, da maioria dos leitores, está muito distanciada da forma mental intuitiva, por meio da qual as visões são percebidas. Por isso mesmo, procuramos sempre reduzir tudo aos termos da psicologia racional, a fim de colocar-nos no plano no mental do leitor. 

Em verdade, o crítico extremado poderia objetar que os dois princípios fundamentais - amor e liberdade - sobre os quais se eleva o edifício conceptual atrás exposto, são absolutamente incontroláveis. Eles aqui são aceitos como axiomas não demonstrados, consequência do método intuitivo. 

Não é preciso demonstrar a quem vê que a luz existe. Mas nós queremos aqui colocar-nos de acordo com a psicologia corrente. Limitamo-nos, pois, a aceitar a intuição apenas como hipótese de trabalho. Apresentar o pensamento sob esta forma significa torná-lo mais compreensível e aceitável, em nosso tempo. 

Podemos, assim, encarar toda a visão como uma hipótese de trabalho. Não importando se se trata apenas de forma. O importante é conseguir a exposição de um quadro completo e pormenorizado, que resolva todos os problemas do ser.

Continuando a proceder com esta psicologia, poderemos dizer que, só quando os fatos confirmarem a hipótese, é que a aceitaremos como verdadeira. Teremos, assim, assumido a atitude que coincide com a psicologia hodierna, e o leitor poderá, então, ler estes capítulos com esta mentalidade, sem que nada se altere Permaneceremos, desta maneira, obedientes aos requisitos científicos da pesquisa. 

O leitor que ama e escolhe esta forma mental, deverá, porém, admitir que. se tal via fosse seguida pelo escritor nada teria quem sabe depois de quanto tempo! Se ele chegou logo à visão completa do quadro resolutivo e das conclusões, é necessário aceitar que isto só se deu em virtude do método da intuição e as concepções sintético-intuitivas, e não analítico-racionais. 

A resultados tão amplos quanto estes não se chega nunca com a observação e a experimentação, através da hipótese e da razão. É necessário admitir que conquanto a solução dos últimos problemas deva aqui sei apresentada em forma racional, ela só poderia ser obtida por via intuitiva.

Pode-se objetar contudo que a intuição também está sujeita a enganos, necessitando ser controlada. Por esse motivo ela não pode ser erigida em método de uso corrente, mas é também verdade que o uso corrente bem pouco descobre de novo, limitando-se, frequentemente, a demonstrar e a aperfeiçoar o que foi apanhado pela intuição. 

Assim, só nos resta aceitar a intuição, quando o indivíduo sabe alcançá-la, submetendo-a depois ao controle, para verificar se os seus resultados coincidem com a realidade. Os exemplos que aqui aduzimos, retirados do mundo dos fatos, estão sempre em favor da visão. O leitor poderá buscar outros, contanto que cuide antes de compreendê-los bem e enquadrá-los no sistema, para verificar se há correspondência.

Trata-se de colocar, como no quadro de um grande mosaico, cada peça no seu justo lugar para obter a imagem perfeita. Por estas observações o leitor poderá compreender como a forma racional aqui usada é uma tradução da visão em uma outra linguagem, o da forma mental racional. 

Poderá, do mesmo passo, compreender que a psicologia de absolutismos axiomáticos, com que algumas afirmações são aqui feitas, não é uma inconsistente pretensão de verdade, mas que deriva da sensação do absoluto verdadeiro que se passa com todo aquele que contemple qualquer fato por percepção direta. 

Ora, quem aqui escreve não pode fazer sentir ao leitor esta sua sensação. Não lhe resta, assim, outro recurso que não seja o do raciocínio e da demonstração indireta, como àquele que tivesse de explicar a um cego um panorama que tenha diante dos olhos. 

O leitor poderá, assim, compreender quão estranho deve parecer a quem se encontra imerso em uma visão, ter de apresentá-la como hipótese de trabalho. Entretanto, ele deve saber exprimir-se também nessa forma, se quiser ser compreendido.

Chegados a este ponto, podemos dizer que temos sob os olhos um quadro suficientemente completo da criação, para poder contemplá-lo no seu conjunto.

Também A Grande Síntese nos apresenta esse quadro, mas dentro de limites mais restritos. Ela não vai além dos confins de nosso universo, não lhe aprofunda as origens. Comprovando a existência de uma Lei, cujo funcionamento e desenvolvimento estuda, não explica as razões pelas quais ele tenha tomado a sua forma atual. 

E de A Grande Síntese, o volume Ascese Mística só aprofundou e desenvolveu o estudo particular de uma fase da evolução: 

o superconsciente intuitivo, especialmente no misticismo. 

No presente volume a visão se dilata para além da criação atual, da qual se veem os precedentes, as causas e o significado, em um sistema mais vasto, qual é o sistema do absoluto, o sistema do Todo, o sistema de Deus.

Voltemos a contemplar a visão no seu conjunto, nos lampejos da síntese. O homem racional, positivo, poderá tomá-la como hipótese de trabalho, para fazer o seu controle nos pontos acessíveis ao homem, já que se trata de uma projeção analógica do esquema universal em nosso plano de existência.

Antes que qualquer coisa tivesse princípio, fora do tempo, nascido depois, existia Deus que foi, é e será sempre o Todo, ao qual nada se pode tirar, nem acrescentar, mesmo em sua criação, que não pode estar acima ou além, mas sempre, como Sua emanação. 

Sua característica fundamental era o amor, qualidade pela qual se exprime a natureza de Deus, princípio de que derivam todos os outros, primeiramente a liberdade do ser e, depois, as outras como o bem, a bondade, a harmonia, o poder, o conhecimento, a beleza. a felicidade etc., em suma, tudo o que de mais belo e melhor o ser possa imaginar. 

São princípios que o homem encontra instintivamente em si mesmo, aceita como axiomas e segue sem discutir, com ardente anelo. Ninguém necessita de demonstração para obedecer a tais impulsos, que são inerentes à natureza humana. 

Afinal, tudo isto faz parte do absoluto, que está além da razão, e da qual com esta só nos é dado controlar as consequências, em nosso relativo que no-lo confirma. Admitir o princípio de Amor, tudo o mais procede logicamente. À razão não pede mais do que admitir esse princípio, o que, aliás, é instintivo. 

