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18/09/2015


84. 

GÊNIO E NEUROSE








Concluiremos a exposição da teoria do super-homem, observando como se manifestou na revolução biológica em forma de gênio, procurando compreender, em seguida, as afinidades que, por conclusões erradas, foram ressaltadas entre seu tipo e a degradação neurótica; finalmente, buscando definir o fenômeno da degradação biológica no processo genético do psiquismo.








Enquanto a mediocridade estacionária pára em sua fase, em perfeito equilíbrio, contra quem tenta novos caminhos, levantam-se todos os assaltos das forças biológicas. O misoneísmo, como garantia de estabilidade, é impulso de nivelamento, e a vida põe asperamente à prova as antecipações e as criações. 

Se o gênio passa por sobre a Terra como um turbilhão, a massa a ele gruda-se para mantê-lo embaixo. No tipo comum, os instintos são proporcionais às condições ambientais e existe uma correspondência, estabelecida antes que a criatura nasça, entre ela e a coletividade; esta o espera de forma a que já encontre pronto o esforço e sua satisfação. 

A compreensão é automaticamente perfeita. O gênio, ao contrário, monstruosa hipertrofia de psiquismo, situado numa posição biológica super normal, encontra-se defasado em tudo e por tudo; é impossível estabelecer uma correspondência entre seu instinto, que normaliza o super normal, e o ambiente que exprime outra fase e oferece outros choques. 

A diferença de nível produz uma desproporção; não se esboça uma compreensão; o desequilíbrio entre sua alma e o mundo é insanável, impossível é a conciliação entre sua natureza e a vida.

O gênio passa, solitário e dolorido, mas cônscio do próprio destino, incompreendido e gigantesco, repugnando os ídolos da multidão, atordoado pelo estrépito da vida, desatento e inepto, porque sua alma é toda ouvidos para um canto sem fim que lhe sai de dentro e voa ao encontro do infinito. 

Estranho sonhador, preso no sagrado tormento da criação, absorvido nos ócios fecundos em que amadurece o invisível trabalho íntimo, sofre com uma paixão em que não é o homem, mas o universo que responde. 

A imensidade do infinito está próxima e ele não vê a Terra, que atrai todos os olhares e todas as paixões. Vive de lutas titânicas. Pede à vida a realização do ideal, sem possibilidade de concórdia com a mediocridade, aspirado como um turbilhão pela ânsia da evolução. 

Conhece o medo de quem se debruça sobre o abismo dos grandes mistérios, a vertigem das grandes altitudes, a amargurada solidão da alma diante da inconsciência humana; conhece a luta atroz contra a animalidade que retorna, as imensas fadigas e os perigos que aguardam os que querem alçar-se ao voo. 

Os cegos dizem: 

é louco! Sente-se esmagado pelo inútil peso do número; compreende a baixeza de quem não o compreende. 



Mesmo a ciência, filha da mentalidade utilitária da mediocridade incompetente, mas ávida de julgar, sentencia: 

neurose!




Mas o gênio não pode descer; sente seu Eu gritar e não pode calar. Ele não é um corpo apenas, como os outros, é, acima de tudo, uma alma. 

O espírito que dormita em tantos e deve nascer, aparece nele como um gigante, evidente, troveja e se impõe; quem poderá compreender suas lutas titânicas? A humanidade caminha lenta, debaixo do esforço da própria evolução; ele está à frente e carrega toda a responsabilidade, arrasta o peso de todos.

A massa diz: 

anormal; 






a ciência fala: 

neurose. 

Mas conhece a ciência as relações entre dor e ascensão espiritual?




Entre doença e gênio? 

Conhece os profundos equilíbrios em que se esconde a função biológica do patológico? 

Conhece por quais leis de compensação física e moral funcionam as íntimas harmonias da vida? 

Mas se a ciência ignora todos os fenômenos sutis da alma, até negando-a totalmente, que pode entender essa ciência fragmentária, incapaz de sínteses, sobre a complexidade de leis superiores, de cuja existência ela sequer suspeita? 

Como pode constranger-se o supra-normal, a antecipação biológica, nos limites do tipo médio? 

Por que aquele que representa o valor mais medíocre deve ser escolhido como modelo humano? 

Que significa esse nivelamento, essa redução de altitude em categorias preconcebidas, esse apriorismo que emborca a visão do fenômeno, exaltando no gênio apenas o lado pseudo patológico da neurose? 





