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22/09/2015



85. 

PSIQUISMO E DEGRADAÇÃO BIOLÓGICA







A figura do super-homem representa o ponto de chegada da evolução do universo trifásico, compreendido pelo vosso concebível. 













A vida completou seu produto mais alto, a potência que sintetiza todo o passado. Mas a ciência, em suas aproximações entre gênio e neurose, já tinha tido o pressentimento de uma lei profunda, que volta neste limite extremo, manifestando-se como um cansaço da vida, uma tendência a decair, após ter exaurido sua função criadora.

Observemos o fenômeno. Falamos de renúncia, de superação da animalidade, que condicionam a afirmação do psiquismo; de uma espécie de complementaridade entre o impulso destruidor da natureza humana inferior, e o impulso construtor dos instintos espirituais do super-homem; de uma espécie de inversão, na passagem do primeiro ao segundo momento de evolução: 

fase animal e fase psíquica. 

Expliquemos cientificamente esses fenômenos de caráter místico. Como na desintegração atômica existe uma dissolução da matéria no ápice da fase $ \gamma $ ; como na degradação dinâmica existe uma dissolução da energia, no ápice do percurso da fase $ \beta $; assim, na evolução, existe uma paralela degradação biológica, pela qual a vida, como vida, dissolve-se e se opera a gênese de seu produto, $ \alpha $

Atingida essa criação de consciência, a evolução assoma às portas de novas dimensões, hoje super-concebíveis pela normalidade, no limiar de novo universo trifásico [15].

Trata-se de fenômeno comum e contínua verificação, este da degradação biológica, de uma progressiva fadiga no fenômeno da vida, um envelhecimento no indivíduo, na raça e nas civilizações, um esgotamento profundo do ciclo de cada unidade. 

Cada um tem sua jornada, aurora e crepúsculo; cada ser vive apenas às custas de envelhecer. A vida só pode existir à custa de uma degradação dinâmica e contínua. Nas espécies, quanto mais o indivíduo é simples, mais violento é o ritmo de sua reprodução. 



Como no indivíduo, quanto mais jovem é a vida, mais ativo é o seu metabolismo orgânico. Em poucas horas os bacilos produzem centenas e centenas de gerações de indivíduos; quanto mais a vida é próxima das origens, mais próxima está do nível de suas estruturas primordiais; mais é lábil em suas construções e proporcionalmente veloz em sua permuta de vida e de morte. 

Mas não é morte nem fraqueza, essa fragilidade de construções, ao contrário, é uma agilidade toda juvenil, uma flexibilidade e um poder de adaptação; é um frescor de forças que defendem e garantem a sobrevivência. 

Com a evolução biológica, porém, torna-se mais complexa a estrutura orgânica e mais complexas se tornam as exigências da vida; mais difícil é sua defesa e menores seriam as possibilidades de sobrevivência individual, se paralelamente ao processo vital não se desenvolvesse uma sabedoria protetora, um psiquismo dominador dos objetivos, sempre mais complexos a alcançar. 

A evolução não poderia alcançar uma forma de estrutura orgânica mais complexas, se antes não tivesse realizado — só enquanto o realizou — um psiquismo mais profundo que rege essa estrutura.

Há como que uma libertação progressiva da rapidez e labilidade do ritmo de vida e da morte; uma formação de equilíbrios cada vez mais complexos e ao mesmo tempo mais estáveis. 

A vicissitude alternada de nascimento e morte retarda seu ritmo, alarga-se o passo da onda da vida entre as amplitudes máxima e mínima; há uma progressiva tendência à extinção da forma, exatamente como em $ \beta $ vimos se extinguir a onda por progressiva extensão de comprimento e diminuição da frequência vibratória. 

Também na vida, a onda tende a amortecer-se: 

degradação universal, inerente ao processo evolutivo que pode dar-vos a razão íntima de muitos fenômenos. 