E o quanto basta para o desenvolvimento lógico ulterior. Deus, causa primeira sem causa, não tem princípio nem fim e tudo gera sem ter sido gerado. Deus simplesmente “é”, e tudo Ele “é”, não encerrado no limite de nenhuma dimensão. As várias dimensões nascerão depois, entre as quais o tempo e o espaço, apenas como limites do ser, enquanto Deus é o ser sem limites. 

Eis, então, que Deus transcendente, que “é” acima e independente de qualquer criação Sua, acima da atual, como de qualquer outra possível, eis que Deus realiza, com respeito à atual, a Sua primeira criação, feita de espíritos perfeitos. 

Ele destacou do Seu seio, por Amor, seres feitos à Sua imagem e semelhança, para amá-los, incluindo-os na Sua própria felicidade. Isto ocorreu segundo um sistema, cujos princípios fundamentais eram aqueles mesmos que observamos na natureza do Pai, que os gerara. Nesse sistema tudo era feito à Sua imagem e semelhança: 

Ele era Único e tudo encerrava, nada havendo fora e além Dele e dos Seus princípios e perfeição.

Ora, dada a liberdade do ser, inata no sistema, por ser da natureza de Deus, de que ele proviera essa primeira criação perfeita degenerou, em consequência da revolta examinada nos capítulos precedentes. 

Parte dos seres permaneceu íntegra, incorrupta e assim se conservou sempre, mantendo-se no sistema perfeito originário, por haver aderido livremente ao Deus transcendente, outra parte rebelou-se e, por isso, corrompeu-se, dando origem a um segundo sistema, derivado e imperfeito, invertido, de oposição a Deus, tendo o centro em ponto antípoda, em polo oposto, no anti-Deus, em Satanás. 

O sistema único cindiu-se então em dois - sistema e anti-sistema - nascendo o dualismo de dois sistemas opostos, um perfeito e o outro imperfeito, não mais segundo um esquema de unidade íntegra, como antes, mas segundo um esquema de unidade cindida, que não pode existir, senão constituída de duas partes inversas e complementares, opostas e fundidas conjuntamente. 

De então por diante, a unidade não poderá mais ser obtida a não ser através da luta entre as duas partes contrárias, princípio universal, que encontramos por todos os lados. Essa é gênese do principio da unidade e dualidade, sumariamente exposto em A Grande Síntese. Por esta razão, o nosso universo é construído de acordo com esse esquema, desde o caso máximo até o caso mínimo.

Agora podemos compreender por que Deus transcendente e não somente pessoal, visto ser um “eu sou”, da mesma forma que todas as criaturas feitas à esta imagem e semelhança, mas também porque Ele pode ser considerado acima e independente de qualquer criação Sua, além do bem e do mal, isto é fora do esquema dualístico em que está baseado o universo atual. 

O dualismo nasceu com o referido desmoronamento do sistema em seu anti-sistema e está destinado a ser sanado, representando, pois, apenas um momento na Divindade. Deus “é” sempre, antes do desmoronamento e depois da reconstrução, além deste período dualístico. No absoluto Deus “é” simplesmente uno, acima desta cisão, que concluirá na junção das duas partes e que, por isso, constitui apenas um episódio no divino e eterno existir.

Mas, então, foi justamente com o desmoronamento do sistema no anti-sistema que se formou a contraposição — transcendência e imanência. Esta cisão do único aspecto, o absoluto de Deus, no de Deus transcendente e Deus imanente, representa justamente a cisão do Uno, que, como Uno absoluto, reúne em si os dois aspectos. 

Ele é ambos ao mesmo tempo, estando acima da cisão, sem poder ser um só deles, ou seja, não é exclusivamente transcendente, exclusivamente imanente. Desta forma, compreenderemos que a visão dualística, a do Uno bipartido, é relativa à posição do ser no universo atual e no período da cisão, não possuindo valor absoluto. 

Em outros termos, se encarado do seio de nosso universo, Deus pode parecer à criatura como imanente ou como transcendente, isto é, poder ser concebido sob dois aspectos diversos, desde que saiamos do relativo para o absoluto, deveremos admitir a existência de Deus em um Seu só e único aspecto, que está além de qualquer dualismo e criação, ao qual denominaremos Deus absoluto.

O ser vive, presentemente, imerso na cisão. Se concebe a transcendência, é porque se coloca no aspecto imanência e, se concebe a imanência, é porque se põe no ponto de vista da transcendência. Uma presume a outra e ambas são complementares, como duas metades do Uno indiviso. O ser é incapaz de conceber fora de relações.

Desaparecida a contraposição dos contrários, a sua percepção e concepção se anulam. Para compreender, pois, o Todo Divino, o Deus absoluto, é imprescindível compreender ambas as metades da unidade e depois reuni-las. Compreender de Deus um só aspecto, qualquer seja ele, significa atingir uma concepção falha e unilateral.

Admitindo Deus apenas como transcendência, o ser se defrontaria com uma abstração, de tal forma destituída de expressão, que ela se confundiria no nada. O universo lhe pareceria, então, um autômato vazio de alma, um sistema estático, incapaz de reconstruir-se e reerguer-se até Deus. 

Admitindo Deus apenas como imanência, chegaremos a um universo através de um caminho sem fim, não tendo ponto de partida nem de chegada, teremos uma unidade despedaçada, sem possibilidade de se reconstruir. É necessário compreender essa descida do Deus transcendente na imanência em seguida ao desmoronamento do sistema. 

Quando este, por culpa da criatura, cindiu-se em dois, Deus não quis abandonar o sistema invertido, conservando-se presente nele (imanência), para poder realizar assim a sua salvação, em um trabalho constante de reconstrução (criação contínua), pelo processo que denominamos de evolução.

Deus, em perfeita coerência com o princípio fundamental do Amor, acompanhou o edifício desmoronado que permaneceu Ele mesmo, embora em posição invertida, um Deus em negativo, como se Ele mesmo se tivesse invertido. 

Desta maneira, Deus se faz, por Amor, imanente, e neste Seu segundo aspecto desce às formas, à criação, que assim se tornam em Sua manifestação ou expressão. Eis de que modo o universo é regido pelo pensamento de Deus (a Lei). 