Não é patológico o cansaço proveniente de enorme trabalho, o desequilíbrio inevitável que provocam as antecipações evolutivas, o tormento e o esforço das maturações mais altas, a inconciliabilidade inevitável entre o conquistado super psiquismo e o organismo animal.

Esses caminhos de aperfeiçoamento moral prosseguem e continuam, exatamente, a evolução orgânica darwiniana; e a ciência, que compreendeu uma, deveria, por coerência, compreender a outra. É lei de equilíbrio natural que qualquer hipertrofia, como também qualquer atrofia, seja compensada. 

Como no campo orgânico, cada indivíduo tem normalmente um ponto de menor resistência e maior vulnerabilidade, que fica compensado por um reforço proporcional em outros pontos estratégicos. 

Assim, no campo psíquico verifica-se um desenvolvimento de qualidades que a média sequer suspeita. Não se pode julgar um tipo psíquico de exceção com os critérios e unidades de medidas comuns, para relegá-lo sumariamente no anormal e no patológico. Insisto nisto porque assim inverte-se a apreciação desse novo tipo de homem, cuja criação é função justamente dos tempos modernos.

Querer levar para o anormal tudo o que exorbita da maioria medíocre, é sufocar a evolução, fazendo do tipo humano mais comum, de valor duvidoso, o tipo ideal; é crime, querer esmagar embaixo o que não se compreende, este por em comum e confundir, colocando igualmente fora da lei o subnormal e o super normal, fenômenos que estão simplesmente nos antípodas um do outro.

Sem falar nas injustiças históricas, delineia-se ainda hoje, por vezes, o tipo humano que tende ao super normal: 

é o terceiro tipo de homem, como vimos. 

É um tipo de personalidade que representa, por maturidade de instintos, refinamento moral e intelectualidade superior, a assimilação ocorrida dos mais altos valores espirituais, a aquisição das qualidades mais úteis à convivência social, constitutivas do edifício das virtudes: 

a formação realizada do tipo ao qual tende a humanidade em seu desenvolvimento. 

Inteligência, dinamismo, excepcional sensibilidade e percepção do belo e do bem, uma retidão em que se fixaram os mais altos ideais de honestidade e altruísmo, que são o índice do grau de evolução, uma atitude superior que cimenta o conjunto social e funciona no organismo coletivo. Todos, sinais de nobreza de raça, de uma aristocracia de espírito.

Mas, ao mesmo tempo, existe uma sensibilização dolorosa, que revela o esforço de novas adaptações, o tormento de um ser que geme sob o peso de violentos deslocamentos biológicos, a rebelião de um funcionamento orgânico não habituado; e não sabe submeter-se às exigências que um psiquismo preponderante impõe, na improvisada dilatação de suas potencialidades. 

Se hoje aparece como fraco, acumula em si qualidades e poderes espirituais que, um dia, admiti-lo-ão entre os futuros dominadores do mundo, ao passo que aos normais, aos equilibrados no ciclo das funções animais, restará por seleção natural a função dos servos. 





Se o gênio apresenta uma tendência à neurose, é porque seu temperamento de vanguarda que assume o risco da preparação das verdades futuras e executa uma grande função no equilíbrio da vida. 

Se em sua própria emotividade e afetividade, intensas demais, na exaltação da inteligência e da sensibilidade, na moral primorosa, existe algo de ultra-refinado — como da raça aristocrática que, por estar madura demais, agoniza e morre —, socialmente, é um fermento precioso de sensibilidade e atividade, uma centelha de vida entre uma massa de medíocres, onde predomina a inércia, e a vida, que não sabe senão manter-se e reproduzir-se, fechada no ciclo de suas funções animais.

Esses seres delicados foram e são constrangidos a viver num mundo de todos. Que terrível choque para eles reserva a luta do tipo comum, vazio de escrúpulos e de sensibilidade, que se conduz tão brutalmente! 

São generosos e honestos, não sabem prostituir a alma todos os dias para obter vantagem imediata, vivem daquilo que o mundo verá somente daqui a milênios e pagam caro sua superioridade. 

A dor, caminho das grandes ascensões, é sua companhia mais chegada. Neles, a natureza humana, que morre para dar vida ao psiquismo super-humano, sofre o tormento da agonia e, com uma afetuosidade intensa e incompreensível aos normais, implora desesperadamente ajuda, para não morrer. O mundo ri, mas já foi selado pela palavra do Grande entre os grandes: 

“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.