Tal como a energia envelhecera para tipos de vibração mais lenta e comprimento de onda mais amplo, assim também no fenômeno biológico o mesmo processo de degradação leva a um amortecimento de potência vital. 

Retornos paralelos, no vértice de cada fase; momento de degradação inerente ao desenvolvimento do fenômeno evolutivo.

Idêntico processo de amortecimento da onda vital ocorre no indivíduo. Em sua juventude, tudo é exuberância de forças vitais, flagrantes as capacidades reconstrutivas do metabolismo, maior maleabilidade e a adaptabilidade ao ambiente, ativíssimo todo o dinamismo orgânico, que se revela um desencadear-se indisciplinado e violento de forças primordiais. 

Depois, tudo se vai esgotando pelo choque das provas; extingue-se como dinamismo vital, indo para um dinamismo mais sutil de caráter psíquico. Dessa explosão sobrevive uma consciência, uma potência diferente de julgamento que antes não existia e que só os maduros possuem.

Então, nada se destrói, nem para o indivíduo, nem para a raça, mas tudo na substância se transforma e ressurge em roupagem diferente. Como na desintegração atômica, a matéria não morre, mas renasce como energia e na degradação dinâmica a energia não morre, mas se prepara para a gênese da vida; logo, na degradação biológica, a vida não morre como vida, porque seu desgaste condiciona a gênese do psiquismo. 

Em qualquer lugar e sempre a substância renasce de forma diferente. Trata-se, sempre, do mesmo fenômeno que, se parece destruição e desaparecimento da forma, aos vossos sentidos e meios de pesquisa, na realidade nem desapareceu nem acabou, mas apenas mudou de forma, anulando-se, como sempre, apenas no relativo. 

Portanto, o fenômeno da degradação biológica não é extinção. Nada envelhece, substancialmente jamais, nem na senilidade do homem, nem da raça, nem da espécie. Simplesmente a substância transforma-se na fase $ \alpha $, o espírito, e realiza sua mais alta criação em vosso universo. A morte de uma forma, como sempre, condiciona também aqui o nascimento de outra mais elevada. Degradação biológica, portanto, não é demolição, mas ascensão.

Aí está o significado daquela necessidade de demolição da natureza animal inferior, que é condição para a ascensão espiritual. Só nesse enquadramento universal de conceitos pode definir-se o significado científico da virtude:

norma evolutiva, caminho das ascensões biológicas para o vértice do psiquismo. 

Pode se falar de uma ética racional, que esteja em relação com toda a fenomenologia universal. Nesta ética, quem vive a virtude é bom e louvável, porque segue a direção do transformismo, que constitui a essência do universo. Já dissemos: 

bem = evolução, ou seja, direção positiva ascensional; mal = involução, isto é, inversão do movimento de valores.



Nada se destrói. O que se perde em quantidade de energia, ganha-se em qualidade; perdem-se as características da vida, apenas para adquirir as do psiquismo. 

Se o ambiente impõe ao princípio dinâmico da vida uma constante dispersão de forças, contudo elabora o princípio que absorve do ambiente e torna suas todas as experiências. 

Se a vida, à força de progressivos aumentos de desequilíbrios no equilíbrio do metabolismo, acaba por ser vencida, há uma paralela e contínua reconstrução mais no alto. Esse renascimento é progressivo e proporcional à sutilização orgânica (superação da vida animal, renúncia, virtude), que a prepara e a condiciona, como se faz com os fenômenos inversos e complementares.

A degradação da vida, pois, não é uma doença senil individual ou da espécie, mas é um processo evolutivo normal, que possui verdadeira função biológica criativa. O fruto senil do psiquismo, a sutileza do sentimento até a pseudo neurose do super-homem, não é produto de decadência, mesmo que assim possa parecer aos povos crianças, fecundos e combativos.

O equilíbrio biológico seletivo, conseguido pela mulher que gera e pelo homem que guerreia e mata para vencer, é ultrapassado pelas formas mais perfeitas da vida, cuja obtenção é a aspiração maior dos povos jovens, os quais para ela tendem, assim como toda juventude tende para a velhice, fatalmente.