No fundo do anti-sistema está sempre o sistema, no fundo dos espíritos decaídos, está sempre a originária centelha divina. Não pode existir no universo nada que não seja Deus. Será um Deus invertido, mas será sempre Deus.

Aproximamo-nos agora de nosso mundo fenomênico, mais controlável pela observação. O desmoronamento do sistema é representado pelo processo involutivo que procede de $ \alpha \rightarrow \beta \rightarrow \gamma $, isto e, do espírito á energia e desta à matéria. 

Assim nasce a matéria. Eis a criação de nosso universo dinâmico e físico. Compreende-se, pois, como esta não foi a criação originária, perfeita, operada por Deus mas apenas uma inversão e uma corrupção dela, operada pela criatura, e não por Deus, em razão da sua liberdade. Deus, porém, não abandonou o ser aberrante. 

Abre-lhe de novo os braços, apontando-lhe uma via de recuperação e redenção. Desta forma, Deus o aguarda no ápice do caminho oposto, o da evolução, que se processa de $ \gamma    \rightarrow \beta \rightarrow \alpha $, o caminho de nosso universo, no plano físico e dinâmico, e dos seres mais evoluídos, como o homem, no plano espiritual ($ \alpha $). Eis por que o nosso é um universo em evolução e o motivo por que a lei de ascensão é a lei fundamental de nossa existência.

Não basta, contudo, ter verificado o fato, como nos volumes anteriores. Precisamos compreender por que este fato existe nessa forma. Por isso a dor é herança da criatura, sendo a redenção, através das provas da vida, o seu necessário trabalho fundamental. 

Essa a razão por que Cristo desceu à Terra e por que Ele é a figura central na história da humanidade.

Podemos agora compreender o nosso universo. Ele é uma criação negativa, não a originária, mas uma segunda, derivada e corrompida, consequência da primeira. Aqui, o primeiro sistema se inverteu e o vemos revirado. Aqui, o espírito eterno e perfeito se precipitou na matéria caduca e imperfeita. 

O amor tornou-se físico, de corpos prontos a entrar em decomposição. Aqui, a existência eterna se despedaçou no ciclo em que gravitam como duas metades os dois opostos vida-morte, encerrados no tempo. A felicidade naufragou na dor, o espírito infinito se enclausurou no limite do finito. 

A medida originária, incorrupta do ser não é o tempo, mas a eternidade; não é o finito, mas o infinito; não é o relativo mas o absoluto; e assim para cada qualidade humana, da qual só restaram ruínas. Explica-se, desta forma, por que o instinto mais forte e a maior alegria do ser sejam a superação do limite. É que eles significam a reaproximação do centro e o reencontro com o originário infinito.

O universo que a ciência estuda é exatamente este invertido, em que o Uno está pulverizado na infinita multiplicidade fenomênica do relativo.

Pretender reconstruir, com essa poeira conceptual, o princípio unitário e o esquema universal, a síntese máxima, tomando contato com o mundo fenomênico através da observação e experimentação, é simplesmente uma louca pretensão. É isto o que deseja fazer a ciência. Já em outra ocasião o dissemos, mas só agora podemos saber as razões de semelhante absurdo.

Uma das vantagens, e mesmo novidade, da presente concepção está em ser uma síntese, que pode fundir com um só sistema unitário o mundo físico e dinâmico ao espiritual, até agora inteiramente distintos, ignorantes, senão inimigos (ciência e fé) entre si, sendo o espiritual negado definitivamente pela ciência. 

Mas somente com estas concepções é possível compreender de que maneira o desmoronamento moral possa ter-se tornado físico; de que forma, de uma cinética de conceitos (revolta dos espíritos) tenha podido nascer uma cinética involuída, a da energia, que, por sua vez, se congelou na matéria. 

O desmoronamento é moral, enquanto permanecermos na dimensão a, consciência. Ele torna-se dinâmico, quando o sistema involve na dimensão inferior (mais afastado de Deus) da energia. Transforma-se, finalmente, em físico, quando o sistema involve na dimensão matéria.

Eis como surgem e se resolvem múltiplos problemas, tanto espirituais como físico-matemáticos, tendo todos a mesma raiz comum, o mesmo tronco unitário que os coliga à mesma síntese e a um idêntico princípio. 

Observemos agora as particularidades desse desmoronamento, que vai do espírito à matéria por uma linha contínua. Desta forma obteremos igualmente as características da fase atual, evolutiva, inversa da precedente involutiva, apenas com a reviravolta de posição. 

Para compreender o desmoronamento e o caminho por ele percorrido em descida, na demolição do sistema, é necessário que nos reportemos aos capítulos que tratam da evolução das dimensões expostas em A Grande Síntese (Cap. XXXVI: "Gênese do espaço e do tempo", e Cap. XXXVII: "Consciência e Superconsciência. Sucessão dos sistemas tridimensionais"). Em nosso universo, o nosso poder de concepção não abrange mais do que dois sistemas dimensionais trifásicos que, escalonados em direção ascensional (para Deus) ou evolutiva, são:

I - Sistema dimensional trifásico:
(Início: - Ponto - não dimensão - o nada espacial.)
1ª dimensão - linha;
2ª dimensão - superfície;
3ª dimensão - volume.
II - Sistema dimensional trifásico:
1ª dimensão - tempo (consciência linear)
2ª dimensão - consciência (razão, análise = superfície)
3ª dimensão - superconsciência (intuição, síntese = volume)
Sistema Dimensional 1ª
dimensão
dimensão
dimensão
Sistema Dimensional
Trifásico - I linha
superfície volume
Sistema Dimensional
Trifásico - II tempo
consciência
super-consciência

Além destes dois sistemas está o inimaginável para a mente humana. Embora, como dissemos no início do Cap. VI ("Desmoronamento e reconstrução do universo"), o desmoronamento proviesse de dimensões superiores ao superconsciente, não podemos lhe traçar a análise, porque, ainda que se possa em parte atingir a abstração físico-matemática, o fenômeno nos escapa, porquanto dele nos foge qualquer possibilidade de representação.

Vejamos, pois, o processo de desagregação do sistema — a involução, que, mais tarde, retificar-se-á no processo oposto — o evolutivo. Movemo-nos, agora, apenas dentro dos limites de nosso universo, isto é, no interior dos dois sistemas dimensionais trifásicos, acima mencionados.