O homem, julgado inconsciente! Triste herança a normalidade! Tanto maior é o espírito, mais forte ele sabe bater a dor para sua ascensão. É lei da natureza que as grandes criações sejam filhas das grandes dores; que o processo das criações biológicas mais fecundas, seja mais trabalhoso, mais cheio de esforços. Existe trabalho mais forte que o de vencer a inércia biológica e superar no atavismo o impulso de forças milenares?

É bem grave, para quem vive neste mundo e com esses labores, ter de acrescentar à luta exterior de todos a tensão dessas grandes guerras interiores, e conter, no centro de si mesmo, não um cérebro aliado e amigo que ajude na conquista material, mas um cérebro com objetivos diferentes; não acompanha, mas agride a vida; transforma-lhe o trabalho, complica-lhe os obstáculos, aumenta o sofrimento, e acrescenta às dificuldades do mundo exterior o enorme peso do drama interior que por si só, já é suficiente para esmagar o homem. 

Que tremendo problema se tornará uma vida assim traçada, suspensa entre a luta exterior e a interior, ambas sem tréguas? 

O deslocamento das aspirações humanas e o emborcamento dos valores comuns isola e vergasta; a realidade sensória insulta o sacrifício; o presente não quer morrer para dar lugar ao amanhã, o corpo para o espírito, o tangível para o imponderável. A construção de uma alma nova exige um grande esforço no deslocamento do eixo da vida e a revalorização de si mesmo num nível mais alto.

A esse ser, diz a ciência: 

psicopata. 




Sem dúvida, existe uma neurose patológica como síndrome clínica mais ou menos evidente, em que se encontra justamente exaltado o tom da dor e da sensibilidade; mas, com muita frequência, a ciência quis incluir nela grande quantidade de fenômenos que pertencem ao super normal e algumas maravilhosas indenizações da natureza, que sublima espírito e provoca um crescimento gigantesco de manifestações intelectuais no coração de uma psique tormentosa. 

Desvalorizou desse modo um tipo humano que podia ter uma função na economia da vida social. Com essa incompreensão, a ciência inverteu sua tarefa: 

valorizar as forças da vida. 




Grande responsabilidade, para quem fala de cátedra, com autoridade: 

o não saber ver essas mais altas fases da evolução biológica que, no entanto, é tão corajosamente defendida; o ter compreendido que isto é apenas um fragmento da verdade, só para abaixar o espírito ao nível do corpo e não para elevar o homem à dignidade espiritual.

Está na hora desse organismo de intelectuais e de conhecimento chamado ciência — se quer ser ciência — assumir a direção consciente deste grande fenômeno, a evolução. Ao invés de perder-se em rivalidades estéreis de domínio, assumir a direção da seleção humana; educar o homem para uma consciência eugenética, criando a qualidade antes da quantidade; subir para a direção inteligente das forças naturais onde reside a premissa da felicidade do indivíduo e da raça.

Aprendei a compreender a vida como uma imigração que vem do além. Purgando o ambiente espiritual, a Terra se tornará automaticamente inabitável para os seres involuídos; os destinos mais atrozes permanecerão espontaneamente nos mundos inferiores. Indispensável se faz uma profilaxia moral contra tudo o que é coletivamente anti-vital. 



Somente uma consciência das distantes vantagens da raça, um altruísmo ponderado e consciente podem atenuar progressivamente a patogênese, que nenhuma terapêutica a posteriori poderá corrigir. Se a dor pode ser redenção, nem por isso se devem semear suas causas.

Que a ciência conquiste o conceito científico de virtude, embeleze-se, e ao mesmo tempo, delineie sua figura racional. 

Quando o super tipo biológico aparecer esporadicamente, não o considere elemento anti-vital, mas lhe ajude o transformismo; estenda a mão benévola aos seres que sofrem e lutam sozinhos, para a criação de uma raça nova; valorize esses recursos que podem ser da maior importância para a progressiva domesticação da besta humana, quando não bastarem as religiões e leis para arrancar-lhe a ferocidade. 

A classe daqueles que pensam, em todos os campos, tem o dever de guiar o mundo, o dever de executar a própria função de central psíquica do organismo coletivo; o dever de tornar-se intérprete da Lei e de indicar o caminho, para que a sociedade e seus dirigentes saibam e sigam. 

Se não for secundada a explosão das paixões que trazem o bem, a fé e a coragem; se não compreender-se quem guia o homem no áspero caminho de suas ascensões; se não acatar-se tudo o que cimenta a convivência social, que fareis em nome da civilização e do progresso, para que os ideais não sejam sonhos?