Desse elevado ponto de vista, os fenômenos de senilidade do indivíduo, como das civilizações, assumem significado totalmente diferente. A degradação das formas biológicas tem a função específica de amadurecer o aparecimento das formas psíquicas, e existe sempre uma inversa proporção entre umas e outras: 

onde é máxima a potência vital, a potência psíquica é mínima, em seus primeiros albores. 

Com a evolução, a potência vital tende a enfraquecer-se, mas a potência psíquica torna-se cada vez mais ampla e evidente. Tanto o indivíduo quanto a raça valem, então, muito mais como qualidade, embora seu ritmo reprodutor enfraqueça e a quantidade diminua. É lei da natureza que os povos civilizados se reproduzam menos.

Então, não é decadência o pressuposto enfraquecimento das civilizações maduras. Naturalmente, cada valor maior tem de ser pago. Na degradação das civilizações, se os povos envelhecem, suas almas amadurecem por meio das experiências da vida coletiva; e quando uma civilização cai, nada morre em sentido absoluto. Vede que ela produziu uma flor delicada e esplêndida, é colhida e será o germe das civilizações futuras. 

À parte a sobrevivência dos indivíduos, que mais tarde voltam à Terra amadurecidos, aptos a retomar o mesmo ciclo de civilização para levá-lo ao alto, também em vosso mundo sobrevive uma potência de conceito, sem a qual a força criadora dos jovens jamais seria fecundada e eles, em consequência, vagariam na incerteza.

O produto de tanto trabalho de experiência é destilado em poucos princípios, que têm a força de erguer uma nova civilização. O passado jamais morre, sempre ressurge indestrutível. Todas as conquistas espirituais realizadas permanecem no mundo como força real e ativa, base para novos impulsos, eterno testemunho e índice, que mede a evolução realizada. 

Assim, não será decadência o envelhecimento individual, se souber reviver renascendo, continuamente, no espírito. Cansaço e velhice são momentos normais no metabolismo da vida, onde se revela o amadurecimento do fenômeno biológico, sem nenhum desgaste, nem deterioração dinâmica substancial.

Só assim é possível compreender profundamente o fenômeno pelo qual a vida produz consciência. Não bastava ter explicado o mecanismo da formação dos instintos e da estratificação das experiências. A degradação biológica é parte integrante do fenômeno evolutivo e existe como condição do processo genético do psiquismo. 

Como a evolução dinâmica impõe um processo de degradação da energia, assim a evolução biológica implica um processo de degradação do fenômeno da vida. Nesses fenômenos, age o mesmo princípio do esgotamento do impulso originário, um decréscimo das qualidades cinéticas, do potencial sensível das formas. 

O processo evolutivo implica nesse sentido uma degradação progressiva de potencial. A razão profunda desses fenômenos está na natureza do transformismo evolutivo. O mesmo gradual amortecimento cinético na fase energia para vida, como na vida para espírito, é apenas a constante e substancial característica do fenômeno evolutivo. 




Isto acontece porque, reduzida a sua fundamental substância, a evolução é movimento, isto é, um processo de descentralização cinética, uma expansão do princípio cinético que se dilata do centro à periferia, uma realização que age pelo esgotamento de um impulso, originado de um precedente e inverso impulso involutivo de concentração cinética e condensação dinâmica, de concentração de potencial da substância, a que agora se contrapõe o processo inverso de subida.

Assim, a energia tende agora à difusão, justamente porque vosso universo está em período evolutivo, enquanto no período inverso precedente, tendia e dirigia-se à concentração (condensação das nebulosas). 

A evolução ou sua inversão para o negativo (involução) é caminho inviolável, porque é a direção do devenir da substância, que se manifesta no relativo. Por isso, todo o fenômeno é irreversível.

[15] - Para análise dos primeiros planos deste universo trifásico, v. Ascese Mística. (85.2)