Eis que os espíritos puros, rebeldes, isto é, colocados em posição sinistrógira, no sistema dextrógiro, provocam uma contração ou curvatura cinética na substância, que estamos observando sob o seu aspecto de movimento. Inicia-se, então, o desmoronamento do ser ao longo da escala das dimensões. 

A intuição sintética (visão direta da Lei — pensamento de Deus), contrai-se na simples racionalidade analítica e sucessiva, à guisa de volume que se distenda em uma superfície. Então esta dimensão (consciência) contrai-se ainda na dimensão tempo, como uma superfície que se desfizesse em uma linha. Tais são as primeiras três etapas da descida:  

a super-consciência (espírito) transmuda-se em consciência (vida), e esta em tempo (energia). 

Mais para cima existirão outras fases e sistemas dimensionais, dos quais e através deles o espírito pode ter sido precipitado, mas que não nos é dado conhecer.

Assim, o sistema mais elevado, o IIº sistema dimensional é demolido, e a consciência, reduzida à linha no tempo, precipita-se ainda para os confins do sistema dimensional inferior — o Iº — e mergulha então no volume, que para ela significa uma não -dimensão, isto é, anulação como consciência. 

O espírito deixa, então, de existir como espírito, isto é, perde a consciência, anula-se como tal. Isto não significa a sua destruição, mas apenas a sua anulação como vida e consciência, sua atual forma de existência, em um estado de latência em que permanece sepultado. Assim chegamos à matéria.

Começa, agora, um segundo período de demolição. O volume se contrai na superfície, esta na linha e esta se anula no ponto. Assim o sistema dimensional inferior é também destruído. 

Com isto anula-se o ser, não somente como consciência e vida, como foi atrás descrito, mas também como forma inferior de existência, único meio que lhe restava no fim do desmoronamento do sistema superior, para continuar a existir ainda que em condições inferiores á da forma de vida. 

A matéria era o túmulo em que o espírito se sepultava como morto, em letargia Agora também, o túmulo se anulou, porque o sistema espacial foi anulado no ponto.

Procuremos compreender esse processo, repleto de ensinamentos. em qualquer campo. Os capítulos acima mencionados (XXXVI e XXXVII) de A Grande Síntese nos explicam como se constroem evolutivamente as dimensões mais elevadas, erguendo-se das inferiores. 

Este é o caminho inverso ao que foi acima examinado; é o caminho de retorno. Abordemo-lo para assim percorrer o processo em todas as direções. O ponto é a dimensão espacial nula. O universo espacial, nesta fase, encontra-se no vazio. A 1ª dimensão, a linha, obtém-se elevando-se uma perpendicular sobre o ponto. Que queremos significar com tal afirmativa, além de qualquer representação geométrica? Queremos dizer que quando o centro do sistema, no seu aspecto cinético em que é aqui considerado, isto é, como movimento, irradia um pouco de si mesmo até o ser, transfunde neste parte da sua natureza e atributo. Então o ponto se move e desse movimento nasce a linha. É princípio geral que se passa da dimensão inferior à superior, em qualquer nível, através sempre deste mesmo processo, que, geometricamente, representamos como uma elevação da perpendicular sobre a dimensão inferior, pelo que esta é abandonada. Isto significa tão-somente um deslocamento, por emissão cinética, da dimensão inferior em uma nova direção fora dela, que a levam além dos limites que a constituem. Basta mesmo um pequeno deslocamento, contanto que se processe neste sentido, para que sejam superados os limites da dimensão inferior e alcançada a dimensão superior. Este é o significado que emprestamos aqui à expressão geométrica empregada — elevação da perpendicular — expressão que adotamos porque é concisa e de mais fácil representação.
Eis que a 1ª dimensão linear atinge a 2ª — superfície, através do mesmo processo — perpendicular elevada sobre a linha, ou também, deslocamento da linha em uma nova direção, fora da precedente e, por conseguinte, do seu limite linear, e isto sempre por imissão cinética, por irradiação do centro do sistema, DEUS, motor universal. É facilmente imaginável, quer no sentido físico, quer moral, uma semelhante emanação, dinamizante e que, quando esta alcança o ser, qualquer seja o plano em que se situe possa imprimir-lhe um novo movimento, que o eleva à dimensão superior. E, da mesma forma, fácil imaginar que, quando, ao contrário, o ser é posto à margem de semelhante irradiação (veremos depois como), desenrola-se o processo inverso, que denominaremos abaixamento de perpendicular, isto é, contração de dimensão, pela qual ele cada vez mais se confina nos limites do próprio plano, dos quais antes se estava libertando. Nasce, assim, a superfície. Atinge-se a 3ª dimensão espacial: volume, pelo mesmo processo. Eis o volume, estando completo o primeiro sistema. Da mesma forma, pelo princípio de analogia e dos esquemas de tipo único, prossegue o processo da construção do sistema trifásico superior. No volume ou matéria, dimensão espacial completa, a superior 1ª dimensão conceptual é nula. Mas, elevando-se uma perpendicular sobre o volume, pela emissão do centro radiante de novo potencial cinético, o volume se move. Nasce a energia na sua dimensão tempo, a 1ª do novo sistema trifásico correspondente à reta. Os esquemas se repetem analogicamente nas fases correspondentes do sistema inferior ao superior, segundo os mesmos princípios. Chegamos, assim, à consciência linear, que não pode expandir-se ainda além da linha do seu transformismo e só conhece o seu isolado progredir no tempo. Com o mesmo processo, que chamamos elevação de perpendicular, isto é, por emissão cinética, se atinge a consciência (vida) correspondente à 2ª dimensão do sistema espacial: a superfície. Fase subumana e humana, em que a consciência linear se deslocou em novas direções laterais e pôde percorrer, além da própria, também o transformismo de outros fenômenos; sabe distinguir-se deles, aprende a dizer "eu", projeta-se no exterior, observa e julga. Estamos na fase racional analítica Movendo-nos ainda em novas direções, por meio do que chamamos elevação de perpendicular, isto é, emissão cinética e novo movimento. entramos na 3ª dimensão do sistema conceptual, que corresponde ao volume. Atingimos o campo do espírito, da intuição sintética, da visão direta da Lei, do pensamento de Deus. Por tudo isso se compreende como seja a ação dessa irradiação do centro do sistema, isto é, a imanência de Deus nele, que opera a evolução, a reconstrução do universo, a sua redenção. Vemos, assim, que a originária lei do amor atinge toda a sua plenitude e como o ponto de partida, Deus, tudo reconduz ao ponto de chegada — Deus.
O exame desse processo nos exprime claramente o desenvolvimento do fenômeno. Podemos, agora, invertendo o caminho, melhor compreender o processo oposto, do desmoronamento, do qual pretendemos melhor ocupar-nos, observando-o mais de perto. O sistema é um edifício regido pela radiação dinamizante que emana do centro. Quando, na ordem universal dextrógira, se isolaram, pela revolta, os elementos que esta se tornaram sinistrógiros, eles arvoraram-se em centro, com a pretensão de irradiar, mas só conseguiram fazê-lo no exíguo círculo dos seus satélites ou elementos sequazes. A grande emissão cinética dinamizante, emanada do verdadeiro e máximo centro, Deus, não pode agir para eles como impulso dinamizante. Pelo contrário, havendo-se eles tornado de sinal oposto, só pôde ela atuar como atrito, resistência, impulso frenador, isto é, como força, não construtora, mas demolidora do sistema.. Começou, então, ele a demolir-se automaticamente, plano por plano. Ao invés de expandir-se, contrai-se; em lugar de vaporizar-se, congela-se; e as mencionadas perpendiculares abaixam-se, em vez de elevarem-se. Tudo se inverte no negativo. Enquanto antes se passava para uma nova dimensão superior, por imissão, por irradiação provinda do centro, de novas qualidades cinéticas, e, pois, com um movimento em novas direções, agora, na fase involutiva do desmoronamento do sistema ocorre o contrário. Passa-se para uma nova dimensão inferior, não por suspensão da irradiação central, pois que Deus é sempre benéfico, para onde quer que irradie, mas por desgaste do anti-sistema, em virtude justamente do atrito que essa irradiação benéfica nele sofre, de modo que o bem para ele, agora, em posição retrovertida, se transmuda em mal, a potência construtora em destruidora.
Sob esse impulso dinamizante, assim invertido para os anti-sistemas em assalto destruidor (cuja culpa só lhes cabe, por se terem posto contra a corrente), eles, para continuar a existir resistem, conseguindo-o através da contração crescente em torno do seu centro, "eu" do sistema. A universal substância animadora do Todo, que agora observamos na sua natureza cinética, fica assim isolada nestes anti-sistemas, fechados em si mesmos e arredados da universal fonte do ser: o centro — Deus. Não podendo ela mais alimentar-se do exterior, porque o anti-sistema está fechado e isolado, a substância cinética busca alimento e vida restringindo cada vez mais em derredor do único centro do qual possa recebê-lo e que representa tudo o que lhe restou da divina potência de que se destacou. Mas, ele não é Deus e sim um centro menor, que se exaure. Abaixam-se, por isso, progressivamente, todas as perpendiculares, cuja elevação, sob a irradiação divina, permitira ao ser subir para Deus. O movimento se retrai, involvendo; a substância tende a perder a sua originária e divina natureza cinética, para congelar-se em uma imobilidade crescente. Os anti-sistemas ficam assim sujeitos a um processo de contração progressiva. E que significa contração? Significa sempre maior curvatura cinética, isto é, curvatura das trajetórias constitutivas do sistema cinético de que se compõem todos os seres, desde o plano físico ao espiritual. Eis a razão pela qual o espaço é e deve ser curvo, pois que ele não representa senão uma fase do ser, sujeito a esses processos. Eis porque a ciência pode falar de espaço em expansão ou contração. Eis por que também o tempo deve ser curvo e retornar inteiramente ao ponto de partida. Os retornos cíclicos e periódicos  que se verificam por toda parte confirmam esse fato.
Agora, podemos melhor compreender a técnica observada no fim do capítulo precedente e pela qual se consegue a destruição dos espíritos maus, nos quais se personifica o mal. Eles são anti-sistemas que se isolam e se imobilizam cada vez mais, por progressiva curvatura, até se anularem. Há uma descida de dimensão em dimensão, da fase super-consciência à nossa consciência racional, à fase de consciência linear (tempo). Deste modo, o espírito, reduzido de uma estrutura volumétrica à de superfície e, enfim, à linear, está definitivamente sepultado como consciência, anulado na matéria, sua última forma de vida, sem consciência. Ele pode continuar a existir, assim, negativamente, ou então, desde que o deseje, inverter a rota para subir e evolver. A fase humana do mal não é a dos níveis mais baixos. Em qualquer deles, porém, o ser está sempre diante de uma alternativa: retroagir, voltando a subir para o bem e para o centro-Deus, ou, então, continuar a descer até ao aniquilamento. Neste último caso, por meio do habitual processo, abaixar-se-á a perpendicular, cuja elevação erguera da superfície ao volume, conduzindo de novo este, como por achatamento, à superfície. Depois se abaixará a perpendicular que elevou a linha à superfície e esta, como se se achatasse, se reduzirá à linha. Finalmente se abaixará a perpendicular que elevou o ponto à linha e esta, como se se achatasse, se reduzirá ao ponto. Estamos no final do processo. A contração se completou, o sistema se anulou, todo o edifício se reduziu a um ponto, a uma não-dimensão. O núcleo último reduto do anti-sistema, continuará ainda como rebelde sinistrógiro, girando sobre si mesmo.
Mas, por fim, mesmo essa reserva cinética será destruída pelo atrito contra as radiações dextrógiras dominantes, e esta última substância componente também será retomada na corrente positiva do "eu sou". E desta maneira que os anti-sistemas que quiserem persistir como tais são submetidos a um processo progressivo de achatamento até à sua destruição enquanto a substância que os compõe, sendo indestrutível, vem a ser utilizada em favor do sistema Uno-Deus, pois que a destruição é da individualidade (eu), e não da substância. Essa é a técnica da destruição do mal e da vitória final e absoluta do bem. Para tornar compreensível um fenômeno substancialmente abstrato, que abrange todas as formas do ser, do puro espírito á matéria, recorremos a representações geométricas, que nos facultaram a possibilidade de formar uma imagem de tudo. Mas já é tempo de dar-nos conta de que elas não constituem a realidade, não passando de uma representação nossa. Cabe, então, indagar qual é a verdadeira fisionomia do fenômeno da destruição do edifício do ser, assim como a do fenômeno inverso, o de sua reconstrução. Será facultada ao homem essa abstração, de modo a fazê-lo apreciar o fenômeno em sua substância? Que haverá de verdadeiramente real por trás da representação que dele demos?
Para sermos mais compreensíveis, tivemos de encarar o Todo no seu aspecto cinético. Deste ponto de vista, o impulso a representa um dinamismo livre em qualquer possível direção e energia, b, representa um dinamismo encarcerado na transmissão linear por ondas; a matéria g, um dinamismo completamente fechado em trajetórias que retornam sobre si mesmas. Notamos, pois, também, na realidade, um processo de curvatura do sistema. Nas grandes dimensões, a energia segue linhas curvas, até o fim que retornam ao ponto de partida. Assim, o espaço é curvo, como o é também a estrutura atômica e planetária. Tudo é curvo, pois, mas não com uma curvatura estática e constante, mas em expansão e contração, por trajetória espiralóide. Eis a trajetória típica dos movimentos fenomênicos (vide A Grande Síntese, fig. 4, cap. XXV). Tudo, pois, tende a expandir-se ou a contrair-se: esta é a respiração do universo, em dois tempos opostos. E tudo isto confirma e explica a nossa precedente representação geométrica. Mas o fenômeno, na sua substância, deve poder assumir infinitas formas e ser susceptível de infinitas representações. Uma delas, porém, que tenhamos escolhido é suficiente para fazer-nos compreender o seu andamento e a sua fisionomia. Qualquer seja o ponto de vista, trata-se sempre de uma inversão para o negativo, que pode manifestar-se como congelamento ou solidificação cinética, como contração ou curvatura do sistema, como um aprofundar-se do espírito na matéria, uma destruição da consciência, e assim por diante.
Certo é, no entanto, que aqui pudemos fundir em unidade todos os fenômenos, desde o moral da queda dos anjos, ao de progressiva demolição do espaço até o ponto; desde o da involução, ou criação, até o da evolução. Ora, o denominador comum de fenômenos, para nós tão distantes um do outro, não pode deixar de ser um conceito que, para ter valor universal, deve ser de natureza extremamente abstrata,além do concebível humano. Eis realmente o que existe por trás da representação quedemos ao fenômeno: uma abstração que, para o homem atual, se perde no superconcebível.
A ciência se encontra em condições idênticas ao definir substancial e última estrutura do átomo, só nos podendo dar uma equação matemática. Deste modo, limitando-nos apenas à demolição do espaço (volume), até o ponto, o conceito de progressivo achatamento de dimensões é puramente representativo. Certamente é mais fácil de imaginar, com a nossa psicologia concreta e sensória, um fenômeno expresso em termos geométricos espaciais. Mas, na realidade a substância do fenômeno é abstrata: é um pensamento reduzível a cinética, que pode involver no dinamismo linear da energia e aprisionar-se no dinamismo fechado da matéria. Então, o que se contrai nas demolições do espaço não é o volume ou a matéria. mas é a construção criada por esta idéia abstrata e nela projetada. O que se contrai não é apenas o movimento constitutivo da forma, mas o seu princípio abstrato diretivo, o pensamento que a isso preside. Como se vê, caímos em uma terminologia que soa demasiado estranho à nossa mente habituada a outras medidas e a outros conceitos. Estamos frente ao inimaginável e inexprimível, isto é, à progressiva demolição do espaço, por demolição do conceito diretivo do fenômeno espaço, como se a fórmula matemática que o rege fosse gradativamente perdendo os seus elementos constitutivos, simplificando-se cada vez mais, desprovida de seus elementos, até transformar-se em 0. O zero seria o nada conceptual e matemático, o momento final e conclusivo no anulamento do desmoronamento do sistema sinistrógiro. Uma representação mais concreta do fenômeno é impossível. Esta é, talvez, uma prova em favor da tese aqui sustentada, pois que nos diz que estamos absolutamente fora do antropomorfismo ao qual tudo tendemos reduzir para nossa comodidade de concepção Na realidade, é lógico que as visões do universo serão tanto mais verídicas, quanto menos sejam antropomorficamente imagináveis. Assim deve ser para a demolição do espaço, visto que ela não ocorre na fase em que vive o nosso universo e, como realidade inimaginável, está fora do alcance da experimentação e observação. Das coisas não podemos conceber a realidade absoluta, mas só em relação a nós mesmos.
Concluamos. Embora por intermédio de representações de valor relativo, podemos formar uma idéia da real estrutura íntima, funcionamento e transformismo de nosso universo e de nossa posição nele. Nós, seres humanos, estamos a meio caminho, suspensos entre o abismo do aniquilamento e o cume da perfeição. Sendo livres, vamos para onde quisermos. Naturalmente vemos o universo, consoante a posição que nele ocupamos. Damos importância ao universo físico, porque nele se apoiam nossos pés, mas pouco lobrigamos do universo espiritual que, se quisermos evolver, representa a nossa vida de amanhã. Mas, agora, em virtude do que dissemos, estamos aptos a ter desta visão o panorama completo do Todo. Vejamo-lo.
Transpondo os limites da estreita visão, somente do universo físico e dinâmico, veremos o Todo como um sistema bipolar que se pode deslocar para um ou outro dos seus polos, repetindo, como tudo o que existe, o esquema máximo, e só existe realmente enquanto oscila entre os seus dois extremos opostos. O sistema do Todo possui, portanto, dois pólos para os quais tende: um, para atingir a plena existência;outro, para atingir o aniquilamento. Esses polos podem chamar-se positivo e negativo: do ser, em Deus; do não-ser, em Satanás. Ao primeiro se sobe evolutivamente, por $ \gamma \rightarrow \beta \rightarrow \alpha $. O sistema negativo não é senão a contraparte do positivo, com o qual forma uma unidade. Ele é, por sua natureza, destinado à anulação em favor do segundo que, por sua natureza, está fadado à afirmação e ao triunfo final. O ser poderá oscilar, mas ao cabo deve tomar uma direção e sofrer as consequências da sua livre escolha. Os dois pólos são dois extremos aos quais tudo deve chegar. Quem sobe segue uma curva que se abre, em expansão, dilatando-se a tal ponto que atinge o infinito em Deus. Quem desce, segue uma curva que se fecha em contração e que, restringindo-se sempre, acaba no vazio, em Satanás. Quer no positivo, quer no negativo, o sistema obedece ao mesmo princípio da curvatura cinética. Embora a representação geométrica não nos dê a substância do fenômeno, ela, contudo, no-lo torna tão claramente imaginável, que podemos dele fazer um
esquema gráfico. Ao princípio analógico e ao dos esquemas em tipo único devemos a possibilidade de reproduzir em nosso plano, ou seja, em nosso imaginável, uma estrutura universal que, de outra forma, fora desta idealização, seria para nos inacessível porque na zona do inconcebível.
De um lado temos, pois, uma cinética em abertura; de um outro, uma convergente em si mesma, fechando-se. De um lado, o ser se dinamiza, potencia-se e se liberta. Eis o progresso, superação de dimensões (a técnica que progressivamente supera o limite espaço e tempo). Isto está no instinto e constitui a alegria e o triunfo da vida. De outro lado, esta se contrai, congela se e imobiliza Eis por que os anti-sistemas sinistrógiros se enfraquecem por não poder, como negativos que são, usufruir da divina irradiação positiva. Eles ficam, então, isolados no sistema e imobilizados pela sua curvatura cinética progressiva, acabando afinal desgastados pelo atrito contra a corrente, anulados e reduzidos ao ponto, não-dimensão. Assim se consolida a fratura e se dá a reabsorção do dualismo do Uno — triunfo final do sistema sobre o anti-sistema.
Eis a visão completa do universo uno, regido por um princípio único, que se inverteu em consequência da revolta da criatura, mas apenas para de novo se endireitar:
que se despedaçou, mas somente para reunificar-se, ou para anular-se, se o ser não quisesse a existência.
Desta forma, se enquadrou e ampliou a concepção de A Grande Síntese, ficando completa a visão do Todo.
Vamos agora retomar em síntese os conceitos até aqui expostos, exprimindo-nos, não com símbolos, mas com fórmulas matemáticas. Podemos, assim, contemplar de uma só vez toda a visão da existência, do princípio ao fim.
Todo o processo involutivo-evolutivo poderia ser representado por um círculo, cuja metade direita exprime o período ou fase de ida em descida ou desmoronamento do sistema, e cuja metade esquerda exprime o período ou fase de retorno em ascensão ou reconstrução do sistema. Neste que é o ciclo dotransformismo, o ponto de partida e o de chegada coincidem. Esse é o pólo positivo do sistema, do qual se parte e ao qual se retorna, atravessando os seus antípodas, do polo negativo.
Nas gravuras 1, 2, 5 etc., de A Grande Síntese só foi analisada particularmente a segunda metade, a evolutiva, do ciclo, que vai de $ -\infty $ para $ +\infty $, aquela que agora estamos vivendo, tendo sido deixado de parte o estudo da sua primeira metade. a involutiva, que vai de $ +\infty $ para $ -\infty $. Mas o semiciclo evolutivo é composto de várias criações ww1, ww2, ww3 etc. ou universos, exprimindo-se por D o seu conjunto ordenado, ou organismo de universos (cfr. Cap. XXIII de A Grande Síntese e suas figuras). Tendo presentes as referidas figuras e conceitos, procuremos desenvolvê-los com formulação matemática, indicando por S a substância e com o índice numérico colocado abaixo o estado em que ela se encontra, substituamos os símbolos usados em A Grande Síntese, pelos seguintes:
- y = S-2; -x = S-1;   g = S0; b = S1; a = S2; +x = S3; +y = S4; etc.

Então o processo involutivo no tempo (tempo que já definimos, como ritmo do vir-a-ser, ou do transformismo fenomênico), para um elemento isolado, poderá ser assim representado (deve-se ler a expressão da direita para a esquerda, assim apresentada para melhor compará-la com a semelhante das linhas seguintes);
S $ -\infty $     . . .      S-2      S-1      S0      S-1      S0      S1      S0      S1      S2      S1
     S2      S3      S2      S3      S4      . . . S $ +\infty $

Esta expressão significa que o elemento substância se transforma do estado de
máxima evolução (S $ +\infty $) no de máxima involução (S $ -\infty $ ).
De outro lado, o processo evolutivo poderá ser assim representado:
S $ -\infty $
 . . .
 S-2
 S-1
 S0
 S-1
 S0
 S1
 S0
 S1
 S2
 S1

 S2
 S3
 S2
 S3
 S4
 . . . 
S $ +\infty $
Como já foi dito em A Grande Síntese e pouco acima, em nosso universo (ww) e em nossa fase, que é a evolutiva (vai de $ -\infty $ a $ +\infty $), os três estados sucessivos da substância S são: 

matéria $ \gamma $, energia $ \beta $, espírito $ \alpha $; que, com o simbolismo aqui adotado serão respectivamente:

S0, S1, S2.
O conjunto dos universos ww1, ww2, ww3 etc., forma D, que em símbolo será: $ \Delta =\sum { \omega  } $. Naturalmente tudo isto não diz respeito á parte do sistema que permaneceu íntegro, a que não desmoronou pela revolta e queda dos anjos. Essa parte continuou na sua perfeição, sem tomar o caminho do vir-a-ser (transformismo involutivo —
evolutivo).
Ora, pelo princípio de liberdade já admitido, que aqui é de liberdade de movimento no transformismo em um instante genérico, encontraremos em D todos os estados possíveis desde S $ -\infty $ até S $ +\infty $.Mas entre eles haverá a seguinte diferença: na 1ª fase, descida involutiva, os estados da substância se transformam segundo a lei supra dita de S $ +\infty $ para S $ -\infty $; na 2ª fase, de ascensão evolutiva, os estados da substância se transformam de S $ -\infty $ para S $ +\infty $.
Vimos que, em termos de dinâmica, a revolta consistiu cm introduzir no sistema de forças originário dextrógiro (positivo), vórtice de forças sinistrógiras (negativas), funcionando como anti-sistema menor no sistema. Então, na 1ªmetade do ciclo (fase involutiva, de desmoronamento) atua e domina o elemento negativo, tendente ao estado $ -\infty $ (caos, plena realização do anti-sistema), o que quer dizer que é este anti-sistema, constituído de vórtices sinistrogiros, que desgasta em seu favor o sistema dextrógiro de forças, enriquecendo-se com esse desgaste. Atingido, porém, no ciclo, o ponto crítico de saturação no negativo, o processo inverte-se. Na segunda metade é ativo e domina o elemento positivo, oposto tendente ao estado $ +\infty $ (ordem, realização plena do sistema), o que significa que é o sistema dextrógiro que desgasta em seu proveito o anti-sistema sinistrogiro, enriquecendo com o seu desgaste. E assim, após haver atingido, no ciclo, o ponto crítico de saturação no negativo, agora se alcança o correspondente no positivo, ponto que, como vimos, coincide com o de partida, mercê do que, o sistema desmoronado acaba, finalmente, por encontrar-se em um estado em que tudo está perfeitamente refeito e reconstruído. É natural que as duas fases de desgaste e progressão devam ser inversas e complementares, como as duas metades que se equilibram e compensam em um sistema único dividido em dois períodos equivalentes, um de ida e outro de retorno. Isto corresponde também a uma necessidade lógica e, além de tudo resolver, satisfaz a razão.
Todo o processo se reduz a uma elaboração íntima de D, que do estado de $ +\infty $, através de sua transformação pelo desmoronamento até chegar ao estado de $ -\infty $, supera este, auto reconstruindo-se, até retornar ao estado originário $ +\infty $. E sabemos que significa o estado orgânico de perfeição, de ordem, da criação originária, em que Deus, o bem a felicidade e o amor triunfam; que $ -\infty $ expressa o estado de desorganização, de imperfeição máxima, de caos do universo desmoronado, em que Satanás, o mal, a dor e o ódio triunfam. E como a criação de origem foi uma construção orgânica feita por Deus em Seu seio (o Todo noTodo), assim também essa elaboração do desmoronamento e reconstrução, da ordem ao caos e do caos à ordem, ocorre sempre no seio de Deus (o Todo no Todo), ou seja, está compreendida no âmbito da circunferência que fecha o ciclo de ida e volta. Em outros termos, é sempre a mesma substância do Todo-Deus, que nos vários estados de ww, nosso universo, assume as formas de $ \gamma ,\quad \beta ,\quad \alpha $, aparecendo-nos em cada um deles essa substância, segundo o seu estado de transformismo.
É assim, pois, que todo o processo se executa, aumentando sempre no semi-ciclo involutivo a transformação de S $ +\infty $ para S $ -\infty $; e no semi-ciclo evolutivo.A transformação de S $ -\infty $ para S $ +\infty $, Deste modo, ao término do semiciclo involutivo, a substância de $ \Delta $ terá assumido totalmente o estado S $ -\infty $; e ao término do semi-ciclo evolutivo, a substância de $ \Delta $ terá assumido totalmente o estado de S  $ +\infty $ (ordem).
Analisando então $ \Delta $ nos instantes extremos (máximo e mínimo) do ciclo, em um instante genérico situado no semiciclo da sua involução, e também no semi-ciclo da sua evolução, representando com os símbolos:
$ \Delta $ (tp) = instante inicial (princípio) do ciclo de delta;
$ \Delta $ (tgi) = instante genérico do semi-ciclo involutivo de delta;
$ \Delta $ (t max i) = instante máximo final do semi-ciclo involutivo e inicial do
semiciclo evolutivo de delta;
$ \Delta $(tge) = instante genérico do semi-ciclo evolutivo de delta.
$ \Delta $ (t max e) = instante máximo final do semi-ciclo evolutivo e final também de
todo o ciclo delta, instante em que tudo retorna ao estado inicial de perfeição, os
estados da substância de D nos vários instantes serão:
$ \Delta $ (tp) = S $ +\infty $ , isto é, toda a substância se encontra no estado S $ +\infty $;
$ \Delta $ (tgi) = S $ +\infty $ . . . S4 S3 S2 S3 S2 S1 S2 S1 S0 S1 S0 S-1 S-2 . . . S $ -\infty $ isto é, em um instante genérico de involução da substância, encontramos contemporaneamente todos os seus estados, que se transformam em S $ -\infty $;
$ \Delta $ (t max i) = S-¥, isto é, toda a substância do sistema desmoronado, encontra-se
no estado S $ -\infty $;
$ \Delta $ (tge) = S $ -\infty $ 
. . . S-2 S-1 S0 S-1 S0 S1 S0 S1 S2 S1 S2 S3 S2 S3 S4 . . . S+                                                           
isto é, em um instante genérico de evolução da substância, encontramos contemporaneamente todos os seus estados, que se transformam em S $ +\infty $; $ \Delta $ (t max e) = S $ +\infty $, isto é, toda a substância do sistema desmoronado exauriu o seu ciclo, atingindo o estado final S $ +\infty $, para refundir-se, porque se tornou idêntica a
ela a parte do sistema que não se tendo revoltado, não desmoronou. Em outros termos, a conclusão de todo o processo, o seu resultado final é que toda a substância que se corrompera se restabeleceu, do estado S $ -\infty $ para o estado S $ +\infty $. Isto significa o triunfo final do bem sobre o mal, de Deus sobre Satanás, com a anulação do aspecto negativo e a afirmação absoluta do aspecto positivo da substância.
Em termos matemáticos, iodo o processo pode ser representado pelas duas expressões limites:
$ \lim _{ t\rightarrow máx\quad i }{ \Delta ={ S }_{ -\infty  } } $

$ \lim _{ t\rightarrow máx\quad e }{ \Delta ={ S }_{ +\infty  } } $

A primeira nos representa o universo no polo Satanás, podendo ser chamada a fórmula do desmoronamento, que o processo apenas atravessa. A segunda nos representa o universo no pólo Deus, podendo ser chamada a fórmula resolutiva do universo momento em que o processo, que teve um início, terá um fim, reintegrando-se tudo no estado perfeito de origem. Assim, o princípio e o fim se reúnem em um ciclo que se fecha sobre si mesmo. E o Todo, o infinito, Deus, permanece o que sempre foi e será, e simplesmente “é”.